Ir ao encontro das vinhas que dão origem aos vinhos do Porto da The Fladgate Partnership (grupo onde está inserida a Taylor’s, Fonseca, Croft e outras marcas), é ir ao encontro de António Magalhães, o responsável de viticultura de todo esse império. Responsável de viticultura, neste caso, é ser responsável por cada videira, cada cacho e cada gavinha, bem como por cada planta e árvore que faz companhia às cepas, e por cada bicho rastejante ou esvoaçante que, de alguma forma, contribui para a dinâmica de todo o ecossistema. António Magalhães é quem põe em prática, na vinha, a visão de sustentabilidade da empresa que é, na verdade, uma visão de equilíbrio.
A nossa viagem começou na Quinta da Roêda, o berço dos vinhos Croft, uma propriedade que tinha sido da Taylor’s até à chegada da filoxera mas que, nesta altura (pela segunda metade do século XIX), passou para as mãos da Croft. Foi só em 2001 que a Taylor’s comprou a Croft e renovou cerca de um quarto dos vinhedos da Roêda. São 76 hectares, no Pinhão, que vão desde os 80 aos 320 metros de altitude, que incluem 12 de vinhas muito velhas e intocadas, as primeiras pós-filoxera, ainda do final do século XIX e do início do XX. É destas plantas que nasce o novo vinho Sērikos.
Um inovador modelo de viticultura
A olhar para elas, António Magalhães explicou-nos o novo modelo de arquitetura dos patamares, presente em várias propriedades. Primeiro, a inclinação: todos estão inclinados a 3% no sentido longitudinal, para que, no caso de uma enxurrada, retenham apenas a água necessária e o resto seja empurrado para fora. “Não é suposto que a arquitetura do terreno não sobreviva às videiras, mas é isso que está a acontecer no Douro, porque nos anos 80 e 90 foram cometidos muitos erros nesta matéria”, explicou o viticultor.
Em segundo lugar, a largura dos novos patamares, construídos mais estreitos, apenas com 1,5 metros de largura, em vez dos “normais” 2 metros. À partida, não parece que vá fazer muita diferença, mas causa um dos fatores que Magalhães afirma ser essencial para o combate às alterações climáticas: o aumento da densidade de plantação. Com esta largura, aumenta-se a quantidade de videiras em 23%, para a mesma área, o que resulta num acréscimo de 20 a 25% da produção relativa, que ali se situa entre as 5 e as 6 toneladas por hectare. Este modelo de “patamar estreito” recebeu, em 2009, o Prémio BES Biodiversidade. Algo que também se prende com a produção relativa é a preferência pela vinha ao alto, sempre que a inclinação seja menor do que 35%, pois desta forma há um ainda menor desperdício de terreno e a produção ultrapassa as 6 toneladas por hectare. Mas atenção, “por hectare” não significa “por videira”. Como ressalvou António, “o objetivo é que cada videira produza menos, mas haja mais videiras a produzir”, e acrescentou que “estamos a aproximar-nos da densidade pré-filoxérica”.
Passando para a Vinha Benedita, tivemos contacto com um método saudável de mobilização da terra, para vinhas muito velhas e que não admitem mecanização: a tração animal. Inácio, um dos orientadores dos cavalos que fazem este trabalho, está em constante diálogo com o equídeo que, ao puxar uma alfaia com dentes, faz uma lavragem superficial, retirando as ervas e a “crosta” da terra, que depois se sente fofa debaixo dos pés. “Tira o pé”, instruiu Inácio quando o seu animal enrolou a pata na corda da ferramenta. “Não é esse, é o outro!”, e o cavalo levantou a pata correta. E quase jurámos que o bicho compreendeu. Mas a preferência é pelo animal apelidado de “macho”, o resultado do cruzamento entre uma égua e um burro, que é mais raro e caro do que o cavalo, sendo este mais volumoso e menos forte. “Os ‘machos’ têm melhor memória. Se caem num determinado sítio, passado um ano ainda o evitam”, contou Inácio.
Uma diversidade ordenada
Essencial é, também, a integração com ervas autóctones, umas espontâneas e outras plantadas. A função delas é proteger o solo da erosão, manter a biodiversidade e atrair insetos benéficos, e a “reciclagem da natureza”: estas espécies, como a flor do botão azul, eventualmente perecem no solo, devolvendo-lhe nutrientes. Também contribuem para a estética, pois as plantas e a vinha alternam a cor verde durante todo o ano. “As autóctones nunca estão em contraciclo, porque acompanham o ciclo natural do clima mediterrânico”, elucidou António Magalhães. Adicionalmente, a Taylor’s já reduziu a utilização de herbicidas em 68%. “A questão não é eliminar por completo os herbicidas. É mostrar que, se todos reduzissem em 68%, como já mostrámos que é possível, isso bastaria”.
Como não poderia deixar de ser, António Magalhães considera que a escolha das castas a ter na vinha faz toda a diferença no combate às alterações climáticas, e explicou que, tal como na vinha velha da Ferradura, onde estávamos a ter esta conversa, não é obrigatório ter muitas castas misturadas, podem ser apenas 10, cada uma com uma intenção atribuída, ou com uma ordem. Esta maneira é a da “escola inglesa duriense”, que é também a escola pós-filoxera. “As vinhas que comprámos a portugueses tinham mais castas e desordenadas. As que adquirimos a ingleses apresentavam menos e plantadas segundo uma lógica”, contou. Por exemplo, para o técnico é óbvia a aposta na Mourisco, que diz ter sido “a casta mais resistente à filoxera”, ou na Tinto Cão, bem como na recuperação de porta-enxertos com o mesmo comportamento.
Já na Quinta do Panascal, em Tabuaço, onde nos recebeu David Guimaraens, diretor de enologia do grupo Fladgate, aprendemos que o seu pai, Bruce Guimaraens, introduziu nas décadas de 70 e 80 uma mudança muito importante na empresa e no Douro, que foi, precisamente, a seleção e o foco em determinadas uvas que faziam mais sentido do que outras, naquelas condições e para aqueles vinhos. David chamou a atenção para algo bem pertinente, dizendo que “A ‘Touriga-Nacionalização’ do Douro está a fazer com que o estilo dos vinhos do Douro se homogeneíze e que se perca a diferenciação”. Mais tarde, na Quinta de Vargellas, em S. João da Pesqueira, perante a Vinha do Pulverinho, de 1927, afirmou: “Se não conseguirmos manter o carácter destas vinhas muito velhas, vamos perder os vinhos Vargellas que hoje conhecemos”. Esta vinha de três hectares, à semelhança das da Roêda, tem poucas castas, com disciplina, e é invulgar pela presença acentuada de Cornifesto e Tinta da Barca. “Não deve haver, no Douro, uma vinha com tanta Tinta da Barca, como esta”, referiu António Magalhães. Noutra parcela, em Vargellas, a Vinha Grande, plantaram uvas “que antigamente se plantavam, pois muitas delas são mais resistentes às adversidades”. Do alto de um miradouro sem igual, com vista invejável para toda a quinta, David Guimaraens apontou para uma vinha, lá em baixo, e explicou como o novo modelo do “Socalco Moderno”, ou do “patamar estreito”, é favorável ao ambiente e às pessoas: “Como faz com que a vinha seja mais curta, em comprimento, fazemos muito menos passagens para sulfatar. Além disso, reduz a penosidade do trabalho de colheita porque a descida equivale apenas a uma caixa”.
O que se pôde ver na Quinta do Junco, em São Cristóvão, foi a confirmação de tudo isto. Vinhas jovens, segundo os novos modelos, uma propriedade onde a Fladgate está a aplicar o que aprendeu com a história, mas também com o conhecimento moderno sustentado.
Rumo à sustentabilidade energética
Trabalhar com um consumo otimizado de energia é uma das prioridades do grupo, por exemplo, através de painéis fotovoltaicos em três quintas: Barões, Nogueira e Roêda, os principais pontos de armazenamento de vinho, totalizando 2177 painéis. Isto permitiu diminuir largamente o consumo de combustíveis fósseis, garantindo uma redução da emissão de CO2 de 728 mil kg por ano. Desde 2014 – ano de implementação dos painéis – que a produção de energia através de solar fotovoltaica tem vindo a aumentar em cerca de 37%. Para monitorização dos consumos, a Fladgate instalou diversos contadores em toda a rede elétrica e em cada edifício, para que se possa ajustar a potência contratada e produzida às necessidades reais de cada instalação, sem desperdícios.
Esta sustentabilidade energética também passa muito pelos métodos de lavagem. Para isso foi instalado um equipamento chamado Cleaning in Place (CIP) que organiza e otimiza a desinfeção e lavagem das enchedoras, de todas as tubagens de vinho e das garrafas. O CIP, que entrou em pleno funcionamento em 2017, permite anular o desperdício de água, que passou de 6 mil litros utilizados antes do CIP para os 1,8 mil litros atuais. Também o detergente foi eliminado da lavagem (com água quente) que é feita durante a semana, sendo apenas utilizado à sexta-feira, modelo que já se provou eficaz. O resultado está à vista, numa poupança de 80% na utilização de detergentes.
Após a instalação do CIP, adicionalmente, foi instalado um permutador de calor que faz o reaproveitamento de todas as calorias térmicas da água, gastas na lavagem. Esta energia é utilizada para o pré-aquecimento de um novo ciclo de lavagem.
Aniquilar a pegada de carbono
Depois de um estudo sobre o impacto da pegada de carbono da empresa, que teve lugar em 2018, a Fladgate elaborou um plano de revolução, já a ser posto em prática nas várias dimensões da empresa, com as seguintes medidas: aumento aa produção de energia fotovoltaica; instalação de tanques de nitrogénio para operar os compressores durante a noite (o funcionamento é mais eficiente em temperaturas mais baixas) e armazenar a energia necessária; revisão em baixa do peso de todas as garrafas da gama de produtos; plantação de 20 mil m2 para compensar a pegada carbónica (2 mil árvores), que será ampliada para cobrir 130 mil m2 (13 mil árvores); avaliação da possibilidade de utilizar tratores elétricos em algumas das quintas (começando pela Roêda); alargar a medição da pegada às viagens de trabalho e classificá-la por membro de equipa, para que haja melhor planeamento; intensificação de lobby para resolver o grave problema das vinhas abandonadas no Douro, para que se reduza a necessidade de tratamentos das doenças de que estas são incubadoras e propagadoras; e aumentar a reciclagem de resíduos. Quanto a este último ponto, é de louvar o programa “zero waste” que a Taylor’s já tem implementado, por exemplo, fazendo uma otimização racional das refeições das centenas de funcionários, o que faz com que não seja produzido lixo. “Não temos caixotes de lixo para comida”, brincou António Magalhães. Mas, o que é certo, é que não era mentira nenhuma.
Artigo publicado na revista Grandes Escolhas, Edição nº28, agosto de 2019.
Comentários