A canábis é uma planta que possui propriedades medicinais decorrentes da sua composição única, mais de 100 canabinoides e outros compostos como terpenóides e flavonoides. Ninguém tem dúvidas que o efeito terapêutico atualmente descrito com maior robustez científica se deve à ação do THC (delta-9-tetrahidrocanabinol) e do CBD (canabidiol). Mas… será que a esta enorme tendência criada maioritariamente em torno do CBD e que parece apontar a canábis medicinal como remédio para todos os males está correta? Não!

Não é de agora que existem necessidades médicas não cumpridas, ou seja, doentes que sofrem de patologias que não respondem às terapêuticas aprovadas e, por isso, habitualmente prescritas pelos médicos. Na perspetiva do doente, do seu cuidador informal, família e amigos, o que mais importa quando essas situações acontecem é encontrar alternativas que ajudem no combate a essa condição. Estejamos nós a tratar de uma dor que não passa, de uma doença oncológica ou das consequências dos tratamentos da mesma, de uma epilepsia refratária infantil, ou de qualquer outra condição.

De facto, essa falta de alternativas médicas eficazes abre espaço para que o CBD se torne numa esperança para muitos doentes e suas famílias. Os dados disponíveis são consistentes na demonstração de eficácia em múltiplas indicações, entre outros motivos, também pelo seu poder analgésico, anti-inflamatório e anticonvulsivante.

A disseminação desta informação, a par com a venda de produtos on-line contendo CBD, a abertura de lojas físicas por todo o país, as notícias na televisão e em outros meios de comunicação que difundem informação de que o CBD é legal e pode ser administrado em múltiplas patologias, arrasta diariamente uma série de doentes e suas famílias, para uma sensação de conforto, uma vez que finalmente vão poder ter acesso a mais uma tentativa no combate à doença que enfrentam.

Até aqui, tudo parece normal, e até correto! Mas, existem várias questões que têm de ser rapidamente resolvidas para bem da saúde de todos.

Comecemos pela forma como estes produtos são comercializados. Se estamos a falar de patologias que não respondem aos fármacos habitualmente prescritos, de doentes oncológicos, polimedicados, pediátricos, deveríamos estar então a discutir o acesso a fármacos devidamente aprovados pelas autoridades competentes e comparticipados pelo Estado, para que possam ser prescritos por um médico e dispensados em farmácia. No entanto, estamos a ser “empurrados” para a aquisição de produtos, que não são medicamentos, não são controlados, que são vendidos por pessoas sem formação em saúde, sem qualquer monitorização por parte de profissionais competentes e que, legalmente, nem sequer são considerados suplementos alimentares. Aqui começa o grande problema! Atualmente, nós cuidadores, a família, os doentes, por forma a aceder a uma substância que já demonstrou ter benefícios terapêuticos recorremos a produtos que não estão aprovados para uso humano.

Atualmente, são estes produtos que todos nós - Associações de Doentes, Profissionais de Saúde e Comunicação Social – erradamente designamos de Canábis Medicinal!

Escrevo erradamente, porque infelizmente, à data, apenas existe um produto aprovado pela entidade reguladora do medicamento em Portugal. Existe apenas um produto de canábis medicinal disponível para os nossos doentes. Um fármaco, que como todos, tem indicações terapêuticas aprovadas, tem vantagens e desvantagens. Que ainda bem que existe, pois ajuda alguns doentes! Mas… não vem colmatar todas as necessidades dos doentes. Não serve para todos!

É crucial tratar as terapêuticas pelos nomes corretos e importa também entender que a canábis medicinal tem regras não servindo para todas as indicações terapêuticas. Infelizmente, esta solução não está a alcançar todos os que dela necessitam por não haver mais opções terapêuticas aprovadas no nosso país e porque a existente não é ainda comparticipada.

O uso de medicamentos, preparações ou substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais depende da avaliação clínica do médico, que só poderá passar a respetiva prescrição com base na lista de indicações terapêuticas previamente aprovadas pelo Infarmed: espasticidade associada a esclerose múltipla ou lesões da espinal-medula; náuseas ou vómitos (resultantes de quimioterapia, radioterapia e uma combinação de terapia para o VIH e medicação para a hepatite C); estimulação do apetite nos cuidados paliativos de doentes sujeitos a tratamentos oncológicos ou com SIDA; dor crónica (associada a doenças oncológicas ou ao sistema nervoso, como por exemplo na dor neuropática causada por lesão de um nervo, dor do membro fantasma, nevralgia do trigémeo ou após herpes-zóster); síndrome de Gilles de la Tourette; epilepsia e tratamento de transtornos convulsivos graves na infância, como as síndromes de Dravet e de Lennox-Gastaut, e glaucoma resistente à terapia.

Necessitamos urgentemente que as entidades competentes parem de olhar para a canábis medicinal como um negócio de exportação e que sejam céleres na aprovação de novas alternativas terapêuticas. Que deixem de empurrar os doentes e as suas famílias para lojas que, apesar de serem até agora a tábua de salvação por garantirem acesso a CBD, vendem produtos que não são submetidos a processos complexos de introdução no mercado e, por isso, não existem garantias sobre a sua qualidade, eficácia e segurança, apresentando eventuais perigos para quem os administra.

Um artigo de opinião de Carla Dias, Presidente do Observatório Português de Canábis Medicinal (OPCM).

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