O jornal The Times noticia hoje que Londres vai ceder à “pressão poderosa” do Governo português, que considerou a exclusão, no início de julho, de Portugal do grupo de destinos seguros como “absurda” e “errada” e sugeriu um impacto nas relações bilaterais.
Foi o mesmo jornal britânico que na altura avançou primeiro a potencial ausência de Portugal da lista de “corredores de viagem” devido aos surtos de casos de COVID-19 na região de Lisboa no final de junho.
Segundo o The Times, a lista de 75 países e territórios não vai ser alterada profundamente, mas “espera-se que sejam permitidas viagens sem quarentena para Portugal”.
Também o Daily Telegraph admite o levantamento das restrições para Portugal, eventualmente através de “corredores” regionais, acrescentando que Madeira, Açores e Algarve, os destinos mais populares dos cerca de dois milhões de turistas britânicos anuais, têm um número de casos muito reduzido comparando com Lisboa, onde estão mais de metade dos casos ativos no país.
"As pontes aéreas regionais são uma opção para países com surtos localizados", disse uma fonte do ministério dos Transportes ao jornal na quarta-feira, aludindo às dificuldades relativamente aos EUA, que poderão continuar sujeitos à quarentena durante muitos meses se a quarentena se aplicar a nível nacional.
O ministro dos Transportes, Grant Shapps, tinha indicado que uma reavaliação seria feita até 27 de julho, invocando o recurso a "critérios científicos e sanitários” determinados pelo Centro de Biosegurança Comum e pela direção geral de saúde de Inglaterra, com dados oficiais e modelos matemáticos da universidade London School of Hygiene and Tropical Medicine.
A categorização dos países, especificou, "foi fundamentada por uma estimativa da proporção da população atualmente infecciosa em cada país, taxas de incidência de vírus, tendências de incidência e mortes, estado de transmissão e informação internacional sobre epidemias, além de informações sobre a capacidade de teste do país e uma avaliação da qualidade dos dados disponíveis”.
Reino Unido com "sete vezes mais casos registados"
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, argumentou na altura que o Reino Unido tinha "sete vezes mais casos registados do que Portugal e 28 vezes mais óbitos devidos à COVID-19”, ao que acrescentou: "O absurdo desta decisão parece-me evidente”.
O embaixador de Portugal no Reino Unido, Manuel Lobo Antunes, também questionou dias mais tarde, num artigo para o jornal Daily Telegraph, os “argumentos científicos que sustentam a decisão do governo britânico”, os quais, disse, “carecem detalhe”.
“Deixar Portugal fora da lista de viagens isentas de quarentena é difícil de compreender”, lamentou, sublinhando o “enorme" impacto económico da decisão, o qual pode ser “prolongado se [a decisão] não for alterada na próxima reavaliação”.
Na semana passada, a secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, manifestou pouca confiança na admissão de Portugal à lista dos corredores de viagem com o Reino Unido devido ao critério usado, a taxa de infeção, continuar alta.
Marques defendeu que o critério "poderia ser melhorado", colando-se ao critério usado pela União Europeia para abrir as fronteiras e que, além das taxas de infeção, contabilizou o número de mortos e a ocupação nos cuidados intensivos, entre outros critérios.
"Sinal encorajador", diz Marta Temido
Porém, a ministra da Saúde, Marta Temido, destacou no início desta semana o “sinal encorajador” de descida da taxa de incidência da COVID-19 em Portugal para 19 casos por 100.000 habitantes nos últimos sete dias, um dos indicadores mais comuns utilizado na comparação entre os países.
A taxa de incidência nas duas semanas anteriores foi de 43,2 por 100.000 habitantes, fator que pesou nas restrições aos viajantes de Portugal por outros países, como Áustria, Irlanda, Noruega, Dinamarca, Finlândia ou Bélgica.
O Reino Unido terá determinado como condição para levantar a quarentena uma taxa de 20 casos por 100.000 habitantes.
Até quarta-feira, de acordo com os dados oficiais, o Reino Unido registou 45.501 mortos em mais de 296 mil casos, enquanto que Portugal contabilizou 1.702 mortos associados à COVID-19 em 49.150 casos confirmados de infeção.
O processo de introdução da quarentena por 14 dias a todas as pessoas que chegassem do estrangeiro ao Reino Unido em 08 de junho foi marcado por confusão e críticas do setor do turismo e transporte aéreo, académicos e políticos, incluindo do próprio partido Conservador.
Imposta para reduzir o risco de uma segunda vaga da pandemia COVID-19, a medida foi questionada devido ao impacto económico por centenas de empresas britânicas numa carta à ministra do Interior, Priti Patel.
O presidente da transportadora Ryanair, Michael O’Leary, considerou as restrições “idiotas” e “ridiculamente ineficazes” e, juntamente com as concorrentes British Airways e easyJet, lançou uma ação judicial para travar a medida.
No final de junho, quando estava prevista a primeira reavaliação, o governo indicou que iria abrir uma série de “corredores de viagem” com países considerados de baixo risco, mas a lista codificada de acordo com as cores dos semáforos nunca se materializou e só foi anunciada vários dias mais tarde.
No dia do anúncio, a 03 de julho, foram nomeados 59 países e 14 outros territórios, para onde o ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) deixou de desaconselhar contra as viagens não essenciais, questão importante porque as deslocações nesses casos invalidam os respetivos seguros de viagem, o que impede a operadores turísticos incluírem aqueles destinos nos seus pacotes.
O facto de o MNE britânico ter continuado a desaconselhar as viagens para Portugal continental, mas deixado de desaconselhar para as regiões autónomas dos Açores e Madeira criou confusão, levando os respetivos dirigentes a acreditar que estariam isentos de quarentena.
A justificação de Londres foi que o risco de infeção ser muito menor nos arquipélagos, mas que não poderia levantar a restrição apenas para uma parte do país devido à liberdade de circulação entre as ilhas e Portugal continental.
Os primeiros-ministros da Escócia e País de Gales consideraram “caótico” o processo dos corredores, alegando falta de coerência e coordenação nacional, e só aderiram mais tarde, com a diferença de a Escócia ter excluído também Espanha e Sérvia.
Uma eventual decisão do governo britânico de incluir Portugal na lista dos corredores aplica-se apenas a Inglaterra, tendo as restantes nações (Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) a opção de aceitar ou não a alteração.
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