HealthNews (HN)- Um estudo liderado pelo Prostate Cancer UK revela que dois em cada três homens desconhecem que o cancro da próstata se pode desenvolver sem mostrar sintomas evidentes e que 44% dos homens não sabem localizar a próstata. Atualmente, em Portugal, o défice de literacia é ainda um dos principais desafios?
José Sanches de Magalhães (JSM): Na minha opinião, a falta de literacia em saúde é um dos principais problemas. Embora nos últimos anos exista um manancial de fontes, a grande dificuldade é filtrar a informação fidedigna.
HN- Segundo o mesmo estudo, embora 86% estejam conscientes de que um diagnóstico precoce é vital para salvar vidas, 36% hesitaram antes de procurar aconselhamento profissional. Como se explica esta aparente contradição?
JSM: No caso do cancro da próstata, como em outras patologias, existe habitualmente um receio de enfrentar uma nova realidade com desafios a ultrapassar. Especificamente no caso da próstata, existe uma associação com fatores muito primários, tais como a masculinidade e virilidade.
HN- Que sintomas podem aparecer nos vários estadios?
JSM: Na fase inicial, e nesta fase praticamente todos os casos são curáveis, não existem sintomas. A deteção precoce faz-se pelo doseamento do PSA (antigénio específico da próstata) – análise vulgar ao sangue. Se os valores estiverem anormais, é necessária a realização de mais exames. O diagnóstico é feito por biópsia-colheita de tecido prostático.
Em fases mais tardias pode haver sintomas atribuíveis ao crescimento local do tumor como dificuldade em urinar ou aparecimento de sangue na urina. Muitas vezes o sintoma mais frequente nas fases avançadas é a dor óssea: habitualmente na coluna ou bacia. Geralmente dor que não alivia com repouso, antes pelo contrário, costuma agravar-se de noite.
HN- Como é que se previne o cancro da próstata?
JSM: Não se previne. A palavra-chave é deteção precoce. Existem estudos que mostram diminuição da incidência com alguns alimentos, tais como o tomate e a soja, embora o nível de evidência seja muito baixo. Existem fármacos que mostraram uma diminuição de incidência de formas pouco graves à custa de efeitos secundários do foro sexual e de aumento relativo de aparecimento de formas mais agressivas de cancro, pelo que que a sua utilização de rotina não está recomendada.
HN- Em Portugal, os doentes têm fácil acesso aos melhores tratamentos e inovações?
JSM: Continua a existir, em Portugal, um ímpeto de tratar todos os doentes com cancro da próstata localizado com as armas clássicas: cirurgia e radioterapia nas diferentes formas. Está comprovado que não existe qualquer urgência no tratamento imediato de grande parte da doença classificada como de baixo risco e mesmo de casos de risco intermédio. Há protocolos de vigilância ativa que pressupõem monitorização do PSA, repetição de ressonância magnética e/ou biópsia prostática de modo a adiar o tratamento por meses ou anos sem implicação nos resultados de cura. Recentemente, o estudo PROTECT mostrou que cerca de 20% dos doentes que realizaram vigilância ficaram 15 anos sem necessitar de tratamento e sem as consequências dos mesmos na sua função sexual, urinária ou intestinal, e com sobrevivência idêntica aos doentes tratados originalmente com cirurgia ou radioterapia.
Evidentemente, doença classificada como de risco intermédio e alto necessita de tratamento que deverá multimodal nas formas mais agressivas.
HN- Em que consiste a técnica NanoKnife? Quais são as suas vantagens e desvantagens?
JSM: O Nanoknife é o nome comercial da tecnologia denominada de eletroporação irreverssível. É uma forma de destruição tecidular que se baseia na criação de um forte campo elétrico pulsado entre 2 ou mais elétrodos (agulhas). Estas são colocadas à volta da lesão a tratar. No caso da próstata guiado por ecografia e RM. As agulhas são colocadas através da pele do períneo (zona entre o anus e escroto). A destruição tem uma selectividade celular, ou seja, apenas as células são destruídas, preservando-se as estruturas extracelulares-andaimes onde as células se localizam. O procedimento é realizado em ambiente de bloco operatório sob anestesia geral, embora a permanência hospitalar seja habitualmente inferior a 24H.
O Nanoknife faz parte de um conjunto de opções terapêuticas do cancro da próstata denominadas de tratamentos focais, com filosofia diferente das modalidades clássicas. Ao invés de tratar toda a próstata por igual, estes tratamentos deitam mão da evolução dos últimos anos em termos de imagem de RM e dispositivos de fusão de imagem entre RM e ecografia, para destruir apenas a zona de doença agressiva, preservando a restante glândula e, portanto, minimizando o impacto funcional em termos sexuais ou urinários.
Está indicada para doença de risco intermédio em que existe lesão alvo em RM coincidente com dados de biópsia. Habitualmente doença unilateral ou bilateral na porção anterior da glândula.
HN- O que é que pode melhorar no sistema de saúde português? Ou seja, o que é que falta fazer pelos homens que foram ou serão diagnosticados com cancro da próstata? A American Cancer Society indica que cerca de um em cada oito receberá um diagnóstico de cancro da próstata durante a sua vida.
JSM: Um em cada 8 terá esse diagnóstico, mas apenas um em cada 41 morre devido a essa doença. É fundamental diferenciar os tratamentos de acordo com a agressividade da doença, com outros problemas de saúde do doente e preferências do mesmo, de modo a não induzir aquilo se que chama “overtreatment”, ou seja, submeter os doentes a formas de tratamento com elevado impacto funcional na qualidade de vida para lidar com doença que em grande parte dos casos não teria impacto na quantidade de vida.
HN/RA
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