Quando há cinco anos Marta Moita recebeu uma bolsa Starting Grant da ERC, pouco se sabia sobre as variáveis e os mecanismos cerebrais que levam os indivíduos a optar por uma estratégia defensiva específica numa dada instância. Na opinião de Moita – que se revelou correta e motivou agora a atribuição a esta investigadora de uma bolsa Consolidator da ERC –, era necessária uma abordagem inovadora para obter novas pistas sobre este tema de grande importância para todos os animais, incluindo os seres humanos. A sua abordagem foi estudar a questão num organismo que mede apenas alguns milímetros, a mosca-da-fruta.

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"Quando iniciámos o projeto, então financiado com uma bolsa Starting Grant da ERC, queríamos saber se a mosca-da-fruta nos poderia ensinar como o cérebro faz para escolher qual dos três comportamentos defensivos canônicos aplicar perante uma ameaça: fugir, lutar ou imobilizar-se no sítio onde estão", lembra.

Por que a mosca-da-fruta?

Para alguns pode parecer que estes insetos são muito diferentes dos humanos e dos outros animais "superiores", mas de acordo com os resultados do grupo de Moita as moscas-da-fruta têm mais em comum connosco do que poderíamos pensar.

Mosca-da-fruta
créditos: DR

Nomeadamente, num estudo publicado no início deste ano na revista científica Nature Communications, Moita e sua equipa mostraram que as moscas-da-fruta não tentam sempre fugir das ameaças (como muitos pensavam), mas que de facto elas escolhem com flexibilidade a estratégia defensiva a aplicar, dependendo do que estão a fazer nesse momento (escapam ou permanecem imóveis em função da sua velocidade de marcha no momento em que a ameaça aparece).

A equipa foi ainda mais longe e também identificou alguns dos neurónios específicos envolvidos neste comportamento.

Moita explica que as descobertas foram possíveis principalmente porque "na mosca-da-fruta, podemos explorar essas questões mais profundamente. As moscas-da-fruta são um excelente modelo animal onde é possível realizar um grande número de manipulações genéticas e neurais que realmente permitem ‘descodificar os circuitos neurais’ que estão na base dos seus comportamentos".

A partir destas e de outras novas descobertas, Moita irá agora estudar a influência de outras variáveis, tais como o ambiente social, na resposta da mosca a uma ameaça. "Mais uma vez, este era um campo inexplorado", aponta, "mas já reunimos fortes indícios que sugerem que a resposta da mosca a uma ameaça é fortemente modulada pela resposta das suas congéneres. Tal como nós desataríamos a fugir se víssemos uma multidão de pessoas em pânico a correr – mas manteríamos a calma se os outros parecessem serenos, mesmo em situações de incerteza –, descobrimos que o comportamento da mosca também é claramente modulado pelo comportamento das outras moscas em seu redor".

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Nos próximos cinco anos, e graças ao financiamento agora obtido, Moita e a sua equipa vão dedicar-se a perceber o contributo do ambiente social e espacial na escolha da estratégia defensiva, bem como a identificar os circuitos cerebrais que processam as informações relevantes e executam as decisões. "Este projecto fornecerá uma compreensão abrangente do mecanismo de imobilização e da sua modulação pelo ambiente, da escala do neurónio à do comportamento. Esperamos encontrar princípios de organização que possam ser generalizados a outras espécies, como aconteceu com os sistemas olfactivo e visual de insectos e mamíferos", conclui.

Mais investigadores

Com esses objetivos em vista, Moita irá usar o dinheiro da bolsa ERC para recrutar investigadores especializados, adquirir novos equipamentos para realizar experiências comportamentais adicionais – e também ferramentas para medir a actividade dos neurónios no cérebro das moscas.

"Esta bolsa da UE promove realmente a investigação e a inovação na Europa porque dá a cientistas de topo a possibilidade de arriscar e de aprofundar as suas melhores e talvez mais arrojadas ideias”, disse Carlos Moedas, Comissário da Investigação Ciência e Inovação. “Folgo em saber que estas bolsas ERC irão financiar um grupo muito diversificado de pessoas de 40 nacionalidades a trabalhar em mais de 20 países e que a lista dos destinatários das bolsas também reflecte que temos muitas mulheres cientistas excelentes na Europa".

Um português a trabalhar no estrangeiro e investigadores de duas instituições em Portugal também irão receber ERC Consolidator grants. As instituições são o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia e a Universidade Nova de Lisboa.