HealthNews (HN)- Queremos começar por saber como é que os especialistas interpretam estes dados: prevalência de 20%, o dobro da média mundial, e o país europeu com mais doentes a entrar em diálise por ano. Quem está no terreno consegue explicar estes números? Há uma explicação plausível, ou a prevenção está a falhar em Portugal?
Ana Farinha (AF)- Os dados de prevalência de DRC em Portugal variam de acordo com os estudos (apenas dois publicados nos últimos cinco anos) e não há dados oficiais da Direção-Geral da Saúde. Mas a elevada prevalência de fatores de risco, como a diabetes e a hipertensão, a iliteracia em saúde e, sobretudo, o parco acesso aos cuidados de saúde primários – e, consequentemente, à prevenção primária e secundária precoces – serão, com certeza, razões para estes números que nos põem nos piores lugares no que diz respeito à elevada prevalência de DRC.
Quanto ao número de doentes em diálise, este é conhecido anualmente através do registo que a Sociedade Portuguesa de Nefrologia promove e que partilha com a European Renal Association (ERA), e que nos permite comparar com outros países. Também no estadio 5, doentes que precisam de técnica substitutiva da função renal, as falhas na prevenção primária e secundária precoces serão um dos principais fatores para estes números.
HN- Para os nossos leitores perceberem o verdadeiro impacto da doença renal crónica: como é que pode afetar os doentes, as famílias e a economia?
AF- A nível pessoal, o diagnóstico de DRC pode ser devastador: primeiro porque encerra em si um aumento da mortalidade por todas as causas, mas, depois, porque traz importante compromisso na qualidade de vida: basta pensarmos o que se sentirá quando, dia sim dia não, há que despender quatro horas num tratamento que é física e emocionalmente exigente, para não falar do tempo perdido nas viagens para e desde o local de tratamento. Quando estas circunstâncias afetam as pessoas, afetam também a família, para além de poder haver uma maior de dependência de cuidadores, que também impactam nesta mesma família e no seu orçamento. Em termos sociais, os custos económicos para garantir tratamento a estes doentes representam uma fatia importante do orçamento de estado para a saúde. Este é um peso que recai sobre toda a sociedade.
HN- Os números em Portugal, nos vários estádios, deixam os nefrologias sem mãos a medir? De norte a sul do país, os doentes têm o acompanhamento adequado?
AF- O acompanhamento por nefrologia será diferente entre diferentes regiões de saúde. Mas é transversal que os nefrologistas não serão suficientes para acompanhar todos os doentes renais, nomeadamente em estádios precoces. Esse acompanhamento poderia e deveria ser feito nos cuidados de saúde primários, mas também nesta especialidade as necessidades ultrapassam claramente os profissionais disponíveis.
HN- Os doentes têm acesso facilitado aos melhores tratamentos?
AF- Os nefrologistas têm conhecimento dos melhores tratamentos a facultar aos doentes. Mas, quando comparado com outros países, o acesso pode ser mais demorado e burocrático.
HN- Ainda a nível terapêutico, os tratamentos estão a evoluir no sentido de reduzir o sofrimento dos doentes e devolver-lhes qualidade de vida?
AF- Cada vez mais, a indústria farmacêutica tem investido não apenas em terapêuticas modificadores de prognóstico, mas em terapêuticas vocacionadas para os sintomas que têm impacto da qualidade de vida dos doentes (PROs). O desafio destas terapêuticas é a subjetividade inerente à avaliação da sua eficácia, o que pode atrasar a sua disponibilização.
HN- De momento, o que é que é mais urgente trabalhar em Portugal?
AF- Neste momento, a iniciativa mais urgente a implementar em Portugal é o diagnóstico precoce da DRC. Existem, nesta altura, fármacos capazes de mudar o prognóstico vital e renal dos DRC, mas a sua instituição tem que ser precoce.
HN- Por fim, uma mensagem final dirigida aos doentes com doença renal crónica e cuidadores, seus médicos e decisores políticos.
AF- O diagnóstico precoce da DRC terá, com certeza, grande impacto na prevalência desta doença em Portugal, assim sejam implementadas as medidas modificadores de prognóstico de forma atempada. Esta implementação será custo-efetiva tanto em termos pessoais e familiares, como sociais e económicos, pelo que não há tempo a perder.
HN/RA
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