Kiko Martins não para. Ainda este verão, pretende abrir um novo restaurante numa das zonas mais movimentadas de Lisboa mas, apesar do êxito dos vários que já possui, recusa-se a repetir fórmulas. Acabado de regressar de uma viagem a Miami nos EUA e às Bahamas, onde integrou a comitiva da RFM Royal Caribbean Selfie Trip, o chef, que já deu a volta ao mundo com a mulher, procura aprender sempre algo em cada destino.

Em entrevista ao Modern Life/SAPO Lifestyle, Kiko Martins fala da experiência e recorda um dos pontos altos dos dias que passou em praias paradisíacas na companhia de figuras públicas como o humorista Nilton, o apresentador de televisão e radialista Pedro Fernandes e a fadista Cuca Roseta, como pode ver de seguida. "Uma coisa que me deixou bastante inquieto foi a quantidade das doses que por lá servem", assume o chef.

Já deu a volta ao mundo com a sua mulher, como é do conhecimento público. Já viu, por isso, muita coisa. Regressou recentemente das Bahamas, onde esteve nos últimos dias de abril de 2019, conseguiu descobrir coisas novas por lá?

Sem dúvida nenhuma! Tive a oportunidade de ir a um restaurante tradicional em Nassau [capital das Bahamas]... Nós, muitas vezes, temos a noção que devemos preservar ao máximo o sabor das coisas. Obviamente que sim! No nosso caso, em Portugal, temos um peixe tão bom que seria um erro temperá-lo de uma forma excessiva. Mas, nas Bahamas, estamos a falar de águas quentes e de mares menos profundos.

Kiko Martins trocou a gestão de marketing pelos tachos e pelas panelas
Kiko Martins trocou a gestão de marketing pelos tachos e pelas panelas
Ver artigo

E comi lá um peixe que estava delicioso! Possivelmente, a matéria prima não era tão elegante nem tão saborosa quanto a nossa, mas o tempero que eles deram ao peixe era magnífico. Era muito o tempero caribenho, um tempero com sementes de coentros, de cominhos e de ervas aromáticas... Estava muito bem temperado o peixe, depois frito, que é uma técnica que não utilizamos muitas vezes nos nossos peixes. Foi servido com um arroz muito bem temperado, acompanhado com uma salada e com um prato de macarrão com queijo, num restaurante muito tradicional, onde não se viam turistas.

E, nestes espaços, uma pessoa aprende sempre alguma coisa. Eu, naquele dia, aprendi, por exemplo, que, mesmo quando não temos ovos, podemos, de certa forma, fazer omeletes. Eles, nas Bahamas, não têm uma matéria prima tão boa quanto a nossa mas o facto de a temperarem como o fizeram é sempre algo que nos dá garra e que nos tira a preguiça e nos afasta de determinados tipos de pensamentos redutores.

Como eu não tenho isto, não consigo fazer... É o tipo de coisas que pensamos muitas das vezes, não é? Ali, muito pelo contrário! O peixe que me serviram naquele restaurante pequeno, que está fora dos circuitos turísticos e é praticamente só frequentado por locais, era um peixinho pequeno, um besugo, que até é um peixe sem grande interesse gastronómico mas estava muito bem temperado. Estava um grande pratão... Mesmo!

Só essa experiência já valeu a pena, portanto…

Sim, valeu a pena. Pela experiência e também para perceber como é que as pessoas se comportam, uma vez que era um restaurante tradicional muito pequenino numa zona de Nassau onde só estavam praticamente locais... Uma coisa que me deixou bastante inquieto foi a quantidade das doses.

Aquilo era uma dose que vinha num prato que possivelmente tinha, sem exagero, uns 600 gramas de arroz. No mesmo prato, vinha macarrão com queijo, uma dose de macarrão carregado de vários queijos diferentes que tinha aí uns 200 gramas, uma salada e, depois, vinha o peixe. Estamos a falar de uma enorme quantidade de hidratos de carbono, que era o que havia naquele prato.

Não servem, portanto, doses à chefe nos restaurantes mais tradicionais das Bahamas...

Não, é à americana! Este é um povo que me encanta muito por um lado mas, por outro, para eles é tudo em demasia, em excesso, o que é uma coisa já um pouco descabida. Perde-se, dessa forma, um bocadinho aquilo que é o meio termo das coisas. Faz um pouco parte desta cultura americana que também se sente nesta região...

Esta experiência gastronómica veio na sequência de um cruzeiro. Foi o primeiro que fez?

Já tinha feito um cruzeiro com a minha família, também da Royal Caribbean, no norte da Europa. Começámos na Suécia e passámos pela Letónia, pela Estónia e por São Petersburgo, na Rússia. Foi no inverno, uma altura muito diferente desta. Nessa altura, tinha ficado com a curiosidade de fazer um cruzeiro com bom tempo, para poder usufruir da piscina e das atividades aquáticas que estes navios propõem.

Cuca Roseta a banhos nas Bahamas. Fotografias exclusivas
Cuca Roseta a banhos nas Bahamas. Fotografias exclusivas
Ver artigo

Acho a ideia incrível! Eu, com quatro filhos, acho que a ideia de poder estar num espaço controlado, com segurança, com diversões que agradam aos adultos e aos mais novos, é uma solução muito gira. Com a vantagem de que, enquanto estamos a dormir, o barco está a movimentar-se e, quando acordamos de manhã, temos logo outra cidade para visitar. Fizemos agora um cruzeiro desde Miami até CocoCay e depois até à capital das Bahamas. Foi sempre um lugar diferente em cada um dos três dias. De manhã, temos sempre esta chegada às cidades.

Imagino a sensação de chegar a Lisboa num cruzeiro, numa entrada fulgurante ali pela [ponte] 25 de Abril, pelo rio Tejo... Deve ser uma coisa magnífica! Eu lembro-me muito bem da saída de Miami. Estávamos a sair e a ver aqueles barcalhões no porto, aquelas mansões enormes no meio das ilhas. Na altura, pensei como é que será fazer um cruzeiro mais longo, com mais dias e a visitar mais espaços?

Eu fiquei com vontade de conhecer mais cidades aqui nesta zona, a região de Saint Martin e outras pequenas colónias que tiveram influências diferentes. Nós estivemos numa colónia de influência inglesa mas apetecia-me muito, futuramente, descobrir as colónias de influência holandesa, as de influência francesa... Cada uma deve ter as suas peculiaridades e o seu lado mais engraçado. Fiquei com muita curiosidade...

Numa viagem como a que fez, acaba por ir muito a cafés e restaurantes, dentro e fora do barco, mesmo até nos aeroportos. Quando come nesses espaços, faz sempre uma avaliação às coisas que ingere? Consegue abstrair-se dessa análise ou não?

Eu acho que é difícil, a nós chefs, abstrair-mo-nos. É a nossa profissão! Temos sempre um lado, não de crítica, não de julgamento... É mais análise interior. A coisa que me deixou mais estupefacto no cruzeiro foi a logística de servir 5.000 pessoas no espaço de três horas. Esse fator leva-me a ser muito menos crítico e muito menos analítico. Leva-me mais a ter uma atitude de questionar como é que eles conseguem fazer essa gestão.

Jani Gabriel em entrevista. "Não me importo nada de voltar aos sítios onde já fui feliz"
Jani Gabriel em entrevista. "Não me importo nada de voltar aos sítios onde já fui feliz"
Ver artigo

Eu tive a possibilidade de visitar a cozinha do navio e de perceber a organização e de analisar como é que eles fazem as coisas. E fiquei estupefacto com vários pontos! Primeiro, o que eles fazem é um trabalho de forecast, um trabalho de previsão antecipado. Eles analisam previamente o tipo de cliente que vão ter. Se têm um cliente americano, sabem que este há de pedir determinadas entradas. Se têm um cliente brasileiro, sabem que ele há de pedir outras... Eles, através da faixa etária e da nacionalidade dos clientes, conseguem antecipar aquilo que têm que produzir em maior escala.

Depois, há uma coisa muito engraçada. Como é que eles fazem isso com um serviço à carta? Nós pedimos uma entrada, um prato e uma sobremesa e, mesmo com uma previsão muito pormenorizada e com uma capacidade de antecipação muito grande, há sempre uma margem de riscos nestas coisas. As cozinhas estão organizadas quase como se fossem um retângulo, quase que cada secção é um prato.

Cada um dos funcionários da cozinha faz um único prato e cada um dos empregados de mesa vai, depois, passando com o carrinho e vai tirando os pratos do grupo ao qual está adstrito. E isso é uma coisa impressionante, que nós tivemos oportunidade de ver. Quando nós, uma mesa grande com 10 pessoas, fazemos o pedido chegam os 10 pratos à mesa ao mesmo tempo, com os pontos de cozedura fantásticos.

Eles têm a capacidade de, num serviço de 5.000 pessoas, ter ainda a hipótese de responder aos pedidos das pessoas que querem um bife bem, médio ou mal passado. Às vezes, num restaurante de 20 lugares, falhamos em coisas dessas e ali era uma coisa impressionante. É, literalmente, de se lhes tirar o chapéu. Outra coisa que é engraçada é a qualidade dos ingredientes que utilizam, que é francamente boa!

Destaco ainda a quantidade das coisas que fazem localmente. Nós podemos pensar que, por exemplo, numa embarcação destas, a pastelaria é toda congelada. Muito pelo contrário! Eles têm uma padaria aqui dentro do navio, que é onde produzem o pão diariamente e várias vezes ao dia. É altamente louvável o trabalho gastronómico que é feito nesses espaços. Para mim, foi uma aprendizagem muito grande...

Ainda por cima, habitualmente, há toda uma série de influências que se mescla. Há pratos típicos da cozinha italiana, há gastronomia mexicana e malaia, influências francesas e asiáticas…

Todas! Isso é outra coisa engraçada e a da mão de obra também. Havia lá muitos filipinos, muitos indianos e muitos mexicanos a trabalhar... Com toda a confusão que deve reinar numa dessas cozinhas, como é que eles conseguem orientar tão bem estas pessoas e fazer um trabalho tão único? Para mim, esses espaços são uma verdadeira escola. Até gostava passar duas ou três semanas num cruzeiro, não na parte de diversão, como foi o caso agora, mas na da cozinha.

Gostava de o fazer para perceber como é que eles se organizam e como é que criam modelos de cumprimento tão objetivos que, depois, conseguem padronizar. Até mesmo nas bebidas... Nós pedimos uma piña colada num bar numa ponta do navio, vamos ao da outra ponta e é feito exatamente da mesma maneira, com o mesmo rigor, com a mesma ficha técnica. Acho que isso é um trabalho muito louvável!

O Jamie Oliver tem um restaurante no navio onde viajou, o Mariner of the Seas da Royal Caribbean. Também gostava de ter um espaço seu numa embarcação como esta?

Eu acho que sim! Será possivelmente um sonho idílico e utópico o de ter um restaurante num barco como aquele mas é sinónimo do potencial que um chef tem. Do potencial da marca de um chefe! Eu acho que o Jaime Oliveira [graceja com o nome do chef britânico de 43 anos com vários programas na televisão] tem vindo a fazer um trabalho incrível.

É, sem dúvida, o melhor comunicador que alguma vez vi na televisão mundial e isso é de honrar. Mesmo num país como a Inglaterra, sem cultura gastronómica, ele conseguiu ir buscar a Itália a simplicidade da gastronomia italiana com o pai da cozinha dele, o Genaro Contaldo.

E, depois, difundiu a gastronomia italiana pelo mundo inteiro. Tem uma marca muito forte. Faz uma comida muito bem feita. Nós já temos um restaurante dele em Lisboa. Há vários em Inglaterra... Já são muitos pelo mundo, até a navegar pelos oceanos e os mares do planeta. Esta empresa do Jamie Oliver é mesmo de se lhe tirar o chapéu...

Um restaurante num navio seria, então, uma ambição maior. Mas não será certamente a única. Qual é a sua ambição maior?

Acho que a minha ambição maior é continuar a fazer um trabalho giro com a gastronomia em Lisboa e a ter muito orgulho naquilo que faço. Dentro de três meses, irei abrir um espaço novo, que não será em nada parecido com nenhum dos anteriores. E acho que é esta vontade de querer sempre inovar, de querer trazer o mundo a Portugal...

Não é por o [restaurante] O Talho estar a correr bem que vou abrir mais um O Talho, não é porque a A Cevicheria está a correr bem que vou abrir outra... É a vontade de fazer coisas diferentes e de não ter medo de falhar, que eu acho que é muito importante. Quando temos medo de falhar, ficamos muito mais presos, com muito mais ansiedade...

Ficamos com muito mais noção de querer fazer coisas mais básicas... Acho que é isso que me dá gozo na vida, é fazer coisas bem feitas. Se um dia terei um restaurante num navio de cruzeiro, não sei... Não digo que não mas acho que é um sonho utópico...

E, em relação a esse novo espaço, o que é que já se pode saber?

Pode saber-se que será no largo da praça Luís de Camões [no Chiado em Lisboa] e que terá coisas a ver com a minha infância...

Uma das convidadas da viagem a Miami e às Bahamas foi a fadista Cuca Roseta. O chef José Avillez já lhe escreveu uma letra para um fado. Era capaz de se aventurar por aí também?

Ui, ui, ui... Eu não tenho jeito nenhum para a escrita. A escritora lá em casa é a minha mulher, a Maria [Bravo]! Eu já conheço a Cuca há não sei quantos anos... Já tínhamos feito algumas peregrinações a pé a Fátima juntos. Eu conheço-a desde os 14 anos...

Gosto muito da garra que dela tem a cantar e acho que representa esta nova geração do fado de uma forma muito bonita. Agora, eu ter capacidade para escrever uma letra? Não... Talvez a Maria! E, se o fizesse, escrevê-la-ia muito bem, mesmo.

Diz que correr é uma das melhores formas de ver uma cidade…

Sim, ainda na manhã do último dia do cruzeiro tentei convencer o Pedro [Fernandes, apresentador de televisão, radialista, guionista e humorista, que também integrava a comitiva da RFM Royal Caribbean Selfie Trip] a vir, mas ele não quis... Eu saí do barco às 08h10 e corri 10 quilómetros em Nassau.

Consegui ver uma boa parte da cidade durante a corrida. Foi apenas uma hora e pouco mas consegue-se ter, desta forma, pelo menos uma perspetiva da cidade. Eu lembro-me que, quando fiz o meu outro cruzeiro no norte da Europa, fiz uma corrida de cerca de 30 quilómetros em São Petersburgo, durante a qual passei por uma boa parte da cidade.

E corre todos os dias?

Tento correr cerca de quatro vezes por semana. O corpo pede-me!

E, além do novo restaurante, há mais novidades em perspetiva?

Por enquanto, é só o novo restaurante, que deve abrir por alturas do verão. Isto se tudo correr bem...