11 de dezembro de 2013 - 10h36
O especialista em saúde pública brasileiro Paulo Buss alertou hoje para os efeitos da crise na saúde dos portugueses, que "não são responsáveis" pela situação, afirmando que as consequências "serão tanto piores quanto mais se prolongar a iniquidade".
"Portugal era um exemplo no mundo com o seu sistema de bem-estar. (...) O Brasil olhou muito para o sistema de saúde em Portugal", afirmou o pediatra, que atualmente dirige o Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)/Ministério da Saúde do Brasil.
Em entrevista à Lusa em Lisboa, onde participou no lançamento de um livro sobre a segurança alimentar e nutricional na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Paulo Buss reiterou que a crise económica não foi produzida por Portugal e que os portugueses não precisam de se sentir culpados por ela.
"[A crise] foi produzida pela City de Londres, pelos banqueiros alemães e americanos", mas são as populações, nomeadamente a portuguesa, que sofrem "as consequências da crise criada pelo capital financeiro internacional que não tem pátria e não tem responsabilidade pelas vidas das pessoas", disse.
O ex-diretor da Fiocruz, que é também consultor habitual de organizações internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Panamericana da Saúde e a ONU, alertou que as consequências da crise na saúde já estão à vista e tenderão a piorar à medida que se prolonga a austeridade que retira direitos aos cidadãos.
"A mortalidade infantil já começou a crescer, a expetativa de vida de Portugal vai declinar, a saúde mental dos portugueses que perderem as suas casas e os seus empregos começa a deteriorar-se, é possível que a taxa de suicídio cresça, é possível que apareçam problemas de nutrição", exemplificou.
Mas não são só estas as consequências da crise: "Há outras coisas que a
epidemiologia não consegue medir, como qual o grau de sofrimento
provocado pela crise".
"A saúde não é só não ter doenças. Se uma pessoa vive com ameaça de
perder o emprego ou com o risco de o seu filho perder o emprego, de não
ver alternativas na vida do seu neto. Isso dá alguma sensação de
bem-estar? Essa pessoa está a viver com saúde só porque não tem
cancro?", questionou.
Para Paulo Buss, é preciso "sofisticar o conceito de saúde" e para isso é
necessário que a OMS regresse ao conceito que esteve na origem da sua
criação e que hoje nega.
"A mesma OMS que no passado disse que saúde é o estado de bem-estar, não
está a fazer absolutamente o seu papel de defender o estado de
bem-estar, um estado que impeça a redução de emprego e todas as
consequências desta crise", lamentou o especialista.
O problema, afirmou o representante da Fiocruz, é que a OMS não é só o
secretariado, é também cada Estado-membro, e alguns deles, os mais
poderosos, como os EUA ou a União Europeia, "foram capturados por
interesses inteiramente comerciais".
Para Paulo Buss, "o modelo económico atual é contra-humano" e é preciso
denunciá-lo, criando "um pensamento paralelo, alternativo ao dominante".
"Os portugueses têm de lutar contra a ideia de que foram eles que produziram a crise", exemplificou.
Questionado sobre se está otimista quanto ao futuro, Paulo Buss
concluiu: "Otimista ou pessimista, eu acredito na luta. O importante é
permanecer vivo e lutando".
Lusa
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