Este é um tema ao qual retorno ocasionalmente, sempre com perplexidade e sempre com muita tristeza.
São comuns as referências na literatura às tensões entre estas duas classes profissionais e são bem conhecidos os seus potenciais efeitos como frustração, desmotivação e burnout.
As causas identificadas para estas tensões são diversas mas tendem a agrupar-se em três fundamentais:
- Desequilíbrio na relação de poder entre médicos e enfermeiros
- Os diferentes objectivos definidos no exercício do seu trabalho
- Conflito de género, uma vez que os médicos ainda tendem a ser maioritariamente do género masculino e os enfermeiros do género feminino.
Independentemente da verdade subjacente a esta análise, o problema tem-se mantido e inquina as relações entre profissionais que têm tudo para colaborarem de um modo construtivo, afável e em saudável espírito de equipa.
Médicos e enfermeiros são profissionais altamente qualificados, com elevado grau de autonomia e que se complementam naquele que é um dos propósitos mais nobres: cuidar de quem está doente.
É inevitável que existam desacordos, perspectivas distintas, estratégias diferentes para que esse propósito seja alcançado. E muitas vezes não existe uma solução única ou ideal para cada caso.
Como tal, a existência de uma equipa multidisciplinar e de um líder bem identificado para que os passos a seguir sejam claros, consensuais e correctamente dados é essencial.
A comunicação é crucial nesta matéria como em todas as outras da nossa vida. A cortesia e o respeito mútuo também.
Nenhum trabalho, nenhuma equipa resiste à presença de egos desmesurados, de profissionais rudes e arrogantes, tanto como não pode pactuar com a incompetência ou a negligência.
Para estas, incompetência e negligência, os mecanismos de reconhecimento e de correção existem e, de um modo geral, funcionam.
Para se lidar com a presença de elementos tóxicos, tão cheios de si que consideram que fazer ultimatos a uma enfermeira como aquele que dá título a este texto e que, perante a óbvia e inevitável recusa perante tal postura, é rotulada como se tendo tornado menos enfermeira, nada existe, nada se faz, tudo permanece imutável.
Situações como estas, que criam um desconforto inominável, dependeriam de uma denúncia que esbarraria sempre na falta de testemunhas e no receio de represálias por partir do elo mais fraco.
E, como tal, nada acontece e profissionais como este, que aqui na verdade se vão tornando menos médicos e menos humanos, permanecem impunes a destilar má educação e insolência, contribuindo para ambientes tóxicos onde não apetece estar e onde, em última análise, os doentes são também prejudicados.
Será que as novas gerações de médicos serão diferentes? Será que saberão olhar para enfermeiros, auxiliares, administrativos como pares, como membros de um mesmo círculo, no fundo como… pessoas?
Será que este problema termina quando a geração que este médico representa se reformar ou é algo que se tenderá a replicar?
Desejo que não. Desejo que os tantos bons exemplos que diariamente testemunho e que faço questão de aplicar possam fazer escola e ajudar a erradicar esta ideia retrógrada e provinciana de que “eu sou melhor do que tu e tu tens de fazer o que eu mando”.
Até lá, o melhor que podemos fazer é não pactuar com estes comportamentos, sempre que possível reportá-los, organizar sessões de trabalho onde se estimulem e cultivem as boas relações de trabalho.
Já que não é possível colocar estes péssimos exemplares de castigo no canto da sala, como os meninos mal educados que são, ao menos que saibamos fazer-lhes frente e mostrar-lhes que a era dos ditadores de bancada já terminou há muito tempo.
Ninguém tem de ouvir frases como esta. E ninguém, em circunstância alguma, as deve levar em conta. O trabalho é importante. Mas a dignidade é mais. Muito mais…
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