Com braços tatuados e óculos de armação grossa, este cozinheiro espalha o pó da folha que é a matéria-prima da cocaína, droga que alimenta o conflito armado e da qual a Colômbia é o principal fornecedor mundial.

A folha, ancestral para as comunidades indígenas, carrega o "estigma" do narcotráfico. Mas assim como o chef de 34 anos, vários dos cozinheiros mais renomados da Colômbia têm usado a planta perseguida pela lei como ingrediente inovador.

Pazos serve o biscoito banhado em farinha de coca com um tartar de atum e pipián (um cozido típico), cinza de alecrim e arroz de titoté (coco).

"É desafiador como cozinheiro primeiro, bem, incluí-la nos menus" e "segundo, que tenha uma aceitação do público", acrescenta o chef, que vende o prato a 7,7 dólares.

Gosto estranho

Várias sessões de "tentativa e erro" levaram Pazos a deparar-se com a receita que combina os sabores do Pacífico e do Caribe à folha cultivada em 24 dos 34 departamentos (estados) da Colômbia.

Pazos tentou "assá-la", "diluí-la" e misturá-la com ovo antes de que o paladar o aconselhasse a deixá-la pura.

As receitas, compiladas no site retococa.org, são a exceção de um problema que a Colômbia enfrenta pela explosão dos narcocultivos. Segundo a última contagem da ONU, o país tem 142.000 hectares plantados com coca.

O próprio Pazos nasceu em Popayán, cidade próxima a Lerma. Na adolescência, enquanto viajava com a sua família, viu veículos incendiados pela extinta guerrilha das Farc, que extorquia civis nas estradas.

Folha de coca em pó ganha força nas receitas de restaurantes da Colômbia
Folha de coca em pó ganha força nas receitas de restaurantes da Colômbia créditos: Juan Pablo Pino / AFP

Levar a coca para o forno e o fogão, diz o chef, aponta para os cultivadores um caminho longe da ilegalidade. É dizer: "pronto, cultivem a coca, mas porque vários cozinheiros em diferentes cidades estão a trabalhar com ela e inserindo-a nos seus cardápios".

A farinha de coca, rica em ferro, fósforo e cálcio, também é vendida em mercados de Bogotá e na internet por cerca de 9 euros o pacote de 250 gramas.

"Tabu"

Num restaurante sofisticado de Bogotá, Jeferson García introduz um doce cremoso à base de coca em pó num saco para confeitar. Em seguida, cobre um biscoito de coco ralado, misturado com uma semente amazónica e rapadura.

Com receitas como esta, pretende "tirar esse tabu" da coca. "Todos sabemos que a Colômbia é denominado o país que mais exporta" cocaína, mas a folha "é uma planta (...) que os nossos ancestrais utilizavam", diz.

Junto dele, Yulián Téllez remexe numa panela colágenio bovino com rapadura até produzir a gelatina de pata, um doce típico dos Llanos Orientales (Planícies Orientais), onde cresceu a ver de perto o conflito entre guerrilhas e paramilitares, com a população civil no meio.

O homem adiciona coca à mistura pegajosa e cobre com toucinho, enquanto lembra as noites na sua terra natal, Guamal. Tinha que "dormir debaixo de uma sala de jantar com colchões" porque a sua família morava "perto da esquadra da polícia", que os guerrilheiros atacavam com granadas.

Hoje, alguns perguntam "como lhe passa pela cabeça" vender pratos com coca. Faz ouvidos moucos e promete continuar a usá-la no seu restaurante.