Milaneza
Não sei precisar quando é que a receita da aletria da minha avó Zulmira me ficou gravada na memória. Em miúdo passava tanto tempo na casa dela, a fazer os trabalhos depois da escola, que o mais certo era ter um bolo ou uma ou duas taças de aletria acabadinha de fazer para o lanche. Devo ter visto a minha avó a fazer aletria centenas de vezes.
Certo é que a receita, os truques, os sabores ricos do ovo, do limão e da canela me ficaram na memória. E é quase automática a forma como misturo os ingredientes e deixo os aromas invadir a casa e o apetite dos meus convidados.
Não é que eu seja um rapaz muito namoradeiro. Gosto dos pequenos prazeres da vida, e sim, gosto de ser arrebatado pela paixão de um novo amor. Em contrapartida, gosto de impressionar as novas paixões com os paladares aveludados da aletria que se tornou, entretanto, a minha imagem de marca. Para quê oferecer rosas, quando se tem uma sobremesa e duas colheres?
Daqui a 10 minutos a Sara deve estar a tocar à campainha. Conhecia-a há cerca de um mês, nem queiram imaginar: na fila do supermercado! Ela ia pagar um sumo e uma pizza congelada, e eu não me contive, tentei ser engraçadinho. “Não me diga que vai jantar isso! Mais valia vir jantar a minha casa, que sempre comia algo mais apetitoso e saudável...” Ela primeiro olhou-me de alto a baixo, e depois riu-se. Trocámos conversa, piadas, provocações, e a verdade é que daí a pouco estávamos mesmo a combinar um jantar.
Hoje é a primeira vez que a Sara vai provar a minha famosa aletria. Enquanto aguardo que ela chegue, esmero-me a colocar o preparado nas taças, polvilhando a canela com vagar e precisão por cima daqueles fios deliciosos de cor amarela e cremosa. Se a Sara sentir metade do meu entusiasmo e felicidade ao provar esta aletria, já fiquei a ganhar.
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