No campo das rotinas, dos afetos, mas também da sexualidade, depois do nascimento do bebé, tudo muda. 

 

Por exemplo, embora seis semanas após o parto a mulher já esteja anatomicamente apta para retomar a vida sexual, é comum não o desejar.

 

«O interesse sexual é claramente mais baixo nos primeiros quatro meses após o parto do que na gravidez», revela Francisco Allen Gomes, psiquiatra. O especialista na área da sexologia revela que, de acordo com um estudo, «um mês após o parto apenas 17 por cento das mulheres estão sexualmente ativas, contra 89 por cento aos quatro meses e 92 por cento aos 12 meses».

 

O parto implica uma série de alterações físicas, hormonais e emocionais que inteferem no desejo sexual feminino, mas «nada que, com o tempo, não se resolva», refere a ginecologista Maria do Céu Santo.

 

O que afeta o desejo


O novo ritmo de vida do casal, fatores anatómicos e biológicos e mudanças na autoimagem podem condicionar a relação

 

1. Dor


Pode ocorrer dispareunia (dor durante a relação sexual) «resultante da episiotomia (o corte vaginal que evita rasgaduras no parto natural) ou de rasgaduras vaginais acidentais. Cerca de 40 por cento das mulheres apresentam queixas que, em cerca de metade dos casos, se mantêm durante três meses», refere Francisco Allen Gomes. «A mulher, ao sentir dor durante as relações sexuais, retrai-se e começa a espaçá-las. Contudo, quanto menos relações sexuais o casal tiver menos  vontade existirá e mais tempo se prolongará o desconforto», diz Maria do Céu Santo.

 

2. Oscilações hormonais


«Fadiga e alterações de humor no pós-parto podem contribuir para a falta de interesse sexual», indica Francisco Allen Gomes. «Muitas mulheres sofrem uma ligeira depressão, denominado baby blues, mas também porque as atenções são transferidas da mulher para o bebé», conta Maria do Céu Santo.

 

3. Amamentação


 «Há evidências de que as mulheres que amamentam têm menos interesse sexual e são sexualmente menos ativas quando comparadas com mulheres que não amamentam. Isto porque há uma supressão da atividade ovárica com diminuição do estrogénio (causando maior dificuldade na lubrificação vaginal) e aumento da prolactina – a hormona do leite – que resulta na diminuição da libido. Esta diferença esbate-se no final do 
pós-parto, altura em que apenas dez por cento das mulheres continuam a ser afetadas», revela Francisco Allen Gomes.

 

4. Disponibilidade


 «O tempo que o casal estava habituado a ter a sós acaba. Na hora H o bebé começa a chorar e é preciso parar. Isso altera, inevitavelmente, o ritmo da sexualidade», refere Maria do Céu Santo.

5. Afetos


 «No pós-parto a mulher está dividida entre dois tipos de afetos. Tem de ser mãe e mulher, cuidadora atenta e parceira sexual. Na cama, está dividida entre o branco, à direita (tudo o que tem que ver com o filho), e o vermelho, à esquerda (o que tem a ver com o marido, sobretudo no que diz respeito ao sexo). A sua mama é a representação objetiva desta divisão. De símbolo erótico para o marido, transforma-se em objeto de alimentação para o bebé», diz o psiquiatra.

 

6. Autoimagem


 «Nesta fase de transição, a maioria das mulheres sente-se mal com o seu corpo, está insegura e acaba por, inconscientemente, afastar o parceiro que, geralmente, não atribui assim tanta importância às mudanças físicas», conta a ginecologista.



Como revitalizar a sexualidade


Aceite que a vida vai mudar, seja paciente e não tenha medo. «Se o sexo era bom antes do bebé nascer, será bom depois», assegura Maria do Céu Santo, que recomenda:

 

- Repouso

A fadiga pode ser um dos grandes entraves à disponibilidade do casal. «O bebé não se desliga à noite, pelo que deve tentar coordenar o seu sono com o dele», aconselha a especialista.

 

- Humor

 

«A mama é um símbolo sexual que depois se transforma também em biberão. Muitos homens sentem-se relutantes em aproximarem-se do peito da mulher durante as relações sexuais, pela eventualidade da saída de leite. Se acontecer, encare a situação com humor e sem constrangimentos. É normal!», indica.

 

- Afeto

 

Sexo não é sinónimo de penetração. Se um mês após o parto já se sente preparada para retomar a vida sexual, mas ainda sente dor ou desconforto, explore outras opções. «Esta é uma fase em que o casal deve ser criativo e desenvolver a sexualidade de outras formas que deem prazer a ambos. Essencial é não deixar de haver carinho e afeto», refere Maria do Céu Santo.

 

- Partilha

 

«É importante que o casal perceba que quando estão com o bebé são sempre pai e mãe e que é natural que, no início, haja uma transferência afetiva para o bebé, mas é expectável que a mulher se liberte aos poucos da função de mãe. Deixarem a criança com os avós e saírem para namorarem é fundamental», afirma a ginecologista.

 

- Autoestima

 

«O casal é composto por três elementos: Eu, tu e nós. A mãe não deve esquecer-se de si, senão o parceiro vai também esquecer-se da mulher por quem se apaixonou», aconselha Maria do Céu Santo. Passar o dia de roupão está fora de questão, «afinal a ideia é manter a sedução em aberto. É fundamental que se sinta bem com a sua imagem. Arranje-se logo pela manhã e faça por se sentir sensual».

Verdade ou mentira?

 

Após o parto a mulher tem mais dificuldade em atingir o orgasmo?

 

«Após o parto, o desejo está diminuído, o que pode impedir que a relação sexual aconteça, mas se a mulher tiver disponibilidade física e mental, terá a mesma facilidade em sentir prazer e chegar ao orgasmo», elucida Maria do Céu Santo.

 

A recuperação do parto natural é mais demorada do que a de uma cesariana?


«Há queixas relativas à cicatriz vaginal ao longo das primeiras semanas. No caso da cesariana, a cicatriz é na barriga e obriga a um tempo de repouso pós-cirúrgico. em nenhum dos casos se justifica a cessação de atividade sexual para além das seis semanas», diz.

 

Se o homem assistir ao parto pode ficar traumatizado?

 

«É uma questão polémica, mas a minha experiência diz-me que assistir ao parto de frente pode criar um afastamento sexual. Aquilo que o homem via como um símbolo sexual, de repente, adquire outra função. O parceiro deve optar por se posicionar ao lado ou atrás da mulher», refere a especialista.


O que eles devem saber


Partilhe com o seu companheiro as orientações do psiquiatra Francisco Allen Gomes:

 

«A mulher precisa de muito apoio, desde cuidados médicos até à presença da família e, sobretudo, à participação de um marido afetivo, atento e que, a nível sexual, saiba esperar sem pressões desnecessárias. Ele tem de se adaptar à presença de alguém – o bebé – que vai tornar a mulher mais indisponível física e emocionalmente e tem também de perceber que ela sofreu mudanças físicas que podem deixá-la mais insegura. É importante que ele tome consciência de que todas estas diferenças aconteceram porque ambos decidiram abraçar um projeto comum», explica o especialista.

 

Texto: Nelma Viana com Francisco Allen Gomes (psiquiatra) e Maria do Céu Santo (ginecologista e obstetra)