O vinho e o queijo são também dois produtos vivos, em constante modificação, que respiram e envelhecem, que reagem às condições que se lhes proporcionam produzindo, por isso, a auréola de interesse de que sempre gozaram. 

Cada vez mais as variáveis aumentam, com a produção de novos tipos de queijos e vinhos, novas formas de consumir e cozinhar, novas harmonias. Cada vez mais queijos e vinhos de outras paragens estão aí à disposição, originando uma dicotomia entre a abordagem a algum desconhecido e a partida à descoberta, como poucas outras harmonias se podem gabar.

Tal como o vinho, o queijo é classificado pelas inúmeras características de origem e produção. São importantes a época do ano (para a tipicidade das pastagens), a origem regional, a raça do animal, o tipo de leite, o modo de extrair o soro e o coalhar, o tipo de tratamento, cura e envelhecimento, as condições de afinação, as texturas e características de sabor, a forma de apresentar, de servir, de cortar, entre outros aspectos.

As características organolépticas do queijo variam desde o aroma delicado ao cheiro intenso, do sabor delicado ao mais incisivo, das texturas macias às secas e granuladas, das sensações doces às salgadas, das sensações ácidas às amargas, com maior ou menor gordura, de ligeira estrutura a enorme suculência e raça. São estas nuances que permitem uma correcta harmonização com imensos tipos de vinhos, brancos, roses, tintos, secos, doces, espumantes ou generosos.

Da origem ao produto final:
Não se sabe ao certo quanto surgiu o queijo. Propor uma data para a origem do queijo pode variar desde aproximadamente 8.000 a.C. (quando as ovelhas foram pela primeira vez domesticadas), até por volta de 3.000 a.C. O primeiro queijo pode ter sido feito no Médio Oriente ou por nómadas da Ásia Central. Uma vez que as peles de animais e órgãos internos inflados têm, desde os tempos antigos, servido como recipientes para armazenar uma grande variedade de produtos alimentícios, é provável que o processo de produção do queijo tenha sido descoberto acidentalmente, devido à permanência do leite nos recipientes feitos do estômago de um animal, resultando na transformação do leite em coalhada e soro pela quimosina do estômago. A produção de queijos pode também ter-se iniciado, independentemente disto, pela prensagem e adicionamento de sal ao leite coalhado a fim de preservá-lo. A observação de que o efeito de armazenar o leite num recipiente feito de estômago de animal produzia coalhadas mais sólidas e de melhor textura, pode ter levado à adição deliberada de coalho no leite.

Assim, a transformação do leite em queijo, sólido e muitas vezes de sabores fortes e concentrados, está relacionado com a presença da caseína, que é uma fosfoproteína de discreto valor biológico que representa cerca de 80% das proteínas do leite. Não coagula com o calor e é precipitada pelos ácidos ou pela renina, uma enzima produzida no estômago dos vitelos (bezerros) recém-nascidos (também é produzida por alguns tipos de plantas e micróbios). Daí, o leite passa pelos passos da coagulação, separação do leite em coalhada sólida e soro líquido. Geralmente é feito pela acidificação do leite, directa, por exemplo vinagre e as leveduras que transformam o açúcar do leite em ácido láctico. Alguns queijos frescos são coagulados apenas pela acidificação, mas a maioria deles utiliza também o coalho. O coalho dá uma consistência mais firme e gelatinosa ao queijo se comparado à frágil textura da coalhada produzida apenas pela coagulação ácida. Também permite ter um nível mais baixo de acidez —importante porque as bactérias, que dão o sabor característico ao queijo, são inibidas em meios altamente ácidos. Em geral, as variedades de queijos menores, de massa mais mole e fresca, são coaguladas com uma proporção maior de ácido e menor de coalho, ao contrário dos queijos maiores, de massa mais firme e de maior durabilidade.

Neste ponto, o queijo adquiriu uma textura espessa e húmida. Alguns queijos de massa mole estariam praticamente prontos: são drenados, salgados e embalados. Para a maioria dos queijos restantes, a coalhada é cortada no formato de pequenos cubos. Isto possibilita que a água seja drenada dos pedaços individuais de coalhada.

Alguns queijos duros são, em seguida, aquecidos a uma temperatura entre os 35ºC e 55°C. Isto faz com que o soro seja mais rapidamente drenado e também consegue-se alterações no gosto final do queijo, afectando a cultura bacteriana existente e a estrutura química do leite. Nos queijos aquecidos a temperaturas mais altas são geralmente usadas bactérias termófilas que sobrevivem a esta etapa.

O sal desempenha vários papéis na produção do queijo além de lhe adicionar o sabor salgado. Preserva o queijo da deterioração, extrai a humidade da coalhada e solidifica a textura do queijo na interacção com as proteínas. Alguns queijos são salgados a partir do exterior com sal seco ou salmoura. A maioria tem o sal misturado directamente na coalhada.

O queijo atinge a forma final quando as coalhadas são prensadas nos moldes ou formas. Nos queijos mais duros, é aplicada uma pressão maior. A pressão expulsa a humidade, os moldes são desenhados para permitirem que a água escorra, fundindo as coalhadas num único corpo sólido.

Um queijo acabado de produzir é geralmente salgado, embora de sabor brando. A maioria dos queijos é deixada a repousar sob condições cuidadosamente controladas. Este período de amadurecimento (também chamado de envelhecimento, ou, em francês, “affinage”) pode durar de alguns dias a vários anos, sendo uma arte que determina de forma definitiva a qualidade final. Durante o amadurecimento do queijo, micróbios e enzimas transformam a textura e intensificam o sabor.

Alguns queijos têm bactérias adicionais ou bolores intencionalmente introduzido antes ou durante a maturação. Na produção tradicional de queijo, esses micróbios podem já estar presentes no local do amadurecimento ou simplesmente alojam.se e crescem nos queijos armazenados. Actualmente é mais frequente utilizar-se culturas já preparadas, dando resultados mais consistentes e oferecendo menos restrições ao ambiente onde o queijo amadurece. Nos queijos curados suaves podemos descobrir o Brie e o Camembert e os queijos azuis, tais como o Roquefort, Stilton, Gorgonzola.

Tal como no vinho, as diferenças de estilo e sabor motivaram certificações de Origem Protegida. Tratando-se igualmente de um produto artesanal deve reflectir as diferenças das várias regiões, as características edafoclimáticas e até o tipo de pastoreio e de criação/exploração dos rebanhos. A biodiversidade de cada zona também influencia o queijo, porque dentro de uma zona com características definidas pode haver um, dois, três ou quatro produtores que podem ter queijos ligeiramente diferentes.

Interacção com vinhos:
Normalmente os factores relevantes para caracterizar os queijos são o seu tempo de maturação, a textura, métodos de produção, o teor de gordura e a tipologia do leite.
Podemos caracterizá-los pela pasta, macia, mole, prensada, firme, dura e de veio azul, que vão traduzindo outras dimensões em termos de acidez, quantidade de sal, doçura e amargo. Deve-se também atender à tipologia de textura e consistência, tal como a potência e persistência de aroma e sabor, onde também o tempo de maturação é relevante.

São muitas destas dimensões que determinam a escolha dos vinhos. O clássico raciocínio de que queijo duro é melhor com vinho tinto e o vinho branco com os mais suaves é realmente muito restritivo. Não só porque as variáveis são muitas, mas porque também existem muitas outras tipologias de bebidas que têm boa afinidade com queijos.
Algumas das regras que se tornaram “clássicas” defendem que os vinhos brancos leves são um bom parceiro de queijos ligeiros, frescos e novos, onde a notória percepção a leite fresco se destaca; os vinhos brancos bem mais ácidos funcionam bem com os queijos mais salgados e ácidos, onde os queijos de cabra são os mais marcantes.

Também devido ao nível de sal, a doçura de fruta pode ser boa conselheira, existindo dois vinhos paradigmáticos para esta possibilidade: os Riesling alemães e os Sauvignon Blanc da Nova Zelândia. Vinhos mais redondos em termos de acidez, de bom corpo, por vezes com madeira, ligam-se bem com queijos de sabores moderados, pasta semi-dura, onde por vezes também se nota uma leve doçura. Queijos mais aromáticos e intensos, mais envelhecidos, funcionam bem com vinhos tintos mais largos e densos de sabor, com boa complexidade e taninos macios. Os queijos mais salgados e poderosos, especialmente aqueles “azuis”, ligam bem com vinhos muito aromáticos, muitas vezes com generosos onde a doçura os balança. Devem também ter boa acidez, para deixar a boca com sensação de saciedade e não de “peso” ou aborrecimento.

Não esquecer que os vinhos e os queijos estão constantemente em evolução, devido à maturação e envelhecimento, embora a maioria das afinidades naturais se mantenha. O ideal será sempre promover relações de contraste e sintonia, onde as dimensões de um e de outro estejam quase no mesmo pé de igualdade. Estabelecer relações simples com simples e complexo com complexo.

Manuel Moreira (sommlier)