Há imensos aspectos a considerar, neste propósito. Contudo, se procurarmos prevenir as doenças neurológicas que causam mortalidade e incapacidade, encontraremos um bom plano de atuação. E quais são essas doenças?
As duas principais causas de incapacidade de mortalidade relacionada com o cérebro são o acidente vascular cerebral - AVC (que tem sido a principal causa de morte e incapacidade em Portugal nas últimas décadas) e a demência.
O AVC é uma lesão súbita de uma parte do cérebro, consequente a uma lesão de um vaso, geralmente uma artéria (obstrução ou rutura de uma artéria). Demência é o termo atribuído a um conjunto de doenças que causam uma perda de capacidades cognitivas, em grau suficiente para condicionar incapacidade, interferindo por isso em vários domínios da vida diária (pessoal, familiar e social). A forma de demência mais frequente é a Doença de Alzheimer, que atinge cerca de 5-6% das pessoas com mais de 65 anos e, apesar de perdas em múltiplas áreas da cognição, a característica mais significativa é a perturbação da memória.
Apesar do carácter súbito e inesperado com que se manifesta um AVC , esta é uma doença que se constrói lentamente, ao longo de anos. Resulta de efeitos negativos de várias doenças e hábitos de vida, que ao longo do tempo vão danificando as artérias e o coração tornando-se, por isso, factores de risco vasculares. São várias doenças e hábitos, de onde saliento a hipertensão arterial, a dislipidemia (quando existem níveis anómalos de gordura no sangue), a diabetes, a obesidade, o tabagismo, e o sedentarismo.
Estas doenças e hábitos aumentam também o risco de demência, existindo, assim, um duplo benefício na sua prevenção.
E como se evitam estas doenças?
Ter uma dieta equilibrada
Os hábitos alimentares adequados são essenciais para nos mantermos saudáveis, permitindo evitar um grande número de doenças. O cérebro, para se manter “jovem”, necessita de uma dieta que o proteja das doenças referidas e que são consequentes ao excesso de ingestão de sal, de gorduras saturadas e de calorias desajustadas às necessidades.
Para além dos excessos referidos, um dos principais erros dietéticos é também a baixa quantidade de legumes e fruta ingerida.
Devemos então procurar uma dieta constituída maioritariamente por vegetais e fruta (por isso rica em potássio e outros elementos como os bioflavonóides), procurando, ao mesmo tempo, consumir uma baixa quantidade de sódio (sal) e de gorduras saturadas.
Implica retirar o foco de produtos como refrigerantes, fritos, salgados, do tradicional bife com arroz e batata (e suas variantes), mas com ganhos imensos em saúde e qualidade de vida.
É de salientar que esta dieta, além de evitar consumo de alimentos nocivos, permite-nos ter acesso a um conjunto de nutrientes, vitaminas e sais minerais essenciais para vários processos bioquímicos e biológicos do cérebro.
Praticar atividade física
Hoje em dia é muito fácil ser sedentário. Não temos tempo para nada e andamos sempre a fazer tudo! Mas ser sedentário tira-nos tempo (de vida)! E, mais ainda, dá-nos uma vida má (relembro que o AVC é a principal causa de incapacidade).
Não ser sedentário implica somente fazer no mínimo 40 minutos de exercício moderado, durante 3 ou 4 dias semanais! É um pequeno passeio em passo rápido, por exemplo depois de jantar.
Se tirarmos proveito dos novos relógios ou pulseiras de exercício, que registam velocidade e distância percorrida, até pode ser um momento desafiante, onde podemos tentar superar-nos.
A verdadeira dificuldade a realizar atividade física é apenas a nossa inércia. O caso de sucesso que me vem à memória é a de uma senhora que sigo com doença de Parkinson, que depois do diagnóstico e depois deste convite a manter-se ativa, iniciou aulas de natação, com isso aprendeu a nadar, e tem atualmente uma rotina invejável, com ganhos em mobilidade, saúde e bem-estar.
Controlar os fatores de risco
A prevenção e tratamento eficaz das várias doenças que referi ou a identificação de hábitos como o tabagismo e o alcoolismo são essenciais para manter o cérebro saudável.
As consultas de Medicina Geral e Familiar em conjunto com várias outras especialidades são essenciais. Em tempo de pandemia este aspeto é particularmente relevante. O tratamento destas doenças (e outras) não deve ser interrompido. As consultas, exames de diagnóstico e tratamentos em unidades de saúde não devem ser adiados. As unidades de saúde prepararam-se para reduzir significativamente o risco associado à pandemia com a implementação de medidas para garantir a segurança de todos.
Estimular o cérebro
Manter o cérebro ativo é fundamental para a prevenção do declínio cognitivo ao longo de toda a vida.
Um período particularmente sensível é o da aposentação, onde é muito fácil reduzir marcadamente o esforço cognitivo.
Evitar o sedentarismo intelectual é importante tanto em pessoas saudáveis, como em pessoas com queixas cognitivas ligeiras. Este esforço pode ser conseguido de forma “caseira” com atividades como a leitura ou como jogos (palavras cruzadas, sopa de letras, cálculo, /adivinhas ou puzzles).
De uma forma organizada, pode ser conseguido com a frequência de universidade sénior ou de algum curso (como a aprendizagem de uma língua ou de um instrumento musical).
Por fim, de uma forma clínica, a reabilitação cognitiva é realizada por Psicólogos, em sessões especificamente criadas para esse efeito, com tarefas ajustadas à dificuldades e necessidades de cada pessoa.
Dormir bem
Manter hábitos de sono adequados, ao longo da vida, é essencial para proteger o cérebro. O sono é um processo fisiológico necessário para a saúde geral e para a saúde cognitiva. Doenças de sono, como por exemplo a síndrome de apneia obstrutiva do sono, são fator de risco para queixas cognitivas e para doença vascular cerebral.
Concluindo, um cérebro jovem, são, exige um corpo são. Devemos procurar uma vida saudável, em que a alimentação adequada e a atividade física regular desempenham o papel basilar. Devemos ainda mantermo-nos mentalmente sãos, desafiando o nosso cérebro com problemas e exercícios que o estimulem adequadamente.
Um artigo do médico Paulo Simões Coelho, Neurologista do Hospital CUF Coimbra e Hospital CUF Porto.
Comentários