Açordas e migas, ensopados e tomatadas, caldeiradas e gaspachos – são receitas bem apreciadas em todo o país e que nasceram numa região tradicionalmente pobre em ingredientes, mas rica em criatividade. O recurso ao pouco que a terra dava era perfumado com ervas como catacuzes, poejo, hortelã, beldroegas ou agrião. O tomate, alho e pão juntavam-se a um pedaço de carne com origem na caça ou na matança do porco e resultavam em receitas regionais únicas. E que são capazes de cativar os apreciadores da boa mesa de tal forma que os fazem andar quilómetros para provar um prato genuíno.

Estas receitas são agora objeto de um levantamento, com enquadramento histórico e cultural de todo o território. A Turismo do Alentejo, ERT acaba de apresentar a Carta Gastronómica do Alentejo, um trabalho desenvolvido no âmbito do projecto “Alentejo Bom Gosto” pela Confraria Gastronómica do Alentejo, e que reúne mais de 1100 receitas representativas.

A Carta assume-se como “uma bíblia da gastronomia regional, um trabalho pioneiro e singular no país que vem dar resposta a um desejo antigo de críticos e gastrónomos, para além de contribuir para o trabalho de estruturação do produto turístico gastronomia e vinho”. Segundo Ceia da Silva, presidente da Turismo do Alentejo ERT, este produto é mesmo a terceira motivação de visita ao território, logo a seguir ao lazer e à monumentalidade.  A entidade vai distribuir a Carta Gastronómica a todos os restaurantes da região, incentivando-os a participar no processo de certificação. Dos 50 estabelecimentos envolvidos até agora, um já foi certificado pela CERTIS, adianta Ana Palma, da Turismo do Alentejo ERT, mas a sua identificação ainda não foi revelada. Aos restaurantes que queiram aderir, é exigido apenas que utilizem ao longo do ano pelo menos quatro produtos alentejanos qualificados (azeite, mel, carne, enchidos, queijos, etc.), sendo organizados por três categorias: pratos tipicamente alentejanos; pratos de confeção alentejana e pratos com produtos alentejanos.

O trabalho de levantamento e sistematização das receitas, a cargo da Confraria Gastronómica do Alentejo, recorreu ao receituário doméstico, maioritariamente feminino, revela Francisco Sabino. “É um documento em aberto, que permite feedback por parte das pessoas e dos restaurantes”, acrescenta o responsável, que deteta duas principais mudanças nos comportamentos: “a sazonalidade e temporalidade” (por exemplo do tomate, que agora se come durante todo o ano) e “o desaparecimento das cabidelas”, ligado a fenómenos de redução da ruralidade e exigências das normativas alimentares. Dada a origem doméstica e familiar, é natural que, das 1232 receitas levantadas, apenas um número reduzido refira com exatidão as quantidades de ingredientes, temperaturas de cozedura e tempos de confeção.

Agora que a Carta Gastronómica vai ser divulgada junto dos profissionais e estudiosos da gastronomia, Ceia da Silva aposta na realização de roteiros gastronómicos de um, dois ou três dias, que mostrem aos turistas como se faz o vinho ou como se apanha a azeitona, roteiros esses que quer ver concluídos e comercializados até ao final do ano. Bons motivos para continuar a visitar o Alentejo.

Veja aqui algumas das receitas da Carta Gastronómica do Alentejo, confecionadas por Manuel Martins da Charcutaria Lisboa:

Gaspacho com petingas ou carapauzinhos fritos

Cebola panada

Raia pregada de alhada

Ensopado de galinha

Pudim de veludo 

 

Ana César Costa