Querer mudar o outro implica que essa transformação seja imposta, e não decidida pelo próprio, o que por si só não constitui uma verdadeira mudança, mas sim uma obrigação, que pode causar uma postura defensiva e sentimentos de insuficiência, impotência e desvalorização. Mesmo alegando que é para o bem do outro, o “feitiço pode virar-se contra o feiticeiro”, a defesa afasta o casal, desenvolvendo-se uma grande frustração e zanga mútuas.
Ao invés de querer mudar o outro, podemos adotar uma postura de expressão de necessidades próprias e não de crítica, e simultaneamente sugerir alternativas comuns, ajustando a nossa contribuição a favor do que o outro possa alcançar, numa proposta de caminho conjunta e em parceria.
Quando devemos ceder à tentativa de o outro nos querer mudar?
Podemos ceder na medida em que essa cedência não viole a nossa própria identidade, individualidade e diferenciação, que nos caracteriza e que inclusive talvez tenha feito o outro apaixonar-se por nós! Podemos ceder quando a mudança é realmente querida por nós, num exercício de compreensão, respeito e aceitação, que seja benéfico para o próprio, para o outro e para a relação, num compromisso genuíno e ajustado nesta tríade: eu, tu e nós.
A cedência faz todo o sentido quando nela se encontra a busca por um crescimento e desenvolvimento pessoal e relacional e não apenas quando nos sentimos insuficientes, criticados e queremos agradar o outro. Para haver cedência e mudança, precisamos primeiro sentir-nos aceites tal como somos, para depois procurarmos como poderemos então progredir e melhorar cada vez mais. Neste momento, estamos então preparados, não tanto para ceder, mas sim para passar à comunicação, negociação e ajustamento de comportamentos, sentimentos e expectativas na relação.
Quais as possíveis consequências de querer mudar o outro?
Quando alguém tenta mudar o próximo, corre o risco de estar a provocar uma forte agressão à sua autoestima. A pessoa até então construía a sua identidade e valor com base nos seus traços de personalidade específicos, valores e crenças e uma crítica a estas poderá abalar a sua segurança e referências, criando uma sensação de desvalorização, incompetência, fracasso e insuficiência. Este enfraquecimento da autoestima gera frequentemente um afastamento defensivo do outro ou até um contra-ataque que alimenta a nova crítica, num ciclo vicioso que vai desvigorando o casal e em especial o criticado. A crítica pode gerar culpa, vergonha e profunda tristeza, que minam a forma como a pessoa passa a ver-se a si própria e ao mundo que a rodeia, e fragiliza ainda mais a sua vontade de querer crescer e estar em relação.
Com o passar do tempo sobre a relação, as diferenças individuais vão naturalmente emergindo e a etapa da idealização pode passar à desilusão. A relação sofre, acabando por se enredar nas expectativas frustradas sobre o outro e o próprio, a autoestima diminui, as exigências e reclamações aumentam e a relação pode entrar em rutura.
Não será no fundo que vemos o outro como um espelho? Por vezes os detalhes que queremos transformar e que nos incomodam no nosso parceiro são questões também nossas que podem estar reprimidas ou não resolvidas.
Inicialmente há uma atração pelas diferenças do outro que parecem colmatar as nossas faltas. Contudo, podemos começar a sentir que essas diferenças são demasiado grandes, ao ponto de evidenciar as nossas próprias falhas, que acabam por se refletir na relação de casal, para evitar a critica a nós mesmos.
Neste sentido, será mais importante utilizar a energia despendida em mudar o outro, para nos observarmos mais e assim conectarmos com as nossas necessidades mais íntimas e aparentemente ocultas. Após esta descoberta e aceitação do self, pode-se então passar à comunicação genuína e respeitosa com o parceiro, de forma a expressar as nossas emoções e necessidades, sem crítica, com valorização e acima de tudo, com amor!
Vanessa Damásio
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Conjugal e Familiar
Psinove – Inovamos a Psicologia
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