Desespero, revolta e angústia são as palavras mais proferidas por dois doentes com paramiloidose que esperam que o Tafamidis, um medicamento que evita o transplante hepático, seja disponibilizado em Portugal.
Caso contrário, e porque recusam ser transplantados devido à perda de qualidade de vida, vão optar por emigrar para França, um dos países que, tal como Itália e o Luxemburgo, já disponibilizou o fármaco aos seus doentes.
A Lusa entrevistou estes dois doentes a propósito do Dia Nacional de Luta Contra a Paramiloidose, que se assinala na quinta-feira.
Ana e Pedro falaram com nomes fictícios porque não querem ser "estigmatizados pela sociedade", mas são jovens, licenciados, com sucesso profissional e herdaram a doença do pai que, em ambos os casos, já morreu.
Esta doença neurológica rara e sem cura ocorre quando o fígado produz uma substância fibrilar insolúvel designada por amiloide, que se deposita nos tecidos.
Conhecida como doença dos pezinhos, manifesta-se entre os 25 e 35 anos, transmite-se por via genética e os sintomas são a perda de peso, de sensibilidade e estímulos, afetando os membros inferiores e superiores, causando perturbações nos sistemas digestivo e nervoso e problemas cardíacos.
E são estes sintomas que Ana e Pedro, que têm menos de 36 anos, já começaram a sentir. No caso de Ana, tem muitas “dores musculares, cansaço e fadiga”, disse à Lusa.
Pedro, por ser homem, tem sintomas “mais galopantes”. Já perdeu 15 quilos, não tem “sensibilidade térmica”, sente “o toque, mas não a dor” e “vomita sempre ao acordar”, contou.
"Daqui a um ano ando de canadianas e, daqui a dois, morro”, diz, prevendo um futuro que poderá ser diferente caso tome o Tafamidis, que lhe permitirá ter uma vida “perfeitamente normal”.
Também Ana se imagina “numa cadeira de rodas”, caso o Sistema Nacional de Saúde (SNS) lhe “vire as costas” ao não disponibilizar o medicamento, acusou.
O Tafamidis será totalmente comparticipado, custando ao Estado cerca de 120 mil euros/doente por ano. O transplante de fígado fica em cerca de 400 mil euros.
Só que os transplantados, na maioria dos casos, “deixam de trabalhar ou recorrem com frequência à baixa médica, mas muitos morrem com outras complicações”, explicou Ana.
A revolta está no facto de a França, Itália e Luxemburgo já estarem a ministrar o Tafamidis aos seus doentes. “Seremos seres humanos diferentes?”, questionam ambos, não descartando a possibilidade de emigrar.
É que já começou a “contagem decrescente”, porque, em breve, “os sintomas e as limitações vão agravar-se e aí, nem medicamento nem transplante”, frisou Pedro.
Recentemente, o secretário de Estado da Saúde disse à Lusa que quem certifica o medicamento é a Agência Europeia de Avaliação de Medicamentos (EMEA), e, só depois, poderá ser disponibilizado pelo SNS.
“Esperamos há dois anos, mas quanto tempo mais teremos de aguardar? Se calhar, quando vier, já será tarde para os cerca de 100 doentes que estão como nós”, sublinhou Pedro, referindo-se aos doentes que se precisam de começar imediatamente a medicação.
A Associação Portuguesa de Paramilodoise estima que Portugal tenha cerca de duas mil pessoas com a doença, mas há mais seis mil casos com gene mutante, mas sem manifestações clínicas da patologia. A cada ano, surgem 100 novos doentes em Portugal.
15 de junho de 2011
Fonte: Lusa/SAPO
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