O pedido de fiscalização sucessiva já tinha sido pré-anunciado aquando da aprovação da lei no parlamento, em maio, embora não seja a direção da bancada a promovê-lo, uma vez que existiu sempre liberdade de voto no grupo parlamentar do PSD sobre a despenalização da morte medicamente assistida.

Em declarações à Lusa, o deputado João Paulo Barbosa de Melo explicou que se tratou de “um trabalho exaustivo” de um grupo de deputados, com o apoio jurídico do antigo secretário de Estado e assessor do TC Joaquim Pedro Cardoso da Costa, que resultou num requerimento de 300 páginas, noticiado pela Rádio Renascença e pelo jornal Público e a que a agência Lusa teve hoje acesso.

“Há dois passos neste requerimento: questionar a lei como um todo, que na nossa opinião poderá violar o principio da inviolabilidade da vida humana, do qual decorre que não existe na Constituição o direito à morte autodeterminada das pessoas”, referiu o deputado e antigo presidente da Câmara de Coimbra.

Apesar de, num acórdão de 2021 (e sem que a pergunta fosse diretamente essa), a maioria dos juízes do TC ter considerado que esse princípio não constituía um "obstáculo inultrapassável" para se despenalizar a eutanásia em determinadas condições, Barbosa de Melo defendeu que tal não foi feito “sobre esta lei em concreto”, que foi sofrendo várias modificações.

Caso os juízes considerem que a lei está conforme ao artigo 24.º, segundo o qual “a vida humana é inviolável”, os deputados sociais-democratas pedem então a análise de outro conjunto de normas – cerca de 20, que, no seu entender, poderão violar 19 artigos da Lei fundamental.

Como exemplos, Barbosa de Melo apontou a obrigatoriedade de o objetor de consciência da prática da eutanásia ter de explicar as razões da sua recusa ou questões ligadas à Comissão de Verificação e Avaliação do processo.

“Não é razoável, do ponto de vista constitucional, que a comissão que organiza o processo seja ela própria a auditar a sua ação no final”, disse.

Como outro exemplo, o deputado apontou o prazo previsto pela lei para a comissão tomar uma decisão final: “Cinco dias não é pouco para uma matéria desta delicadeza?”, pergunta.

Os deputados do PSD questionam ainda a constitucionalidade de a eutanásia abranger situações de “doença grave e incurável” (sem incluir nenhuma referência ao seu carácter terminal ou, pelo menos, fatal) e de “lesão definitiva de gravidade extrema” (sem incluir nenhuma referência à previsibilidade da morte natural em resultado da lesão) e apontam “várias contradições com a afirmação da subsidiariedade da eutanásia em relação ao suicídio assistido”.

Entre as matérias a levar à análise do TC, os deputados apontam também “a inexistência, à data atual, de uma adequada e efetiva rede nacional de cuidados paliativos”, considerando que tal “impede as condições para a formulação em liberdade de um pedido de morte medicamente assistida”, ou a não proibição de os profissionais de saúde, nos contactos com os doentes, sugerirem a morte medicamente assistida.

A não obrigatoriedade de intervenção no processo de um psicólogo ou um psiquiatra, a proibição do acesso dos familiares próximos à informação de que foi apresentado pedido de eutanásia ou a “a total administrativização da decisão de autorização da morte medicamente assistida” na Comissão de Verificação e Avaliação, sem previsão de recurso judicial, são outras das questões levantadas no requerimento a entregar no Palácio Ratton.

“É do interesse de toda a sociedade que estas questões sejam rapidamente dirimidas. Este grupo de deputados tentou ser o mais exaustivo possível, fazer um trabalho global, e não apenas de dois ou três fogachos mediáticos”, justificou.

Quanto à habitual demora nos processos de fiscalização sucessiva – por vezes anos -, o deputado remete essa avaliação para o TC, que julgará o pedido de "máxima prioridade e urgência" feito pelos deputados do PSD “em função da importância da matéria”.

“No limite, mesmo que a lei acabe por entrar em vigor e fique como está, certamente todos ficaríamos mais descansados se toda a constitucionalidade dos quesitos fosse avaliada um a um”, disse.

O processo de subscrição começou hoje de manhã e já conta mais de uma dezena de assinaturas na bancada social-democrata, sendo 23 (um décimo dos deputados) o número mínimo para a sua formalização no TC.