Em declarações à Lusa, Pedro Martins, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa disse que Portugal “não é a ovelha negra” da Europa no que se refere aos efeitos da poluição na saúde, sobretudo a este nível, mas explica que o país caminha “para os efeitos que um país industrializado tem”.
O especialista apontou a asma, a Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) e a renite alérgica como as principais doenças respiratórias crónicas que têm a poluição como fator de risco importante.
A asma tem uma prevalência em Portugal de 7% e afeta cerca de 750.000 portugueses, a renite alérgica cerca de 25% e na DPOC, para a cidade de Lisboa, segundo o especialista, a estimativa é de que 14% das pessoas acima dos 40 anos tenha a doença.
Pedro Martins lembrou que a poluição agrava os casos de quem já tem doença e sublinha que a exposição crónica ao longo da vida tem efeitos a médio e longo prazo.
“O tabaco é um fator de risco muito importante, mas também sabemos que quem vive em cidades mais poluídas tem maior probabilidade de desenvolver doença pulmonar obstrutiva crónica”, disse Pedro Martins, sublinhando que um estudo em que colaborou ao longo de dois anos em creches associou a exposição à poluição do ar interior a uma maior obstrução dos brônquios.
O investigador recordou ainda que as pessoas passam 90% do seu tempo dentro de edifícios – casa, escolas e escritórios -, e aponta o trabalho feito em creches e infantários que detetou que a qualidade do ar interior estava aquém do desejado e que uma pior ventilação estava associada ao aparecimento de doença respiratória na criança.
Acrescentou que, “à partida, quem viva nas zonas mais rurais estará menos exposto”, mas recorda que há outros hábitos, como a exposição ao fumo das lareiras (queima de biomassa), que são igualmente de risco para doenças respiratórias.
“E a questão ainda é mais grave nos países em vias de desenvolvimento”, recordou Pedro Martins, uma opinião corroborada por Cláudia Conceição, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), que refere que mesmo nos países mais pobres, onde se morre mais de doenças infeciosas, as doenças crónicas começam a ter uma dimensão importante.
Cláudia Conceição defendeu igualmente que a estratégia tem de ser multissetorial: “desde que a OMS definiu a poluição como um dos cinco grandes fatores de risco para as doenças crónicas que isto passa efetivamente a ter que ver não só com os ministérios da saúde, mas com muitas outras áreas”.
Para a especialista, que colabora no projeto Aliança Global contra Doenças Respiratórias Crónicas da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (GARD – CPLP), “as doenças crónicas não têm fronteiras e não se combatem só com bom sistema de saúde. Têm que ver com estilos de vida”.
Salientou também a importância de se ter conhecimento da realidade para se poderem ajudar a mudar comportamentos e preparar estratégias multissetoriais e explicou que o projeto GARD – CPLP é exatamente para ajudar a conhecer melhor a realidade destes países e facultar acesso a conhecimento, que já está sedimentado do ponto de vista científico.
“Mais de 80% da população dos Países de Língua Oficial portuguesa (PALOP) nem sequer têm acesso ao que temos a certeza que é conhecimento sedimentado. Estamos a falar de desigualdades enormes”, disse, frisando: “há medicação que está cientificamente comprovada e que não existe sequer nestes países. Nem quem tem dinheiro consegue ter fácil acesso”.
Cláudia Conceição insiste que “os países pobres são duplamente penalizados” e acrescentou que estes países, por falta de recursos, nem sequer conseguem fazer os estudos necessários para conhecerem bem a sua realidade.
A especialista do IHMT recordou que, além das doenças respiratórias, a poluição está ligada às doenças cardiovasculares e sublinhou: “É importante evoluir para um pensamento mais amplo, começando a pensar em saúde humana de mãos dadas com a saúde planetária”.
“Temos conseguido ganhos de saúde brutais. Em Portugal, nos anos 60, a esperança de vida não passava dos 60 anos e por isso havia muito dinheiro no que é hoje a segurança social. As pessoas acabavam por não usar a reforma pois morriam antes. Acontece que passaram a morrer mais tarde e isso aconteceu em todo o mundo”, afirmou.
Para esta responsável, estes ganhos em saúde têm sido conseguidos “sem avaliar o custo que têm para o planeta”, concluindo: “Se todo o mundo tivesse, por exemplo, o padrão de consumo de energia dos países mais ricos não havia energia para todos. É preciso pensar nisso, claro que sempre com bom senso”.
“É uma questão de equidade. Não interessa apenas alcançar médias boas de saúde, interessa que não sejam feitas à custa de grandes disparidades. (…) A saúde é um bem que também tem de ser distribuído”, concluiu.
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