Há uma fila indiana de pessoas com sacos de plástico nas mãos que se forma todas as quartas-feiras, pelas 17:00, na Rua do Paraíso, no Porto. Como reza o lema daquela cooperativa de consumo, ‘gente bonita come fruta feia’ e até às 21:00 pode ir buscar um cabaz de fruto-hortícolas frescos.
Todos os associados da Cooperativa ‘Fruta Feia’, que iniciou em meados de maio deste ano o projeto no Norte, nas instalações da Cooperativa de Solidariedade Social do Povo Portuense, podem comprar frutícolas e hortícolas a um “custo mais baixo” do que é vendido atualmente nos mercados e grandes superfícies.
“A fruta não é verdadeiramente feia. Apenas não conseguiu atingir o calibre, a cor ou o formato que está normalizado neste momento no mercado”, explicou à Lusa Bruno Monteiro, 27 anos, engenheiro de gestão industrial e voluntário naquela cooperativa.
Os agricultores das localidades como Vila do Conde, Póvoa de Varzim, Oliveira de Azeméis ou Porto, que veem rejeitados os seus produtos pelos habituais canais de distribuição devido a um calibre e/ou forma, agradecem à ‘Fruta Feia’ por conseguir vender nas cidades a produção a consumidores que não se importam com a aparência da fruta e das verduras, mas sim com o seu valor interior.
Sílvia Pereira, 36 anos, enfermeira e mãe de filhos, desloca-se todas as semanas à Rua do Paraíso e leva para a família um cabaz de sete quilos de frutas e legumes pelo valor de sete euros.
“A fruta é mais saudável, na minha opinião, e ajuda a economia portuguesa e os pequenos produtores”, considera a enfermeira Sílvia Pereira, referindo que o preço é “mais barato” do que comprar numa furtaria ou num supermercado. E de “melhor qualidade”, sublinha.
Fernando Ribeiro, 56 anos, também é ‘cliente’ da ‘Fruta feia’, uma iniciativa que descobriu pelos jornais e que aderiu por considerar que ajuda a escoar a produção e porque os alimentos têm um melhor preço.
Esta semana, os cabazes da ‘Fruta Feia’ foram apinhados com maçãs, maracujás, uvas, alfaces, tomates, pepinos, cebolas e 'courgettes' que não obedecem aos ‘cânones’ da beleza e às medidas ditadas pela lei do mais forte. Há cabazes com sete quilos e outros a rondar os quatro quilos, com preços que variam entre os sete e os 3,5 euros, respetivamente.
As cestas são compostas por frutas e hortaliças que variam semanalmente conforme a época do ano e a oferta dos agricultores da região.
Os associados, mais de um milhar espalhado pelo País, segundo dados da organização, recebem informação todas as semanas através de correio eletrónico, com uma espécie de cardápio dos vegetais e frutas disponíveis nessa semana.
“Não temos um perfil definido de associados”, assume Bruno Monteiro, explicando chegam clientes desde os 14 aos 80 anos e “com possibilidades económicas distintas”, mas todos têm uma consciência de querer combater ao desperdício alimentar
Os associados têm sempre direito às caixas de fruta, senão a quiserem comprar têm de avisar, para que a cooperativa reencaminhe as caixas para outros potenciais compradores ou para doar a instituições.
A cooperativa da ‘Gente bonita come fruta feia’, começou a trabalhar ao Norte de Portugal há cerca de três meses e começou a vender fruta e legumes no Porto e em Vila Nova de Gaia, associando “bons ideais às pessoas que estão dispostas a comer” fruta não normalizada.
Em Vila Nova de Gaia, o ponto de venda funciona desde 28 de junho passado na Cooperativa Sol Maior, na rua José Bonaparte, dando às terças-feiras, entre as 17:00 e as 21:00, uma segunda oportunidade aos alimentos.
No final de outubro próximo, a ‘Fruta feia’ vai abrir um ponto de venda em Matosinhos, às segundas-feiras, porque o balanço de três meses de recolha de alimentos tem sido “um sucesso” no Norte, avançou à Lusa Bruno Monteiro, que já foi voluntário internacional em Angola e São Tomé e Príncipe e agora faz parte da ‘Fruta feia’ a tempo inteiro.
“Somos uma cooperativa que tenta cobrir os custos dos trabalhadores, mas não tem fins lucrativos”, assume, referindo que faz um pouco de tudo na cooperativa, desde ir buscar os produtos à terra dos agricultores, até receber o dinheiro dos associados.
“Ao final do dia, no coração levo para casa uma sensação de fazer um serviço à comunidade e de tentar alertar para um paradigma diferente”.
Artur Moreira, 49 anos, formado em comunicação social, ex-jornalista de Minas Gerais, no Brasil, veio para o Porto fazer um pós doutoramento, na Universidade Fernando Pessoa, e também está a fazer voluntariado na ‘Fruta feia’, porque o considera um “projeto interessante” que “combate o desperdício alimentar” e “apoia os agricultores”.
Depois do suor do trabalho voluntário o que é que leva para casa, perguntou a Lusa a Artur Moreira. A resposta é que levava “um cabaz para casa nas mãos e amor no coração”.
Os últimos dados da Organização para Alimentação e Agricultura da Organização das Nações Unidas (ONU), indicam que 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos são desperdiçados anualmente.
Num balanço realizado em julho deste ano pela ‘Fruta Feia’, aquela organização, cuja missão é “alterar os padrões de consumo” já evitou o desperdício de “300 toneladas” de vegetais e frutas, ajudando a escoar a produção de 100 agricultores e com a ajuda de 160 voluntários. Os interessados em ser consumidores da ‘Fruta Feia’ apenas precisam de se inscrever na página da Internet.
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