Um olhar sobre como se entrecruzam na nossa vida coletiva a Saúde e a Democracia.
No momento em que partilho esta reflexão é o dia D do Movimento dos Capitães de Abril que, em Alcáçovas, a 09 de Setembro de 1973 construiram o roteiro para a democracia em Abril de 1974 com o derrube dos mais de 40 anos de ditadura.
As questões da saúde e sanitárias no Estado Novo, foram determinadas por “…uma continuidade politica assistencialista, caritativista, supletivista, e não universalista”.
Após a morte de Salazar, numa curta janela de oportunidade, foi lançada em 1971 uma reforma liderada por Arnaldo Sampaio e F.A. Gonçalves Ferreira, sob proteção política de Baltazar Rebelo de Sousa. Curiosamente, dois dos filhos destes protagonistas viriam a ser Presidentes da República no Portugal democrático.
A grande rutura decorre, inquestionávelmente, na sequência da Revolução de Abril e, em democracia, com a consagração constitucional da saúde como um direito fundamental, em 1976. O acesso aos cuidados de saude passou a ser universal, geral e gratuito (mais tarde tendencialmente gratuito) assegurado por um Serviço Nacional de Saúde (SNS) consagrado posteriormente na Lei n.º 56/79, de 15 de setembro, há 44 anos. Assim se reverteu a lógica iníqua do regime anterior.
Este escopo permitiu que, em democracia, fossem proporcionados níveis de saúde da população portuguesa que colocam Portugal a par, ou melhor nalguns indicadores, dos países que dispõem de mais recursos.
O SNS a par da melhoria das condições socioeconómicas, que a democracia permitiu, é um importante fator de coesão social pela sua distribuição geogrráfia e diferenciação da oferta de cuidados mas, sobretudo, pela sua natureza universal e solidária.
Contudo, ao longo dos anos, a construção e consolidação do SNS foram comprometidas por politicas mercantilistas, cuja legislação de 1990 e 1992 desvirtuou na sua natureza como instrumento essencial na salvaguarda da saúde como um bem público, ou seja, explicitou o apoio ao desenvolvimento do setor privado em concorrência co
m o setor público, ao mesmo tempo que promoveu a contratação de profissionais do SNS pelo setor privado, sem perca de vinculo e incentivou a implementação de contratos a prazo.
Esta tentativa de desvio da verdadeira natureza do SNS, há 30 anos, por opções politico/ideológicas, deixou um legado cujas consequências de destruturação não foram maiores porque a persistência e resistência de muitos homens e mulheres que se bateram, ao nível da sua capacidade de intervenção seja profisssional, social e politica mantiveram e defenderam a essência do esforço comum, público e solidário, que as respostas em saúde exigem. O SNS, como património de todos, não pode ser alienado por interesses que visam o lucro financeiro de accionistas.
O novo quadro legislativo de 2019e 2022 reconduz o SNS à sua natureza. Contudo as últimas décadas marcam uma profunda mudança na situação demográfica, epidemiológica e social assim como nas profissões de saúde e no desenvolvimento científico.
Por isso é imperativo implementar um caminho de transformação e mudança assente numa visão estratégica que: (i) suporte o necessário planeamento no investimento em recursos humanos e financeiros em vez de medidas avulso, (ii) incentive as respostas de proximidade e do trabalho multidisciplinar/multiprofissional em detrimento de respostas espartilhadas e não integradoras de cuidados, (iii) potencie a participação dos cidadãos e dos profissionais nas soluções que melhor se adequem às realidades loco-regionais, (iv) que garanta os mecanismos de monitorização e flexibilização das medidas implementadas, (v) valorize o desempenho de todos os profissionais e proporcione as necessárias condições de trabalho.
O SNS tem hoje mais recursos que permitem fazer o caminho da sua transformação e inibir a ação destrutiva de quem o quer enfraquecer.
Porque o SNS é PATRIMÓNIO DE TODOS fortalecê-lo é o melhor contributo para mais e melhor saúde mas também para o reforço da democracia.
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