Bruno Maia disse ontem ao HealthNews que a Ordem dos Médicos “não acompanhou a evolução da sociedade e não acompanhou a evolução dos médicos”. Minutos depois, na sede da Ordem, em Lisboa, apresentou a sua candidatura a bastonário.
Para sustentar essa afirmação, o neurologista deu “exemplos gritantes”: a interrupção voluntária da gravidez e a eutanásia. Segundo o candidato, “a Ordem tem tido posições ao arrepio do resto da sociedade portuguesa”. Na questão da morte assistida, “a direção da Ordem tem uma posição que está ao arrepio da maioria dos médicos”.
Este “conservadorismo” denunciado pelo candidato “desliga [a Ordem] das gerações mais novas”, levando-o a concluir que o organismo está afastado dos profissionais que representa.
Minutos antes, questionado sobre as alternativas ao modelo atual por si preconizadas, Bruno Maia falou precisamente no desejo de romper com o conservadorismo que se sedimentou “há muitas décadas”. “Eu proponho que a Ordem deixe de ser um bastião do conservadorismo”, declarou.
Para o candidato, a Ordem dos Médicos “fecha os olhos à discriminação misógina, sexista, racista, LGBTIfóbica que hoje em dia sabemos que existe na saúde, esperando que o código de ética resolva estas situações”. “Não resolve. São precisas campanhas ativas para prevenir e resolver”, acrescentou.
Mas a primeira proposta apresentada ao HealthNews foi a aposta na formação contínua dos médicos. O neurologista explicou que “a Ordem, em parceria com o Estado, porque o Estado também tem essa responsabilidade, deve facilitar essa formação ao longo da vida, para que consigamos romper com a total dependência que temos hoje dos laboratórios privados, das farmacêuticas privadas”.
Um terceiro pilar fundamental na sua candidatura é a questão das capacidades formativas. Isto porque, num país com “mais de 4.000 médicos indiferenciados” e em que “centenas de jovens médicos, todos os anos, ficam sem acesso a uma especialização”, “é algo muito grave para todo o serviço de saúde”.
“A existência de milhares de indiferenciados significa que há um exército de médicos que podem ser recrutados e contratados a baixo preço e descartados sempre que o Estado ou o privado sintam que o podem fazer. E isto, na verdade, é uma corrida para o fundo. Quanto mais indiferenciados tivermos e pior pagarmos a estes indiferenciados, com mais precariedade, mais baratos e descartáveis serão também os especialistas no futuro. É uma corrida para o fundo da qual todos somos vítimas”, alertou.
Na opinião do candidato, as capacidades formativas deveriam ser uma “atividade profissionalizada” e, para todas as especialidades, estar “disponíveis online a todo o momento, com critérios, para tornar o processo muito mais transparente do que tem sido”, e “até para defender a própria Ordem quando é o Ministério da Saúde a tomar a decisão de cortar as vagas”.
Quanto à primeira prioridade em que começará a trabalhar se ganhar as eleições, Bruno Maia destacou a questão dos internos, mas disse que é possível abordar logo outras áreas. Os internos por estarem “sujeitos a muita precariedade, horários de trabalho desumanos”, sendo que “fazem parte do serviço de saúde” e “são fundamentais no serviço de saúde”. “Portanto, uma das medidas que nós devíamos defender a partir da Ordem dos Médicos, para além de defendermos as carreiras médicas no seu todo, é que a carreira médica se estenda ao próprio internato.”
“Ao mesmo tempo, gostava que a Ordem fosse capaz de criar uma plataforma digital em que disponibilizasse um CV online aos internos, em primeiro lugar, e aos restantes especialistas”, atualizado pelos médicos ao longo da vida e utilizado nas avaliações, nos concursos e nos exames de saída de especialidade.
Bruno Maia acredita que este instrumento “facilitaria a vida aos médicos e aos internos” e permitiria perceber o que acontece em cada local de formação e como é que a formação está a evoluir em Portugal.
Por último, o HealthNews trouxe à conversa outra preocupação atual: a falta de médicos de família no SNS. “Não podemos negar a conjuntura, mas, na verdade, é um problema que vem de trás, essencialmente estrutural”, respondeu o candidato.
E prosseguiu: “Estamos a dizer aos especialistas recém-formados em Portugal: ‘venham trabalhar no Serviço Nacional de Saúde por este ordenado; provavelmente vão ficar com este ordenado até ao fim da vossa carreira; não vão evoluir nada ou, eventualmente, poderão evoluir um único grau se tudo correr bem; e também não vos damos nenhumas condições, nem de formação, nem tempo ou disponibilidade de investigação, nem tempo, disponibilidade ou retribuição no ensino.”
“Portanto, tudo aquilo que deveriam ser componentes essenciais, neste momento, está desligado da carreira médica. Não são oferecidos aos nossos especialistas. E esses são os grandes motivos, muito para além do ordenado, pelos quais não estamos a conseguir fixar médicos de família em Portugal”, concluiu.
HN/Rita Antunes
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