No Alentejo as açordas e as migas são figura culinária omnipresente, prato de todas as classes, épocas e regiões, confecções que definem o carácter genuíno de uma cozinha. Isto porque as açordas e as migas nos chegam de uma cozinha anterior às inovações, aquela que conheceu a introdução dos sabores e produtos vindos de além-mar, como a batata ou o tomate no século XVI. A tradição ligada às açordas é milenar, parecendo remontar ao período pré-romano, consolidando-se no decurso do domínio romano e prolongada com a presença Muçulmana na Península. Com os árabes a açorda assume o estatuto de prato para as grandes ocasiões e festejos.
Esta é uma confecção de mesa, como também é de campo, preparo comido sobre o regaço dos pastores. No Norte alentejano ao Baixo Alentejo encontram-se, amiúde, variações regionais, com recurso a diferentes ingredientes e acompanhamentos.
“Migas de pão, duas voltas e já estão”
Há que saber que migas no Alentejo, refere aquilo a que outras regiões do país chamam açorda. Esta faz-se com um preparo semelhante às migas alentejanas, embora com outros ingredientes, começando pelo pão. No Norte do país, a açorda incorpora a broa de milho e é de consistência mais macia, pois introduz mais água e menos gordura.
A açorda alentejana aproxima-se mais da sopa, embora com diversas variantes. Tomemos a confecção base que, na sua essência, é muito simples: três dentes de alho pisados, um molhinho de poejos ou de coentros (por vezes os dois juntos) e algum sal. Com estes ingredientes faz-se o “piso” e, a este, junta-se o azeite. À parte, ferve-se água que se vai juntar ao piso. Parte-se grosseiramente pão que se junta ao caldo. Está pronta a açorda.
As migas, por seu turno, são a transformação do pão numa massa frita em gordura, depois enrolada em forma de omeleta. Esta confecção recorre às carnes de porco, entrecosto, toucinho. Pisam-se alguns dentes de alho num almofariz com sal, juntam-se duas colheres de sopa de massa de pimentão. Envolve-se, então, a carne. Esta repousa um dia, para depois se fritar em banha. Chega o momento de entrar o pão que vai às fatias para um tacho ou sertã, onde se rega com água quente. Desfaz-se o pão com uma colher de pau, ficando pronto para receber o pingo da carne. Envolve-se o preparo no tacho até tostar. Faz-se uma bola e serve-se com as carnes. Entre os pastores é hábito juntar no final uma porção de leite de ovelha ou de cabra, voltando a mexer para ensopar o pão. Temos, assim, as “migas à pastor”.
Açorda: prato real
Provas arqueológicas apontam a possibilidade da açorda ser uma confecção já conhecida entre os povos pré-romanos da região que é hoje Portugal.
Mais consistentes são as provas que atestam, no decurso da ocupação romana na região (século II a.C. a V d.C.), a confecção de uma sopa feita com ervas aromáticas, alho, pão, azeite e água.
Com a ocupação árabe da Península (VIII a XIII em Portugal) o consumo de açorda manteve-se, adoptando o nome de Tharîd, o que literalmente significa “migar pão”, ou mesmo será dizer “o alimento que se prepara com pedaços de pão esfarelado”. A Tharîd, adaptava-se à escassez de recursos e a uma cozinha feita de paladares simples o que não invalidou à açorda um elevado estatuto na cozinha árabe.
Mais próximo temporalmente há quem defenda que as migas advêm das fatias de pão que serviam de prato, antes da banalização deste utensílio. A comida dispunha-se sobre uma grossa fatia de pão e este impregnava-se com o sabor, alterando-se em consistência. Este pão era ensopado era desprezado pelas classes mais abastadas que o dispensavam aos mais desfavorecidos.
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