"As pessoas, a partir do momento em que entram numa instituição, mesmo mantendo a sua capacidade cognitiva, entram na generalidade dos casos num processo de infantilização", censurou a advogada, em declarações à agência Lusa.
Para a causídica, com trabalho em instituições ligadas à prevenção da violência contra as pessoas idosas, "este é um processo desnecessário e que acaba por aumentar o apressar da própria senilidade, porque se a pessoa começa a ser afastada do centro da decisão, acaba ela própria por começar a demitir-se da sua própria vida".
Embora saliente a existência de "muitas exceções", Paula Guimarães lamentou que "grande parte deste tipo de situações ainda aconteça".
A jurista referiu ter-se feito "um grande caminho em Portugal no que diz respeito ao edificado" e na formação técnica, mas disse haver "um problema sério" na formação jurídica dos profissionais do setor, "designadamente na questão dos direitos pessoais".
"A maior parte dos profissionais da área da saúde e da área social não tem conhecimento da legislação", acrescentou.
Paula Guimarães considerou a intervenção nas instituições "muito centrada na satisfação das necessidades básicas" e, se por um lado classifica a qualidade do tratamento a esse nível "cada vez melhor", no que toca ao "tratamento da dimensão da dignidade, ainda há muito caminho para andar".
"Nós temos tendência a considerar que as pessoas, independentemente da sua situação concreta, quando são mais velhas, são incapazes, e isso não é verdade", salientou a advogada, em declarações à agência Lusa.
Na opinião da jurista falta estar generalizado um sistema de prestação de informação relevante às pessoas mais velhas sobre os seus direitos, para que elas "possam escolher", possam "antever a sua situação" e "tomar medidas que previnam" abusos.
"Se as pessoas fossem informadas de algumas questões, elas não eram colocadas compulsivamente nos lares, não deixavam que os seus familiares gerissem os seus dinheiros, podiam prevenir, inclusive, a perda de autonomia dentro da sua casa. O que é facto é que nós não ensinamos as pessoas a prevenir o envelhecimento e, portanto, a maior parte das situações em que elas são vítimas é por desconhecimento da lei", analisou Paula Guimarães.
A causídica dá como exemplos a Lei do Testamento Vital, que entrou em vigor em 2012 e permite a cada um "escolher o que for melhor para si e, no âmbito da saúde, ter a possibilidade de escolher um procurador de saúde".
Paula Guimarães mencionou também o Regime do Maior Acompanhado, que permite aos maiores de 18 anos escolher por quem ser apoiado no caso de vir a perder capacidades.
"A maior parte das pessoas não sabe e depois é apanhada na curva. São ludibriados, explorados pelas pessoas que lhes prestam cuidados", acentuou a jurista, que alertou ainda para a existência da lei dos Direitos das Pessoas em Contexto de Doença Avançada e em Fim de Vida, "fundamental para saberem aquilo a que têm direito quando estão nos hospitais".
A advogada afirmou-se convicta de que "se as pessoas fossem informadas e se começassem cedo a preparar a sua velhice, metade dos problemas não acontecia".
"Bastava dizer que metade das pessoas seriam elas a escolher o equipamento para onde queriam ir, ou poderiam escolher ir para um lar ou ficar com apoio domiciliário, ou se querem fazer uma cotitularidade de conta ou se preferem fazer uma procuração", pormenorizou.
"Temos imensas situações de exploração financeira das pessoas mais velhas em Portugal. A maior parte dessas situações são perpetradas por familiares ou por cuidadores. Ou seja, pelas pessoas que estão mais próximas", afiançou, com base em casos que acompanha diretamente e em relatos de instituições ou da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima.
Em lares, enfatizou, em contexto de pandemia, "as pessoas aí residentes também viram os seus direitos enquanto clientes dessas instituições reduzidos", mas referiu que não é um cenário agravado pela covid-19, antes se "tornou mais visível".
Paula Guimarães fez referência à Constituição, à salvaguarda dos direitos pessoais, e aludiu a situações em que as instituições fazem a gestão do património dos residentes, "sem o seu consentimento.
“Na maior parte dos casos" os episódios de intervenções de saúde são autorizadas pelos familiares "sem legitimidade para o fazer", e não pelo próprio, disse, questionando se as pessoas a residirem num lar "têm direito à intimidade, à reserva da vida privada, a poderem escolher um parceiro para ficar no quarto com elas".
"A pandemia não veio trazer novos problemas, o que veio foi acender a luz. Agora, ou apagamos a luz outra vez, ou tomamos medidas", reforçou a jurista.
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