Os últimos anos do percurso do Serviço Nacional de Saúde têm sido penosos e sofridos, de portas fechadas em serviços prioritários e com notoriedade, para profissionais de saúde, utentes, doentes e familiares, patenteando um forte “envelhecimento” …
Gerou-se em simultâneo alguma noção ou percepção (como é chique dizer agora…) de que isto traduz uma forte escassez de profissionais.
Mas será tal falta mesmo uma realidade?
Não, não é verdade!
Um dos mais recentes relatórios, no caso da OCDE (2023), refere Portugal como dispondo de 5,6 médicos por 1000 habitantes, ou seja por outras palavras acima da média europeia é de 4,1 por mil…
Por outro lado, existem médicos a mais?
Não, não existe desemprego médico em Portugal.
Aliás e como se observa nem faltam oportunidades de emprego e trabalho, quer no SNS onde ficam vagas por aceitar e ocupar, quer no sector privado ou social, onde tantos encontram complemento salarial. De resto é comum um médico trabalhar em dois ou mais locais de prestação de cuidados, acumulando e cumprindo funções similares ou diversas.
Por outro ângulo de observação, identificamos formas de insegurança e de riscos a surgirem no mundo laboral da saúde, talvez associadas a uma crescente individualização das relações sociais e a correspondente inibição da solidariedade. As relações de trabalho tornaram-se mais complexas e exigentes de parte a parte.
O futuro dos trabalhadores em geral e dos profissionais médicos em especial, passa pela valorização das suas profissões e especialidades, qualificações e competências diferenciadoras, técnicas, humanas e culturais.
Os próprios movimentos sindicais já discutem isto à porta fechada…
Porque é que o emprego ligado ao Estado continua ou parece mais estável?
Vale a pena situar a noção do funcionalismo público em Portugal à luz do que chamaria de cultura corporativa, em boa medida por estar nos antípodas da cultura do liberalismo e do socialismo, coisa que daria prolongado debate sobre o contexto económico e social cuja expressão política se expressa com a consolidação do Estado Novo de Oliveira Salazar.
Durante décadas os funcionários públicos em Portugal usufruíram de remunerações um pouco mais baixas dos trabalhadores equiparáveis do sector privado. A justificação para a diferença salarial era a maior segurança de emprego. Na Função Pública não se corriam riscos de atrasos nos vencimentos, falências, fraudes ou despedimentos.
Mas pelo menos desde que saltamos para o século XXI esse equilíbrio desfez-se e as condições de remuneração entre público e privado estão mais desalinhadas.
Ainda assim para uma maioria dos trabalhadores portugueses, o contrato na função pública paga e oferece maior segurança no emprego do que o equivalente no sector privado, sobretudo quando há crise de emprego ou o número de candidatos em busca de lugar é maior do que a oferta.
Esta é uma questão importante. Reparemos que está a atravessar se uma fase de pressão para o aumento da instabilidade e desregulação, através designadamente da pressão para as privatizações e da subcontratação.
Vejo a sociedade do futuro com esperança e de forma positiva, julgo que os homens e as mulheres das novas gerações não vão abdicar do essencial dos direitos adquiridos, embora acabem por pagar factura bem mais elevada pelos mesmos…
Por exemplo, com o aumento da esperança de vida, da circulação do conhecimento e de informação, em cenário de inteligência artificial e num contexto de incerta capacidade de produzir riqueza, as sociedades têm condições e necessidade para apelos a novas dimensões de qualidade de vida, mas tal não vai ser obtido sem grandes conflitos.
A sociedade em geral não vai querer abdicar de direitos sociais e de cidadania, cuja afirmação e defesa têm que continuar a ser asseguradas pelo Estado. E é no Estado que continuarão a situar-se os mecanismos de definição e funcionamento da justiça, da saúde, do ensino, da protecção social e outros e para garantir estes bens à sociedade com um mínimo de qualidade.
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