Que problemas cardiovasculares podem surgir num doente infetado por COVID-19?

Do ponto de vista cardiovascular, sabemos hoje que este vírus pode causar eventos miocárdicos agudos, nomeadamente por inflamação cardíaca (miocardite) ou tempestade inflamatória sistémica (com libertação maciça de marcadores de inflamação e consequentes danos graves em vários orgãos), estando também descritos fenómenos de embolias ou alterações da função cardíaca, evoluindo com sintomas de insuficiência cardíaca, como cansaço extremo, falta de ar, inchaço das pernas ou palpitações. Estes sintomas são, particularmente relevantes quando existe infeção respiratória grave concomitante.

Estão descritas várias arritmias no contexto da infeção COVID 19, estimando-se que possam ocorrer em cerca de 17% dos casos hospitalizados e em quase metade dos internados em unidades de cuidados intensivos. Estas arritmias resultam de diversos mecanismos possíveis:

1) compromisso pulmonar com insuficiência respiratória;

2) afeção do coração com miocardite, isquemia ou inflamação grave generalizada;

3) aumento da atividade do sistema nervoso simpático (resultante do stress agudo);

4) estado de hipercoagulabilidade (com aumento da formação de coágulos);

5) efeitos tóxicos da hidroxicloroquina (fármaco usado no tratamento nas fases iniciais da pandemia).

Neste contexto, podem surgir episódios de bradicardia (frequência cardíaca lenta) ou taquicardia (aumento da frequência cardíaca), com registos de arritmia ventriculares graves (por vezes devido à hidroxicloroquina), taquicardias supraventriculares e fibrilhação auricular.

Em portugal, têm havido arritmias em doentes internados por COVID-19?

Num registo nacional, promovido pela Associação Portuguesa de Arritmologia, Pacing e Eletrofisiologia, envolvendo 692 doentes internados, de 20 centros, a incidência de arritmias foi de cerca de 10%, afetando sobretudo os doentes mais graves, e distribuíram-se, por ordem de frequência, pela fibrilhação ou flutter auriculares, taquicardia supraventricular, bradicardia ou taquicardia ventricular.

As arritmias são um fator determinante na sobrevida dos doentes com COVID-19?

Na presença de patologia cardiovascular de base, particularmente em doentes idosos, o envolvimento cardíaco da infeção COVID-19 agrava muito o prognóstico clínico.

No que respeita às arritmias, tem sido sugerido que são uma complicação comum, resultante de sequelas do envolvimento cardíaco pelo vírus ou efeitos adversos dos tratamentos usados na infeção. Ocorrem nos doentes de maior gravidade, sendo possível que influenciem a evolução clínica. No entanto, os dados são todos recentes e ainda limitados para afirmar que as arritmias são um fator determinante na sobrevida dos doentes com COVID-19.

A pandemia COVID-19, causada pelo novo virus SARS-CoV-2, veio impor a rápida introdução de modificações no funcionamento dos sistemas de saúde, adaptando o conhecimento científico e estruturas de saúde a uma realidade infecciosa de rápida propagação e com envolvimento clínico amplo, desde ausência de sintomas, passando por um quadro passageiro de dores musculares, mal estar e cefaleias, até situações muito graves de pneumonia bilateral, com grave repercussão nos níveis de oxigénio e necessidade de ventilação mecânica prolongada.

Com mais de 47 milhões de infetados, justificando internamento em 10-15% dos casos (parte dos quais em cuidados intensivos),  e cerca de 1,2 milhões de óbitos em 216 países, podemos dizer que o mundo mudou perante esta ameaça, que resulta num enorme desafio para a Medicina, da epidemiologia à prevenção, diagnóstico e tratamento, e funcionamento do nossa Sociedade.

Desafio esse que também se estende ao momento da alta hospitalar? Uma pessoa que tenha tido COVID-19 com complicações cardiovasculares associadas, após alta,  precisa de ficar particularmente atento à saúde do coração?

A ocorrência de lesões pulmonares e cardíacas numa infeção COVID-19 parece poder associar-se a sequelas, com manutenção prolongada de queixas de fadiga, tosse ou dispneia, particularmente importante em doentes com patologia cardiovascular prévia. Desconhecemos ainda os efeitos a longo-prazo, mas a evidência de que lesões cardíacas (cicatrizes), resultantes da inflamação, possam vir a condicionar arritmias recorrentes é já uma realidade, que se associa ao maior risco arrítmico nestes doentes, tanto maior quanto mais grave a patologia cardíaca pré-existente, portanto a necessitar avaliação com vigilância cardiológica regular.

Um artigo do médico Mário Oliveira, Cardiologista e Coordenador de Cardiologia no Centro do Coração e Vasos do Hospital CUF Tejo.