Aos 54 anos, Carlos Gil é um dos grandes nomes do mundo da moda nacional, cuja elegância das suas criações conquistou inúmeras figuras portuguesas, destacando-se nomes como Daniela Ruah, Sílvia Alberto, Fernanda Serrano, Raquel Strada e Mariana Machado. Apesar de uma carreira recheada de sucessos e conquistas, o designer sempre optou pela discrição mantendo o seu atelier no Fundão onde, desde a década de 1990, trabalha lado a lado com a sua cara-metade. Em 2023, data em que assinala 25 anos de carreira, o estilista recordou alguns dos momentos mais marcantes e desafiantes do seu percurso profissional em entrevista.
Sempre referiu que a moda é a sua grande paixão. É isso que o tem movido e lhe tem dado força ao longo destes 25 anos de carreira?
Sem dúvida. A moda é a minha paixão. Tenho o privilégio de fazer o que gosto e assim tudo se torna mais simples. Todos os momentos de esforço, de contrariedades, de dificuldades, de desilusões, de alegrias e de orgulho que aconteceram ao longo do meu percurso serviram-me como aprendizagem. Sem todo este caminho, não teria a capacidade de dedicação, resiliência e foco necessários para atingir os meus objetivos, que ao longo destes 25 anos conquistei.
De que forma o facto de ter de crescido rodeado mulheres e de glamour influenciou a sua trajetória e futuro profissional?
Rodeado de mulheres qualquer homem se sente bem! [Risos] Moçambique era um país que queria ser moderno, com a necessidade de se mostrar livre e grandioso. Essas manifestações refletiam-se nas festas e o luxo transparecia de uma forma natural. Desde muito pequeno, enquanto vivíamos em Moçambique, via a minha mãe comprar os vestidos para as festas na África do Sul. Claro que crescer nesse ambiente livre, festivo e de glamour, facilitou o meu percurso, influenciando decisivamente a minha carreira no mundo da moda. Crescer numa família matriarcal foi uma oportunidade única, que me permitiu dar o verdadeiro valor à mulher.
Após terminar a sua formação na Escola de Moda do Porto, na década de 1990, trabalhou como professor de design de moda e professor de Educação Visual. O que mais recorda desta época?
Foi um início de carreira que exigiu de mim, uma grande afirmação pessoal. Um caminho que recordo com saudade. Sempre valorizei o conhecimento e, ao longo destes anos de carreira, senti a necessidade de fazer várias formações em styling, hair styling e makeup. Tentei sempre estar em evolução, aproveitando o meu tempo livre para estudar, sendo que mais tarde tirei a Licenciatura em Designer de Moda e o Mestrado em Design de Moda e Têxtil.
Crescer numa família matriarcal foi uma oportunidade única, que me permitiu dar o verdadeiro valor à mulher
Em 1998, a convite e por insistência da sua futura mulher Carla Neto, abriu o seu atelier e anos mais tarde sua marca, Carlos Gil. Sente que lhe deve parte da sua carreira?
Claro, sempre foi um objetivo a dois. Somos uma equipa perfeita.
O seu atelier está localizado no Fundão. O que é o levou a querer estabelecer-se nesta localidade do interior ao invés das grandes cidades?
O Fundão foi a terra que me acolheu após a fase conturbada de regresso de África. Ao longo do meu percurso, foram vários os convites internacionais e, alguns, bastante aliciantes. Contudo, a teimosia e resiliência de não querer ir para os grandes centros, mas sim, de desfrutar do que o interior do país me dá, foi sempre a minha opção de vida. Com a minha profissão viajo muito para o estrangeiro, passando uma grande parte do tempo em Lisboa. Não sinto necessidade de viver numa grande cidade. Viver no Fundão foi e, continua a ser, uma escolha consciente que me amadureceu muito como pessoa. Hoje, posso dizer que esta decisão foi a correta, pois é onde me sinto feliz.
A qualidade, o rigor e a exigência são três características indissociáveis do seu trabalho. Considera-se um perfecionista naquilo que faz?
Sim, considero que sou uma pessoa exigente e de desafios pois o mundo da moda exige que estejamos sempre em constante evolução. Quando termino uma coleção, quero começar de novo, pois sinto sempre que poderia fazer mais e melhor. Sou um eterno insatisfeito.
Não sinto necessidade de viver numa grande cidade. Viver no Fundão foi e, continua a ser, uma escolha consciente que me amadureceu muito como pessoa
A sua carreira sempre foi pautada pela discrição. Acha que isso, a par do seu talento e dedicação, é um dos segredos do seu sucesso?
Sem dúvida. Gosto de ser uma pessoa discreta. Tenho a consciência que sei quais os momentos certos para aparecer e ter visibilidade. Continuo a ouvir a opinião dos outros, mas confio no meu instinto, nos meus valores e nos da marca Carlos Gil. Sou fiel aos meus princípios e às minhas clientes. Valorizo a minha intimidade com a família e os amigos.
Elegância e sofisticação são duas palavras que melhor podem definir as suas coleções. Isto é algo que já nasce connosco?
A elegância e a sofisticação são a chave do meu conceito, que sempre determinei que fosse o ponto forte das minhas coleções, pois é assim que gosto de ver a mulher que visto. Faço-o hoje, como sempre, criando uma identidade de marca única, oferecendo-o nas minhas criações e às minhas clientes que conquistei ao longo da carreira.
Em 2014 estreou-se naquele que é um dos certames de moda mais importantes a nível nacional, a ModaLisboa. Que balanço faz destes quase 10 anos nesta plataforma?
Um balanço muito positivo. Crescemos todos juntos com o foco de melhorar.
Em 2015 dá o primeiro passo na internacionalização da sua carreira apresentando-se na Semana da Moda de Milão e nunca mais parou. Este sempre foi um objetivo profissional?
Foi um desafio da minha vida profissional que encarei com muita vontade, mas com receio, porque todos os desafios requerem esforço, mudança e muito trabalho. Foi, sem dúvida, um objetivo profissional realizado e de reconhecimento do meu trabalho, evolução e crescimento da marca.
A sua clientela é composta por mulheres de diferentes estilos, idades e áreas da sociedade. Como descreve o estilo da mulher portuguesa?
Com 25 anos de carreira, concretizei o objetivo de trabalhar para as três gerações: avó, mãe e filha. São três gerações distintas, mas unidas, na elegância, conforto e sofisticação. A mulher portuguesa é uma mulher que não descura a sua imagem
Considera que a roupa é uma das melhores formas que nós temos de nos apresentar ao mundo?
A nossa primeira impressão é fundamental, é a que define a forma como comunicamos. Claro que a imagem é muito mais do que a roupa que vestimos, mas é ela que descodifica a personalidade e a identidade de cada um, por isso, é um fator decisivo para passarmos a mensagem que pretendemos.
Com 25 anos de carreira, concretizei o objetivo de trabalhar para as três gerações: avó, mãe e filha. São três gerações distintas, mas unidas, na elegância, conforto e sofisticação
Que figura é que gostava de poder vestir um dia?
Tem outro sabor “ser escolhido” do que ser eu a “escolher”.
Em 2023, completa 25 anos de carreira. Quais considera serem os momentos mais marcantes da sua trajetória?
Os momentos mais gratificantes da minha carreira aconteceram com a minha internacionalização, nos desfiles em Milão, Polónia e Dubai. Ao longo destes anos, muitos foram aqueles que me acompanharam, valorizaram e enalteceram o meu trabalho. A distinção como jovem de Mérito da minha cidade [em 2009], a distinção do Sr. Presidente da República [Aníbal Cavaco Silva] como jovem empreendedor [em 2009] e a mais alta distinção do Sr. Presidente da República, como comendador da ordem Infante D. Henrique [em 2015], foram os maiores marcos da minha carreira. A mais recente conquista foi ter sido selecionado como Designer de Moda na Expo Dubai 2020, representando Portugal. É sempre gratificante reconhecerem o nosso trabalho e o nosso esforço.
Ainda sente que tem muito para aprender nesta profissão?
Sinto sempre uma enorme necessidade em aprender, aprofundar os meus conhecimentos, do mundo e, especialmente, da moda. Nesta área temos de estar sempre em constante evolução. O mundo está a mudar e todos nós temos de nos manter atualizados. Esta nova experiência como professor [na Universidade Lusófona] na área da moda está a dar-me uma nova perspetiva e uma satisfação enorme em poder ensinar e aprender com os meus alunos, os futuros designers de moda.
Posso dizer que realizei sonhos que nunca pensei alcançar. A forma como geri o tempo e os meus sonhos é que me fez chegar até aqui
O que é que lhe falta fazer?
A vida é magia, luto diariamente para que algo aconteça, procuro desafios e é com eles que cresço. Nunca tracei metas específicas para a minha vida, orientei a minha carreira sempre com profissionalismo, muito trabalho, honestidade e humildade. Posso dizer que realizei sonhos que nunca pensei alcançar. A forma como geri o tempo e os meus sonhos é que me fez chegar até aqui.
Que legado gostava de deixar no mundo da moda?
Em termos de legado gostaria de mostrar que, trabalhando no interior do país, se consegue ter visibilidade no mundo da moda. Em 1998, esta decisão foi um risco.
Clique na galeria e reveja o último desfile de Carlos Gil na 60ª edição da ModaLisboa.
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