Sendo eu médico e militar (…da Marinha Portuguesa), tenho que reconhecer que nem tudo foi (ou está a ser…) mau na pandemia. A pandemia reforçou, no mundo, a importância dos profissionais de saúde, que, temos que reconhecer, estavam, no nosso país, em desvalorização crescente. Por outro lado, nesta pandemia, a ação dos militares tem sido muito importante: já estiveram sempre dispostos a suprir necessidades prementes abertas na pandemia: apoiaram os lares, quando se evidenciou a enorme falta de recursos destas instituições, abriram o Hospital das Forças Armadas a todos os doentes infetados, quer fossem ou não militares e, presentemente, demonstraram um papel preponderante na vacinação…
Outro ponto de viragem muito importante, associável à pandemia, no mundo dos médicos civis, mas habitual entre os militares, foi a adaptação de qualquer médico à atividade anti-pandémica. Isto é, médicos superespecialistas foram redirecionados para atividades anti-Covid, recorrendo à sua formação base, em Medicina Interna e em Saúde Pública. Nos médicos militares, a não exclusividade da superespecialização é a norma, especialmente nas muitas missões em países pobres, onde a saúde se pauta, precisamente, pela luta anti-infeciosa, contra outros flagelos como a malária, a tuberculose e uma multitude de outros vetores infeciosos – desconhecidos da grande maioria dos clínicos do mundo dito desenvolvido.
Seria bom que na pandemia das doenças crónicas, entre as quais se inclui a hipertensão arterial, pudesse existir a conjugação de esforços, que esta pandemia viral proporcionou…. Sabe-se desde há muito, que o vetor mais importante no contágio da pandemia é cultural. Isto é, fatores como o consumo de sal, o incremento da obesidade, o tabagismo, a ansiedade e a depressão, entre outros, são muito importantes para a elevada prevalência da doença cardiovascular (que é a principal causa de morte em Portugal). Ora eu, presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, gostaria de ver este mesmo empenhamento na limitação destoutro contágio, que nos últimos anos, tem sido responsável por um elevadíssimo número de mortes e por lesões graves (relacionadas com o acidente vascular cerebral e com o enfarte do miocárdio), certamente superior ao impacto estimado para a infeção por SarsCOv2.
Teremos que aceitar, ainda, que sem o forte empenhamento político e dos média, toda a ação médica seria inútil. Ficou claro, também, que sem o nosso Serviço Nacional de Saúde não teríamos conseguido. Também se percebeu que os militares “estão lá quando é preciso” – afinal eles estão treinados para a guerra e como alguém já disse, estamos, ainda, numa guerra biológica…Assim, como representante da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, o fator de risco mais prevalente, queria desde já agradecer a tos os profissionais de saúde, que se dedicam à prevenção cardiovascular, um trabalho de décadas que já deu frutos nem sempre reconhecidos, mas fundamental (já que prevenir é sempre melhor que tratar). Gostaríamos, insiste-se, que nesta área, fosse possível reunir a conjugação de vontades, que permitiu lutar, eficazmente, contra a pandemia. Teremos, como país, que aceitar um facto incontestável: na prevenção das doenças cardiovasculares a vacina se chama informação. Ora, se há lição importante, nesta pandemia, é que para resolver um problema sanitário grave são precisos esforços de muitos sectores da nação. Oxalá, para o bem de todos, que esta lição não se perca na memória, daqueles, como nós que viveram estes tempos conturbados…
Fica, por fim, uma saudação especial aos meus muitos amigos médicos, empenhados na luta anti-pandémica, que nunca desistiram, e aos meus camaradas militares, que foram onde foi preciso, sempre que solicitados…. Afinal nem uns, nem outros, serão assim tão caros, nem serão – compreende-se agora – facilmente dispensáveis…
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