A Márcia é uma apoiante e praticante confessa da cozinha vegetariana. Podemos ter um natal vegetariano, sem desmerecermos os sabores da estação e igualmente interessante à mesa?

O Natal, mais do que uma época de reunião entre amigos e família, é uma época de compaixão, beneficência, afeto e de muita partilha, incluindo de sabores e até de receitas. A comida tem um papel central nas celebrações natalícias, e para quem é vegetariano, terá de recriar as tradições familiares e os pratos típicos. Pode fazê-lo levando as suas preparações e, dando a conhecer novos pratos, de forma a evitar preocupações de amigos e familiares e, claro, constituindo uma oportunidade para demonstrar a variedade de sabores da cozinha vegetariana.

Certo, a Márcia pode dar-nos alguns exemplos práticos dessa variedade alimentar?

Sim, é possível ter uma mesa na ceia de natal com pratos vegetarianos saborosos, e que aproveitem os sabores da gastronomia nacional. Por exemplo, no meu blogue apresento a sugestão de um Assado de grão-de-bico com crosta de broa. Ou seja, temos o assado, prato que frequentemente associamos ao “centro da refeição”, com sabores mediterrânicos como o alho, azeitonas, alecrim, vinagre balsâmico e a broa de milho.

Assado de grão-de-bico com crosta de broa
Assado de grão-de-bico com crosta de broa @Compassionate Cuisine

Também podemos utilizar ingredientes da época, como a abóbora, as castanhas, as verduras (nabiças, por exemplo), e cogumelos para fazer uma abóbora recheada, e servi-la com um puré de feijão branco.

E, por fim, nas sobremesas, para dar cor e sabor a um pão doce, podemos incorporar um pouco de abóbora assada, concentrada, e fazer uma Rosca de abóbora e chocolate.

abóbora recheada
Abóbora recheada, e servi-la com um puré de feijão branco. @Compassionate Cuisine

Podemos afirmar, então, que comer bem no Natal passa por inverter prioridades. Mais vegetais/legumes, menos proteína animal. Que trocas vantajosas podemos fazer, subtraindo à mesa o tradicional bacalhau e o peru?

Incluir mais leguminosas por exemplo, tanto na forma de purés, como adicionadas a um assado juntamente com elementos aromáticos como: alecrim, tomilho, alho, cebola, colorau, cominhos, pimenta, entre outros.

Márcia, podemos inovar, no âmbito de uma dieta equilibrada, introduzindo novos alimentos na mesa festiva?

Sim, é possível inovar tornando os métodos de confeção mais saudáveis e introduzindo outros alimentos na mesa festiva. Por exemplo, como aperitivos, a tradicional sopa pode ser servida em creme, e ser colocada em copinhos pequenos (de shot), para facilitar a adesão ao consumo desta preparação de baixo conteúdo energético.

No lugar de pastas preparadas com maionese e outros molhos muito ricos em gordura, também podem estar pastas à base de leguminosas. No entanto, importa relembrar que as celebrações natalícias são apenas dois dias num ano e que, neste contexto, na mesa tradicional portuguesa, também estão frequentemente presentes alguns ingredientes de elevada densidade nutricional, como os frutos gordos (amêndoas e nozes), e hortaliças (couve-galega, e couve-portuguesa, por exemplo).

“Falta na sociedade a consciência sobre a pegada alimentar que deixamos”
Márcia Gonçalves

Sabemos como as crianças são um grupo particularmente vulnerável aos doces. O período das festas é tradicionalmente rico neste item. Qual deve ser a atitude dos educadores e que alternativas podemos encontrar?

O período das festas de natal é bastante rico em sobremesas e doces e podemos reduzir o açúcar das sobremesas tradicionais. Mas, mais importante do que tornar estas opções mais “saudáveis”, é saber restringi-las apenas ao dia 24 e 25 e, evitar o seu consumo nas festas que antecedem o natal e, não fazer nem adquirir uma variedade tal de doces para o dia de natal, que vai inevitavelmente sobrar até ao ano novo.

Por isso, de forma a reduzir a tentação, o ideal será mesmo deixar estas opções para os dias especiais, sem preocupações excessivas. Quando falamos de crianças, é importante também evitar a ingestão de bebidas açucaradas como os refrigerantes e, caso um chocolate ou bombom esteja entre as prendas, ensinar que nestes dias de maior abundância, não serão certamente o melhor momento para consumir os chocolates, e que poderão ser guardados para outras alturas.

Numa anterior conversa com a Márcia tocámos na questão da sustentabilidade alimentar. A mesa de Natal é palco para abundância de alimentos que, muitas vezes, acabam no lixo. Somos uma sociedade que desperdiça muitos alimentos?

Sim, no contexto Europeu, segundo a Agência Europeia do Ambiente, todos os anos são desperdiçados um terço dos alimentos produzidos. Em Portugal, o “Projeto de estudo e reflexão sobre desperdício alimentar (PERDA)” estimou que cerca de 17% das partes edíveis dos alimentos produzidos para consumo humano sejam desperdiçadas, ao longo de toda a cadeia alimentar, até chegar ao consumidor. Isto representa um milhão de toneladas de alimentos por ano. No natal (e todo o ano), relembro a necessidade de, a nível doméstico, entre outras medidas, serem reaproveitadas as sobras dos alimentos, ou, repartidas entre os elementos da família ou oferecer a instituições de caridade.

Ao falarmos da alimentação, não podemos esquecer a ingestão de álcool. O período de festas incentiva-a. A partir de que quantidade se torna esta ingestão lesiva?

Existem algumas concessões erradas relativamente ao nível seguro de consumo de álcool. A verdade é que não existe um nível seguro para a ingestão de álcool. Claro que pode haver um consumo com um menor risco associado, mas a Organização Mundial de Saúde não estabelece limites em particular, porque a evidência mostra que o ideal para a saúde é não beber de todo.


Entrevista concedida em dezembro de 2019.