Íris (nome fictício), 45 anos, foi violada e abusada pelo irmão durante quase dois anos e quando teve a coragem de contar aos pais, não só não teve qualquer apoio, como a fizeram sentir responsável pelo que se tinha passado.
Já Guiomar (nome fictício), 28 anos, é filha de pais toxicodependentes e alcoólicos a quem foi retirada aos três anos, tendo sido vítima de agressão por parte da mãe, que chegou a atirar-lhe com uma panela com água a ferver num acesso de fúria.
Apesar da “diversidade expectável” em relação às histórias de vida, o estudo detetou traços comuns entre as 24 pessoas entrevistadas, desde famílias desestruturadas e sem afeto, casos de violência e abuso, pobreza, exclusão social, baixos níveis de escolaridade e ausência de qualificação profissional, relações afetivas tóxicas, baixa autoestima ou ausência de expectativas em relação ao futuro.
“Eu era uma moça igual a tantas outras, lá na minha cidade: pobre, sem grande futuro, e com vontade de sair da miséria. Acho que a miséria era o que melhor me definia como pessoa”, recordou Ana (nome fictício), 26 anos.
O estudo mostrou que nas histórias familiares de origem predominam os casos de carência económica, pobreza e miséria, como no caso de Carla (nome fictício), 42 anos, que acredita que foi exatamente por causa disso que foi para a prostituição e que “aos 13 anos já andava enrolada com gajos mais velhos para ganhar dinheiro”.
Setenta e nove por cento das mulheres disse que existe mesmo uma influência da sua história familiar na sua entrada na prostituição e Lurdes (nome fictício), 45 anos, admitiu que depois de sempre ter criticado a mãe por se ter prostituído, acabou a fazer o mesmo “como forma de sair daquela vida atrasada no campo”.
Entre as que são mães, os filhos são a primeira das suas preocupações, seja ao nível do sustento ou do cuidado em não querer que eles saibam que a mãe se prostitui, havendo três mulheres que perderam a guarda dos filhos e outra que se viu obrigada a deixar os dois filhos ao cuidado de outras pessoas.
“O que me revolta é que eu comecei na prostituição porque precisava de dinheiro, para me sustentar a mim e ao menino, já que o meu marido nos tinha abandonado, e, depois, ele usou isso para me tirar o meu filho.”, contou Soraia (nome fictício), 29 anos.
A investigação constatou que, entre as mulheres que ainda estão em situação de prostituição, “prevalece a perceção de pobreza ou de carência económica”.
“O que comprova que o sistema de prostituição não se traduz em vantagens económicas para as mulheres, como sugerem alguns dos mitos mais comummente identificados a respeito da prostituição”, lê-se no estudo.
Nesta questão em concreto, a pandemia provocada pela covid-19 veio agudizar ainda mais a situação de extrema necessidade económica em que estas mulheres vivem, não só pela diminuição do número de pessoas que recorrem às prostitutas, como por uma quebra nos preços praticados.
Valéria (nome fictício), 39 anos, admitiu que vive dos apoios sociais, já que com a pandemia “a pobreza se converteu em miséria”, o que a deixou totalmente dependente desses apoios.
Quando questionadas sobre que opinião têm sobre a prostituição, a maioria associa a vergonha, morte ou degradação.
“O mais baixo que se pode descer. Tem tudo o que é mau. E uma pessoa deixa de se sentir gente. Cá por dentro, deixamos de nos sentir gente”, apontou Fátima (nome fictício), 25 anos.
“É a vida mais desgraçada que alguém pode ter. Morremos vivas”, defendeu, por outro lado, Carla.
Já sobre que opinião têm em relação aos compradores, as respostas não poderiam ser mais elucidativas.
“Desumanização é a melhor palavra. Ninguém é humano: quem se prostitui torna-se um objeto, o comprador é a fonte do dinheiro e da agressão.”, referiu Quitéria (nome fictício), 55 anos.
“Tem a ver com isso de pagarem. Compram-nos e é isso que eles procuram. Porque não é o mesmo que irem com uma mulher a quem não pagam. Para eles, nós não valemos nada, depois de pagarem”, disse Hélia (nome fictícios), 25 anos.
A maioria (83%) das entrevistadas admitiu ter sido vítima de algum tipo de violência, desde práticas sexuais violentas, espancamentos, violações, roubos, agressões ou ameaças, sendo que nenhuma das mulheres fez denúncia às autoridades.
O estudo, coordenado pela investigadora Maria José da Silveira Núncio para a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM), foi feito com base em 24 entrevistas a mulheres que estão ou estiveram no sistema de prostituição e procurou conhecer esta realidade na cidade de Lisboa.
Das 24 mulheres entrevistadas, cinco já não se prostituem, e destas, a que se prostituiu mais tempo fê-lo durante 18 anos, sendo que o tempo médio de permanência foi de 10 anos.
Já entre as que permanecem (79% das entrevistadas), o tempo mais longo é de 29 anos, tratando-se de uma mulher que começou a prostituir-se aos 13, e o mais curto de dois anos. O tempo médio de permanência entre estas mulheres é de 13 anos.
Estes e outros dados são hoje apresentados em Lisboa, no âmbito do seminário internacional “Exit – Direitos humanos das mulheres a não serem prostituídas”, onde será também divulgada a Estratégia Nacional de Prevenção e Apoio à Saída do Sistema de Prostituição.
Este documento tem cinco eixos (prevenção, conscientização, apoios e serviços, responsabilização e valorização e capacitação) e será proposto a dirigentes governamentais e a deputados à Assembleia da República.
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