Para se ter boa saúde é preciso muito mais do que dispor de hospitais ou dominar a última tecnologia. É fundamental atuar nos determinantes sociais e comerciais da saúde, criando condições para a alteração dos fatores de risco modificáveis.
O tabaco, álcool, maus hábitos alimentares e a pouca atividade física são, no seu conjunto, responsáveis por 21% de todas as mortes na UE. Se são fatores modificáveis, porque não os abordamos de forma séria e determinada? Porque cedemos demasiadas vezes aos interesses da indústria em detrimento da saúde?
Tenho escrito sobre tabaco e álcool. O recentemente publicado Health at Glance da OCDE permite perspetivar, entre outras, a problemática da alimentação e da atividade física. A nutrição cumpre um papel essencial no desenvolvimento das crianças e adolescentes. O consumo regular de frutas e legumes nestas idades está associado a menor incidência de problemas de saúde como obesidade, diabetes e problemas cardíacos em idades adultas. A atividade física encontra-se relacionada não só com os mesmos bons resultados referidos anteriormente, como com uma melhor função cognitiva e melhor saúde mental.
Portugal apresenta indicadores em relação à alimentação que devem ser trabalhados e melhorados. Metade das crianças e adolescentes não consome fruta ou vegetais diariamente e 12% consome refrigerantes todos os dias. Nos adultos, o panorama é melhor, mas com uma clara desigualdade relacionada com a escolaridade. A diferença de quem ingere frutas e legumes entre indivíduos com educação superior e indivíduos com 9 anos de escolaridade é cerca de dez pontos percentuais.
Aos 15 anos, apenas 7% das raparigas e 22% dos rapazes cumpre as metas de atividade física preconizada pela OMS. Quanto aos adultos, apenas 20% dos homens e 11% das mulheres cumprem a recomendação de praticar 150 minutos semanais de exercício moderado, metade da média da OCDE.
As consequências destes indicadores fazem-se sentir na obesidade. Cerca de 33% dos adolescentes provenientes de famílias com menos recursos e 18% dos que têm a sua origem em famílias com maiores recursos, apresentam excesso de peso. Nos adultos também existe uma significativa desigualdade associada a este indicador, com indivíduos que apresentam maior nível de escolaridade a apresentarem uma taxa de obesidade de 40%, o que compara com os 63% dos indivíduos com menor escolaridade.
Estes dados demonstram aquilo que há muito vamos dizendo: Portugal não tem trabalhado suficientemente para alterar os fatores de risco modificáveis, nem coloca a equidade como uma das prioridades das políticas de saúde. Os mais pobres, com menos recursos ou menor escolaridade apresentam, desde muito cedo nas suas vidas, piores resultados nestes fatores de risco modificáveis.
A tendência cultural dominante, baseada no individualismo e que tem aversão a soluções coletivas, dirá que a culpa é dos indivíduos que fazem más escolhas. Mas, na realidade, é bastante óbvio que são vários os fatores que influenciam o consumo de alimentos saudáveis e a prática de exercício físico, desde a literacia e escolaridade, rendimento, políticas públicas dos setores envolvidos.
Foram as taxas sobre o açúcar e a legislação sobre o sal que levaram à diminuição do consumo destes ingredientes. É o imposto sobre o tabaco e as políticas promotoras de ambientes livres de tabaco, que estimulam a redução do consumo deste nocivo agente. É a construção de ciclovias e de espaços públicos seguros que atraí pessoas para a utilização de bicicleta em detrimento do carro ou para aumentar atividade física ao ar livre.
Reduzir todos estes fatores de risco a apenas uma escolha individual significa perder, logo à partida, esta batalha. Para ter mais saúde precisamos de atuar sobre eles. E, para isso, importa não esquecer a equidade e a ação sobre os determinantes comerciais da saúde. É precisa coragem política para dizer que não à indústria e retirar a promoção da saúde do ministério da agricultura trazendo-a de volta para o da saúde.
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