As perturbações mentais e do comportamento mantêm um peso significativo no total de anos de vida saudável perdidos pelos portugueses, com uma taxa de 11,75% contra 13,74% das doenças cerebrovasculares e 10,38% das doenças oncológicas, segundo o relatório "Portugal – Saúde Mental em Números 2015" da Direção-Geral da Saúde (DGS). O mesmo documento indica que as perturbações mentais representam 20,55% do total de anos vividos com incapacidade, seguidas pelas doenças respiratórias (5,06%) e a diabetes (4,07%).
A ansiedade é uma reação ao stress do dia-a-dia. É comum as pessoas sentirem-se ansiosas quando têm problemas no trabalho, antes de passar um exame ou quando necessitam de tomar uma decisão importante, destaca a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. Se a ansiedade for exagerada e prolongada, poderá tratar-se de um problema mais grave. Apenas se pode falar em perturbações de ansiedade quando existe um medo e ansiedade desproporcionado, que perduram há pelo menos seis meses e que têm um verdadeiro impacto na vida quotidiana.
Mais de um quinto dos portugueses sofre de uma perturbação psiquiátrica (22,9%), sendo as perturbações de ansiedade são as que apresentam uma prevalência mais elevada (16,5%).
Para conhecer melhor esta patologia, falámos com Rosa Basto, licenciada em Psicologia e hipnoterapeuta, e autora do livro "Comece a viver o agora", da Editorial Planeta.
Estes números podem levar-nos a dizer que a ansiedade tornou-se uma "epidemia"?
Hoje em dia as pessoas vivem o seu dia-a-dia a "correr" não se dando conta que fazem em 24 horas tarefas que correspondem no mínimo a 48 horas. Com essa azafama entre levantar, levar filhos à escola (para quem os têm), ir para o trabalho, concorrer com os demais, ser exemplar no que se faz sem nunca falhar, entre tantas outras tarefas, a ansiedade tornou-se epidémica porque todos vivemos num ritmo acelerado e passamos a vida a compararmo-nos com os outros, seja no trabalho, seja nas redes sociais, seja na exigência aos filhos.
Hoje ninguém se contenta com pouco, querem muito e já. Quase tudo se resume no "ter" e o "ser" fica em défice
Vivemos uma época de demasiadas exigências connosco próprios?
Sim, tudo isso estimula a competitividade que por sua vez aumenta o medo de falhar e conduz a que se viva no futuro tentando antecipar o erro. Com isto, não sobra tempo para aproveitar o melhor da vida, ter mais tempo para si mesmo, para os filhos, para o seu par, para as amizades, para a família, para o descanso, para ter um hobby... Nós humanos, aprendemos por modelagem. Se eu vejo os meus pares num determinado ritmo, a minha natureza irá fazer com que eu tente acompanhá-lo. Claro que depois surge a necessidade de compensação e a tendência é o aumento do consumo como forma de colmatar os vazios emocionais.
Hoje ninguém se contenta com pouco, querem muito e já. Quase tudo se resume no "ter" e o "ser" fica em défice. Vive-se em conflito interior e a autoestima decresce. A ansiedade começa por ser a consequência mais evidente e é acompanhada de todos os estragos à saúde física e mental.
Ansiedade e medo são a mesma coisa?
São conceitos diferentes. Na verdade, gosto de distinguir um do outro da seguinte forma: O medo como medo real e a ansiedade como medo irreal. A palavra medo refere-se ao receio natural que alguém tem de que venha a ocorrer algo para o qual não está preparado para enfrentar. Esta emoção primária caracteriza-se por um sentimento intenso, habitualmente desagradável, provocado pela percepção, seja ele presente ou futuro, real ou suposto. Assim, o medo real é ativado no momento pelo perigo imediato. O que nos prepara, levando-nos a agir para evitar a todo o custo o perigo. A sua intenção é positiva, normal e protetora.
Já o medo irreal é estimulado pela ansiedade, que se prende com a imaginação face ao futuro, ou seja, o que pode vir acontecer. Da mesma forma que o medo real, o medo irreal tem uma função protetora, positiva. A única diferença é que o resultado é negativo. A pessoa deixa de ser livre de fazer a sua vida normal em função do que imagina que vai acontecer nas situações a que se propõe.
Existe ansiedade saudável?
A ansiedade é uma emoção humana normal; todos nós sentimos ansiedade quando confrontados com situações que consideramos ameaçadoras ou difíceis. É um fenómeno natural, importante e funcional. Por isso sim, é normal estarmos ansiosos. E é saudável na medida em que nos prepara para eventos futuros semelhantes, de modo a sabermos qual a resposta mais adequada perante determinada situação. Porém sermos ansiosos já implica continuidade, ou seja, um grau de intensidade tal que nos leva a ter medo de tudo, passando a ser uma ansiedade disfuncional e patológica.
Quando é que a ansiedade passa a ser um problema de saúde?
A ansiedade passa a ser um problema de saúde, uma patologia, quando se torna, precisamente, disfuncional. Quando estamos neste nível, existem depois as comorbidades que se traduzem noutras perturbações que surgem com a primeira, tais como a depressão, desmorfofobia (não gostar de determinada parte do corpo), hipocondria (medo da morte) fobias no geral, enfim, toda uma panóplia de comorbidades que são nefastas para a saúde. Por outro lado, hoje em dia sabemos que o corpo e a mente estão intimamente ligados. Por exemplo: quando estamos com dores físicas, ficamos tristes e frustrados e o contrário também se verifica. Repare, se estiver zangado, com raiva ou revolta, o seu corpo vai logo dar sinais, o coração vai bater mais rápido, o intestino dá voltas e os músculos ficam tensos e presos, as dores nas costas aumentam e por aí fora. Um sistema implica com o outro. Muitas vezes é de imediato, e noutras, ao fim de algum tempo vem a consequência.
Há que aprender a estar no presente, tirando partido e experienciando a vida tal como ela acontece
É possível controlar essa ansiedade patológica?
Gosto mais de dizer que é possível libertarmo-nos da ansiedade. Porque onde e quando há controlo é porque ainda existe ansiedade patológica que nos condiciona a vida. Mas sim, é possível libertarmo-nos da ansiedade. Se não vejamos, as pessoas ansiosas pré-ocupam a sua mente antes do tempo com situações que nunca vêm acontecer, não lhe sobrando espaço para aquilo que é realmente importante. A preocupação e a ansiedade andam de mãos dadas, embora a preocupação seja menos intensa do que a ansiedade. Ambas não deixam a pessoa viver o momento. Há que aprender a estar no presente, tirando partido e experienciando a vida tal como ela acontece.
Como se trata a ansiedade?
A melhor forma de a tratar é, do ponto de vista do paciente, frequentando terapia que aborde problemas do foro psicológico e psicossomático. Na minha prática, utilizo um protocolo que eu mesma desenvolvi, em que o paciente fica no comando da ação no que diz respeito à mudança da sua vida. Claro que em determinados casos é necessária a ajuda do fármaco para equilibrar e, nesse caso, o acompanhamento do médico psiquiatra é fundamental.
Se tivesse que escolher uma terapia, qual recomendaria?
O protocolo diamante (risos). Bem, existem muitas abordagens e terapias boas, porém o facto de ter desenvolvido um protocolo, ao qual dedico toda a minha vida profissional nos últimos 20 anos e de ter vindo aperfeiçoá-lo ao longo do tempo, leva-me a inevitavelmente recomendá-lo. Mas as razões válidas para isso prendem-se com o facto do nosso conteúdo emocional ser simbólico e assente em crenças que nos condicionam negativamente ou nos libertam positivamente, deste modo o protocolo que desenvolvi trabalha a simbologia e as crenças, indo à raiz do problema, ressignificando e reconstruindo a história de vida do paciente, de forma não invasiva e breve.
Existem exercícios específicos para gerir a ansiedade?
Antes de tudo é importante atuar na prevenção, ou seja, ter escapes onde se possa ir "esvaziando" a tensão acumulada, ter ocupações, hobbies, fazer coisas que se gosta e ter-se tempo para si. Neste novo livro que escrevi tem imensos exercícios simples que ajudam para esse efeito, a libertar-se e adquirir estratégias novas e muito mais eficazes para estar bem.
Em primeiro lugar sempre recomendo que a pessoa pare e reflita sobre o que necessita mudar na sua vida, que perceba qual é o padrão repetitivo que tem vivido, pois, conhecer o seu corpo e as suas emoções vai permitir-lhe ir ao encontro a tudo que o faz realmente feliz. Depois, um dos primeiros exercícios que recomendo é aprender a respirar. Pode parecer estranho eu dizer isto, porque todos nós respiramos desde que nascemos, é inato mas a maioria de nós não sabe respirar corretamente. Inspiramos mal e, principalmente, não sabemos fazer corretamente aquilo a que eu gosto de chamar uma troca justa. Quando respiramos profundamente, há um alívio, o corpo fica mais tranquilo. Esta respiração justa traz uma mensagem de segurança ao corpo: "Estás seguro, está protegido".
Um ansioso não vive no momento presente, vive no futuro e com isso faz imensos evitamentos. Tantos, que deixa de viver. O maior risco é esse mesmo, é o de não viver e apenas sobreviver
Outro exercício muito simples que posso deixar como sugestão é trocar algumas palavras que usamos no nosso dia a dia, por outras. É comum usarmos no nosso discurso frases que contenham sentido de obrigação e dever, tais como: "Hoje eu ainda tenho que enviar emails e fazer trabalho em casa; Eu devia rever o trabalho para que o dia de amanhã corra bem". A obrigação e o dever estimulam a ansiedade pois remetem-nos para o futuro e para o medo de falhar. Se trocar estas palavras por outra com sentido de possibilidade, veja a diferença que sente ao fazê-lo: " Hoje eu ainda posso enviar emails e fazer trabalho em casa; Eu posso rever o trabalho para que o dia amanhã corra bem".
No contexto atual pandémico, como se pode gerir as emoções internamente?
Considero que neste contexto pandémico existem três palavras-chave para gerir as emoções: Primeiro a aceitação, já que esta pandemia está acontecer no mundo todo e por isso é um bom momento para parar e refletir sobre o que preciso de fazer, não só para mim mas em prol do planeta onde vivemos. Segundo, a valorização, dizer frases positivas para valorizar tudo o que se tem. Valorizar os afetos, amigos e família. Valorizar tudo mesmo, desde as coisas mais simples às mais complexas, pois estes dias têm-nos ensinado como respirar livremente é tão valioso, não é mesmo? Então valorize tudo aquilo que tem e que aprecia, que lhe traz algum retorno positivo, seja o facto de ter trabalho, de ter família, amigos, comida, um lar. Acredite há muita gente que não tem nada disto e ainda assim valorizam o que têm. E por fim, viver no presente. Ou seja, ao valorizar tudo o que se tem, tudo o que se é, a paz vem ao nosso encontro e passamos a viver no agora tirando partido, estando presentes na nossa vida.
Ansiedade de depressão podem cursar em simultâneo?
Podem sim. A ansiedade em estado grave pode levar à depressão pela frustração que a pessoa sente de não ser capaz de fazer o que fazia antes.
Quais os riscos de não tratar a ansiedade?
Um ansioso não vive no momento presente, vive no futuro e com isso faz imensos evitamentos. Tantos, que deixa de viver. O maior risco é esse mesmo, é o de não viver e apenas sobreviver.
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