Cabe aqui, antes de encetarmos caminho ao encontro da batata frita perfeita, aquela que se quer estaladiça por fora, quase quebradiça, e macia no interior, fazer uma advertência. A batata frita é isso mesmo, um frito. Não se compraz com uma dieta saudável, deve ser consumida com moderação e frita num bom óleo alimentar. Nada que não tenha já sido nosso objeto de alerta, por exemplo aqui.
Ora bem, feita a advertência, lida a hiperligação e se continuar a trilhar caminho nestas linhas, quer mesmo saber como cozinheiros, cientistas, gastrónomos, para citar apenas alguns atores nesta história, andam há décadas a debater a filosofia da batata?
Antes de nos embrenharmos em frituras, procuremos a origem desta nossa amiga inseparável do bifinho, de uns mexilhões (os belgas que o digam), de um peixe frito (matéria em que a Grã Bretanha é perita).
Consta que pelo século XVII já nos Países Baixos (na região atualmente abrangida pela Bélgica) a população se regalava ao som da fritura da batata, tubérculo que chegara dois séculos antes à Europa, desde as américas.
Da França do século XVIII chegam-nos registos de receitas de batatas fritas. Não será, assim, de estranhar que em inúmeros países a referência ao petisco tome o nome de french fries.
Uma disputa pela paternidade da batata frita onde entra também a Espanha, país que recebeu primeiramente a batata do Novo Mundo. Terá sido em terras de nuestros hermanos que o azeite frigiu pela primeira vez com a batata, prática comum na cozinha mediterrânica.
Mais próximo temporalmente, vamos perceber que a batata em chip, de pacote e industrial, tão associada à comida rápida, não é uma invenção do país que deu ao Mundo o fast food, a América do Norte. A batata frita industrial, em chips, é obra do Velho Continente. Foi concebida nas Ilhas Britânicas por volta de 1914 e foi, possivelmente, inventada por um imigrante francês chamado Cartier.
A sua comercialização iniciou-se em 1920 por Frank Smith, que instalou as suas fritadeiras numa garagem, nas traseiras de um bar. Crê-se que o comerciante teve mais sucesso com o novo pitéu, do que propriamente com a afinação dos motores da grande novidade da época, o automóvel.
É o frenesim da química que faz a nossa batatinha
Percebamos, então, como se processa a fritura. A superfície da batata, húmida, vai entrar de forma violenta em contacto com um óleo fervente. Um choque térmico que evapora imediatamente toda a humidade e cria na superfície do tubérculo uma crosta caramelizada e adocicada (devido à presença de amido).
Isto à superfície, endurecida, porque dentro da nossa batatinha há um frenesim de vapor de água que bate na couraça exterior. Não se consegue libertar e, em consequência, coze a polpa da batata que fica macia. Vamos supor que este vapor de água encontrava um caminho para a liberdade. Mau presságio para a batata que continuaria a receber humidade no exterior o que comprometeria a fritura. E com estas convulsões da química obtemos os palitos que viciam o mundo (ou parte dele) há centenas de anos.
A melhor batata para fritar e como a preparar
Uma batata excelente para fritura é a qualidade Asterix, aquela de casca levemente rosada. Corte os tubérculos em palitos, mas não muito finos. A grossura ideal? Os dois centímetros. Não se aprece, as batatas ainda não estão prontas para um banho quente em óleo. Vamos retirar-lhes o excesso de amido e, para isso, damos-lhes um banho (de imersão) de água fria por cinco minutos. Mudamos a água duas a três vezes, mantendo o tempo indicado entre cada troca. Após o banho seque as batatinhas em papel absorvente ou num pano de cozinha limpo.
Fritar quantas vezes?
Uma, duas, até mesmo três, como defende o monstro da cozinha, o chefe britânico Heston Blumenthal. O mundo da gastronomia não é consensual neste ponto.
Considerando a média de opiniões entre chefes de cozinha, gastrónomos e até cientistas, tomemos como ideal as duas frituras. Uma em óleo vegetal moderadamente aquecido (160ºC, por sete minutos); a segunda em óleo vegetal fervente (190 ºC, por um minuto). A primeira dá um empurrão ao cozimento do interior da batata, a segunda vai selá-la e criar o invólucro caramelizado. Entre as duas frituras, deixe as batatas arrefecerem. Pode, inclusivamente, levá-las ao frio do frigorífico por 10 minutos.
Está pronta a nossa batata frita. Tempero só no final. E faça-o com estilo, por exemplo com um sal aromatizado. Junte 50 g de sal fino, 15 g de alecrim, 15 g de tomilho seco, 15 g de pimenta do reino, moída na altura. Polvilhe as batatas com esta mistura e conserve a restante.
Finalmente, o cozimento e a fritura. Sim ou não?
Há, quem defenda que um cozimento em água fervente e uma posterior fritura, vai garantir as melhores qualidades nas nossas batatinhas frigidas. Facto contrariado por alguns chefes de cozinha que alegam não ficar a batata estaladiça nessas condições.
Independentemente do número de frituras, de preferir batatas às rodelas, em palitos, rústicas sem lhes retirar a casca, de uma ou duas frituras, bom mesmo é testar. Não será à primeira tentativa que obterá a batata que o leva ao céu. Mas, na cozinha como em tudo na vida, a persistência é vencedora.
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