Quando a nossa saúde mental está seriamente fragilizada, o que podemos confirmar quando nos é diagnosticado uma ou mais perturbações psíquicas, cinco coisas aconteceram ou estão a acontecer:

Meio ambiente stressante, o nosso organismo e a Sociedade Civil

Fomos confrontados com situações que nos fizeram sentir ameaçados e desprotegidos de tal forma, que as reações que estas percepções provocaram no nosso organismo alteraram o seu funcionamento.

O desenvolvimento de uma ou mais perturbações psíquicas conduz ao aparecimento de transformações incapacitantes do nosso funcionamento emocional, cognitivo e comportamental. Concretamente vamos funcionar mal (depressivos, violentos, impulsivos, ausentes, com diminuição da libido, etc.), connosco mesmo e com os outros, na escola, no trabalho e na sociedade.

Comportamentos disfuncionais provocam-nos sofrimento e originam reações desagradáveis no nosso meio ambiente. Estas situações aumentam a nossa sensação de stress.

Uma perturbação mental (psíquica) conduz, frequentemente, a comportamentos de risco tais como o consumo exagerado de álcool, tabaco, estupefacientes, ações irrefletidas e perigosas, consumo de psicofármacos, etc. Estes comportamentos de risco fazem aumentar a nossa sensação de stress.   

Quando stressados, angustiados e deprimidos, o nosso relacionamento com as outras pessoas e a nossa participação na nossa Sociedade Civil são reduzidos ou praticamente inexistentes.

Não adoecemos por nossa culpa, mas, fundamentalmente, porque fomos confrontados com situações traumatizantes, temos más condições de vida e uma existência sem qualidade.

Não há serviços de qualidade, mas receitas de antipsicóticos, ansiolíticos, sedativos, hipnóticos e estimulantes

Não temos cuidado curativos, tais como apoio psicossocial e psicoterapia integrados, de qualidade, numa perspectiva holista da saúde e bem-estar, mas temos receitas médicas, muitas vezes sem diagnóstico ou plano de tratamento.

Em 2015, 7,5% dos adolescentes de 13 anos e 19,5% dos jovens de 18 anos, no ensino público, consumiam psicofármacos. A Direção Geral da Saúde no seu relatório, de 2016, do Programa Nacional para a Saúde Mental, considera o número de prescrições extremamente elevado, responsabiliza “a prática médica” e apela à contenção, de acordo com as recomendações internacionais. Isto porque muito pouco é conhecido sobre as “alterações permanentes ou mais ou menos persistentes” que o uso de tais fármacos pode induzir. Muitos destes fármacos, “são meramente sintomáticos, mascarando muitas vezes a perturbação emocional (em particular depressão do humor) que possa estar na base do sintoma (ansiedade, insónia, tensão muscular, etc..) apresentando, todos eles, risco de induzirem dependência (manifestada pelo aparecimento de sintomas físicos ou mentais após suspensão súbita) e tolerância (necessidade de aumento da dosagem com a continuação do uso para se alcançar o mesmo efeito inicial) …”

Investigação científica comprova que a efetividade de muitos medicamentos é reduzida ou nula e que se desconhece as consequências do seu uso a médio e a alongo prazo.

Nos Centros de Acolhimento para Crianças e Jovens, nos Estabelecimentos Prisionais, nos Centros Educativos, nos Lares e Residências para idosos, a necessidade, não satisfeita, de cuidados de saúde mental, de qualidade, é muitíssimo mais elevada que na comunidade e nas escolas. Nestas instituições a prescrição e o uso de fármacos psicoativos é também muito mais elevada pondo os utentes em risco de vida.

Rijo e colegas (2016) apuram que cerca de 93% dos adolescentes internados nos Centros Educativos (tutelados pelo Ministério da Justiça) cumpriam critérios para o diagnóstico de pelo menos uma perturbação mental e cerca de 65% para duas ou mais.

Conclusão semelhante chega C. Ferreira (2021) na Universidade do Minho. Nesta dissertação de mestrado, conclui-se que em quatro dos seis Centros Educativos existentes em Portugal, 55% dos adolescentes está medicada com um ou mais psicofármacos, embora só 21,05% dos adolescentes tenham sido diagnosticados. É prática corrente (e reprovável) as crianças e os jovens serem medicados com psicotrópicos sem serem diagnosticados.

As perturbações psíquicas (emocionais) são extremamente perigosas: reduzem, fortemente, a nossa qualidade de vida e aumentam, significativamente, a taxa de mortalidade.

Desmedicalizar e democratizar: associações de pais e resiliência

É urgente desmedicalizar através do debate, na Sociedade Civil, de temas tais como a relação médico-cidadão, a negação do meio ambiente e da integralidade do ser humano, o isolamento social da prática da medicina, a utilização de fármacos psicoativos, a subvalorização dos instrumentos, algoritmos e protocolos, o excesso de análises e exames complementares de diagnóstico, a salvaguarda dos interesses do cidadão.

Individualmente e como Sociedade Civil, podemo-nos organizar, para nos protegermos

Por exemplo, nada impede que em todos os estabelecimentos de ensino, tanto público como privado, as Comissões de Pais, as Associações de Pais, de alunos e de estudantes se inteirem da qualidade dos serviços que existem, façam o levantamento do que é necessário e tomem iniciativas para assegurar que, dentro de meses, ou no próximo ano escolar, todas as crianças e jovens tenham o apoio, cuidados psicossociais e psicoterapêuticos, de qualidade, de que necessitam. É para isso que existem as organizações e a democracia.

Humanização

Enquanto cada um de nós e a Sociedade Civil, no seu todo, não decidirmos humanizarmo-nos, ativamente, continuaremos a ser vítimas e a queixarmo-nos do peso dos interesses sectários e corporativos.

Um artigo de Manuel Fernando Menezes e Cunha, Psicólogo da Saúde e Economista do Desenvolvimento.