O “fiel amigo”, que há muito adotamos e transformamos num dos símbolos representativos da nossa gastronomia, é seguramente objeto das maiores façanhas culinárias.

O bacalhau é um peixe de baixo teor de gordura, proveniente de várias espécies. Para muitos, o mais verdadeiro é o Gadus morhua, habitante das águas frias dos mares do Hemisfério Norte, deslocando-se em cardumes da Terra Nova para a Islândia e a Noruega. Apresenta bastante firmeza de textura, mais ou menos compacta, dependendo do corte, sendo o lombo a peça mais apreciada. A demolha volta a acrescentar-lhe alguma macieza, sendo que reaviva as gelatinas internas e, quando bem cozinhado, lasca, mostrando-se húmido e brilhante.

4 receitas de bacalhau para uma mesa de Natal inesquecível
4 receitas de bacalhau para uma mesa de Natal inesquecível
Ver artigo

O bacalhau aceita com agrado o tratamento, na confeção, com algumas gorduras, sendo o azeite compincha de eleição. Como todos terão experimentado, os sabores salgados e amargos ampliam-se mutuamente, produzindo uma sensação de sabor poderosa e algo desagradável.

Então, o tradicional e empírico casamento entre o vinho tinto (amargo dos taninos, do álcool e madeira) e o bacalhau (salgado e fibroso) terá que ser tratado de forma hábil para não cair em excessos e provar falta de interesse gustativo.

Cuidado também com os ingredientes que, já sendo amargos e metálicos, podem acentuar estas sensações: couves, grelos e espinafres, entre outros, requerem atenção.

Bacalhau cozido

O prato de bacalhau por excelência na época natalícia. Menos poderoso em termos de sabor, mas com alguma dificuldade na abordagem ao vinho, pois também é mais sensível aos elementos estruturais dos vinhos, especialmente aos taninos. Devem-se procurar sabores suaves e muita frescura. Os vinhos com suavidade do álcool e um toque de doçura serão os mais interessantes. Algo como Chardonnay, Antão Vaz, Alvarinho ou Encruzado, de preferência sem madeira ou pouco marcados pelo estágio, são algumas das opções.

Os tintos terão um perfil de sabor menos condizente com o bacalhau cozido. Se a opção for essa deverão ter taninos macios, doçura de fruta… mas muita atenção com o sal, pois o traço amargo e vegetal dos tintos tem que ser muito ponderado. Atenção ainda à guarnição, pois também esta confeção acentua os teores mais amargos, especialmente de alguns vegetais.

Bacalhau cozido

Migas e sopas de bacalhau

Pratos intensos de sabor, de texturas mais moles e menos resistentes, onde o pão e o caldo, mais ou menos presente, pede vinhos com bom volume, não necessariamente pesados. Alguns brancos com madeira podem surgir, pois os ligeiros caramelizados que lhe conferem alguma envolvência estão em linha com os pratos. Uma boa surpresa podem ser vinhos brancos secos fortificados, com o Vinho do Porto Branco seco e os Madeira jovens e secos a proporcionarem uma harmonia menos habitual, mas de extrema eficácia.

Bacalhau frito ou no forno

Pratos luxuriantes de sabor, de texturas densas e suculentas, com purés de batata, broa, natas, ceboladas fortes. Causam alguma dificuldade na escolha dos vinhos. Os mais indicados são vinhos suculentos e encorpados, capazes de igualar a força de sabor do prato. A harmonização poderá ser alcançada com bons vinhos tintos, largos e cheios de sabor, mas com taninos amaciados, ou com vinhos brancos encorpados, com fermentação em madeira. De regresso aos tintos devem procurar-se vinhos mais arredondados e com sabor polido pelo tempo, sem taninos arrogantes, privilegiando-se alguma frescura.

Bacalhau assado e na brasa

Pratos de bacalhau violentos e distintos de sabor. Têm como aliados sabores igualmente fortes, tais como o azeite (quente), o alho, as batatas assadas, pão torrado, azeitonas, presunto. O sal do bacalhau nestas preparações aumenta o potencial aromático e está bem presente na prova de boca. Mais uma vez, somente os vinhos brancos ou tintos mais intensos e estruturados dispõem de argumentos para fazer face a estas preparações. Vinhos com uma acidez vigorosa são fulcrais para compensar a suculência. É também uma excelente oportunidade para os grandes espumantes portugueses, aqueles mais complexos e poderosos de sabor, que reúnem intensidade, persistência e contam com o apoio do gás carbónico para se baterem com a estrutura e suculência do prato.

Vila Franca de Xira: Novembro traz ao concelho o Torricado com bacalhau assado

Pratos de bacalhau em salada

São pratos normalmente frios,  com o bacalhau em pequenos pedaços e conjugado com outros ingredientes, perfumado com vinagretes e azeite, também com algumas ervas, por exemplo os coentros e salsa. Para estes pratos pedem-se vinhos aromáticos, jovens e que tenham alguma envolvência corporal, pois os somente refrescantes e mais “magros” correm o risco de se perderem com a estrutura de sabor dos ingredientes.

Pedem-se brancos com algum corpo e perfumados, com acidez. Alvarinho, Antão Vaz, Encruzado, Bical, Rabigato, sem madeira, jovens e frutados, são boas opções. Também os rosés, graças ao açúcar residual. Tintos, de preferência ligeiros e suaves de taninos, frutados e macios, podem equacionar-se. Os modernos exemplares do Dão, os Alentejo jovens e macios e alguns Tejo de perfil moderno deverão ser ponderados. Haverá ainda lugar para espumantes jovens e frutados.

Fonte: Essência do Vinho