HealthNews (HN) – O angioedema hereditário (AEH) é uma doença rara, mas profundamente incapacitante e potencialmente fatal. Quais são, na sua opinião, os maiores desafios que os doentes enfrentam diariamente, tanto a nível físico como emocional?

Ana Freitas (AF) – O AEH é “profundamente incapacitante”. Não o é para todos os doentes, nem todos têm crises severas e frequentes, penso que é importante deixar claro isto. Mas sim, pode ser para muitos doentes, SE, e sublinharia o SE, os doentes não tiverem acesso a tratamento adequado. Sublinhava também que tendo em conta a oferta terapêutica disponível, não há motivo para que o AEH seja hoje, no nosso país, profundamente incapacitante. Se o acesso for garantido, o doente pode viver assintomático e levar a cabo uma vida absolutamente normal.

Fisicamente, a imprevisibilidade das crises é um dos maiores obstáculos, uma vez que podem surgir sem aviso e afetar diferentes partes do corpo, dificultando tarefas simples e a rotina diária. O inchaço pode causar dor intensa e, em casos mais graves, pode comprometer as vias respiratórias, tornando-se uma ameaça à vida. A necessidade de acesso rápido a tratamento é essencial, mas nem sempre garantida.

Emocionalmente, lidar com a incerteza das crises pode gerar ansiedade e stress. O receio constante de uma nova manifestação limita a liberdade de planeamento e pode levar ao isolamento social. Além disso, a falta de conhecimento sobre a doença por parte da sociedade e até de alguns profissionais de saúde pode contribuir para sentimentos de incompreensão e frustração.

Apesar dos desafios, a ciência tem evoluído, trazendo novas opções de tratamento e melhor qualidade de vida. A sensibilização sobre o AEH e o apoio da comunidade são fundamentais para que os doentes sintam que não estão sozinhos nesta jornada.

HN – Um dos grandes obstáculos identificados é o diagnóstico tardio, sendo que em Portugal muitos doentes esperaram mais de uma década até obterem um diagnóstico correto. O que tem sido feito para melhorar o reconhecimento precoce do AEH e que passos ainda faltam dar nesta área?

AF – Divulgar e divulgar a doença e forma de diagnóstico. Sendo uma doença rara, nem todos os médicos têm conhecimento da mesma. Quanto mais informação houver sobre a doença, tanto a nível dos profissionais de saúde como dos potenciais doentes, melhor.

Nos últimos anos, têm sido feitos progressos para melhorar o diagnóstico precoce do angioedema hereditário (AEH), reduzindo o tempo de espera dos doentes para obterem uma resposta.

Uma das medidas mais importantes tem sido a sensibilização junto da comunidade médica, através de formações e campanhas informativas, para que os profissionais de saúde reconheçam mais rapidamente os sinais da doença e considerem o AEH como possibilidade diagnóstica. Além disso, têm sido desenvolvidos protocolos clínicos e diretrizes que ajudam na identificação e tratamento da doença.

Apesar destas melhorias, ainda há passos fundamentais a dar. É essencial ampliar a divulgação de informação sobre o AEH, tanto na formação médica como na comunicação ao público em geral, para que mais pessoas conheçam os sintomas e possam procurar ajuda mais cedo. A aposta em programas de rastreio genético para famílias com histórico da doença também pode ser uma ferramenta valiosa na deteção precoce.

O caminho para um diagnóstico mais rápido passa por continuar a investir na educação médica, no acesso a exames específicos e na criação de redes de apoio que facilitem a referência dos doentes para especialistas. Cada avanço contribui para uma melhor qualidade de vida e para uma resposta mais eficaz perante a doença.

HN – A imprevisibilidade das crises de AEH interfere de forma significativa com a vida pessoal, escolar e profissional dos doentes. Que tipo de apoio a ADAH presta aos seus associados para lidar com este impacto na qualidade de vida?

AF – É um dos grandes objetivos da ADAH que os seus associados consigam ter acesso às novas terapêuticas que permitem zero ou praticamente zero crises.

A ADAH presta um apoio fundamental aos seus associados para lidar com o impacto da imprevisibilidade das crises de AEH na qualidade de vida.

Entre as suas iniciativas, destaca-se a divulgação de informação sobre a doença, ajudando os doentes a compreender melhor o AEH e a gerir os sintomas de forma mais eficaz. Além disso, promove grupos de apoio e partilha, onde os doentes podem trocar experiências e encontrar suporte emocional.

A nível prático, a ADAH trabalha para garantir um melhor acesso ao tratamento, sensibilizando autoridades e profissionais de saúde para as necessidades específicas dos doentes. Também desenvolve campanhas de sensibilização pública, contribuindo para o reconhecimento da doença e a diminuição da discriminação.

O apoio da ADAH vai além do acompanhamento clínico, fortalecendo a comunidade de doentes e promovendo a qualidade de vida através da informação, da conexão entre pessoas e da luta por direitos e acessibilidade.

HN – O lançamento da música “A Esperança Chegou”, interpretada por Fernando Tordo, é uma iniciativa inovadora de sensibilização. Como surgiu esta colaboração e que mensagem pretendem transmitir à sociedade através desta canção?

AF – Trata-se de um autor português extremamente consagrado, que comemora 60 anos de carreira e que o facto de ter escrito uma letra tendo os doentes e a doença em mente é um contributo inestimável para a ADAH no seu propósito de sensibilização para esta patologia…

Além disso, é uma ideia muito original, uma vez que se trata de uma iniciativa que extravasa largamente os destinatários habituais… médicos especialistas, profissionais de saúde… etc.

De referir que este projeto foi-nos oferecido e idealizado pela Biocryst.

HN – Apesar dos avanços médicos recentes, o acesso a tratamentos eficazes e personalizados continua a não ser uma realidade para todos. Como avalia o panorama atual em Portugal relativamente ao acesso à terapêutica e o que falta melhorar?

AF – Apesar dos avanços médicos e da existência de terapêuticas eficazes para o angioedema hereditário (AEH), o acesso a estes tratamentos em Portugal ainda enfrenta desafios significativos.

Atualmente, nem todos os doentes têm acesso garantido aos medicamentos mais inovadores, seja por barreiras burocráticas, limitações de financiamento ou desigualdade geográfica no acesso aos cuidados especializados. O tempo de aprovação de acesso a essas terapêuticas pode ser longo, impedindo que quem precisa receba o tratamento adequado de forma rápida. Além disso, o conhecimento sobre AEH entre profissionais de saúde ainda pode ser insuficiente, dificultando o encaminhamento dos doentes para especialistas e atrasando o início da terapêutica correta.

Para melhorar este panorama, é essencial apostar na aceleração dos processos de aprovação, garantindo que os tratamentos inovadores sejam acessíveis a todos os que deles necessitam.

A formação contínua dos profissionais de saúde pode ajudar a identificar mais rapidamente os doentes e a garantir um acompanhamento eficaz. Por outro lado, é fundamental promover campanhas de sensibilização para que os próprios doentes conheçam melhor os seus direitos e possam lutar por um tratamento adequado.

O caminho ainda tem desafios, mas com mais reconhecimento, investimento e compromisso, será possível garantir que todas as pessoas com AEH tenham acesso aos melhores cuidados e uma melhor qualidade de vida.

HN – O desconhecimento sobre o AEH não afeta apenas a população em geral, mas também alguns profissionais de saúde. Que ações considera prioritárias para aumentar a formação e sensibilização destes profissionais, sobretudo em contexto de urgência?

AF – Continuar a divulgação da doença através de todos os meios disponíveis.

Para melhorar a formação e sensibilização dos profissionais de saúde sobre o angioedema hereditário (AEH), especialmente em contexto de urgência, algumas ações prioritárias devem ser implementadas:

  1. Formação médica contínua – Garantir que o AEH está integrado nos programas de educação médica e promover cursos específicos para profissionais de saúde, incluindo casos clínicos práticos que os ajudem a identificar e tratar rapidamente uma crise.
  2. Protocolos claros para urgências – Criar diretrizes hospitalares para o reconhecimento e tratamento imediato do AEH, garantindo que os médicos e enfermeiros saibam como agir perante um episódio grave.
  3. Sensibilização em hospitais e centros de saúde – Distribuir materiais educativos, como cartazes e brochuras informativas, para que os profissionais tenham acesso fácil a informações sobre sintomas e abordagens terapêuticas.
  4. Parcerias com associações de doentes – Promover iniciativas conjuntas entre profissionais de saúde e organizações como a ADAH, para que o conhecimento sobre a doença seja atualizado com base na experiência dos próprios doentes.
  5. O cartão que identifica os doentes diagnosticados com AEH, garantindo que, em situações de urgência, os médicos possam aceder rapidamente às informações necessárias.

Com estas ações, será possível aumentar o reconhecimento precoce do AEH e garantir que, em momentos críticos, os doentes recebam um atendimento rápido e adequado.

HN – Por fim, neste Dia Mundial do Angioedema Hereditário, qual é o principal apelo da ADAH para a sociedade portuguesa e para os decisores políticos, tendo em vista a melhoria da vida dos doentes com AEH?

AF – Neste Dia Mundial do Angioedema Hereditário, o principal apelo da ADAH à sociedade portuguesa e aos decisores políticos é o reconhecimento da importância do diagnóstico precoce, do acesso equitativo aos tratamentos e da sensibilização pública sobre esta doença rara.

A ADAH reforça a necessidade de um maior investimento na formação dos profissionais de saúde, garantindo que o AEH seja identificado rapidamente e tratado de forma eficaz. Além disso, apela à redução das barreiras burocráticas que dificultam o acesso dos doentes às terapêuticas mais inovadoras.

A nível social, a associação destaca a importância da inclusão e compreensão, para que os doentes não enfrentem discriminação ou desconhecimento sobre a sua condição. A melhoria da qualidade de vida depende não apenas dos avanços científicos, mas também de uma sociedade mais informada e solidária.

Neste dia, a ADAH pede compromisso, ação e mudança, para que ninguém tenha de esperar anos por um diagnóstico ou sofrer limitações evitáveis devido à falta de acesso aos cuidados necessários.

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