Se me está a ler, num qualquer dispositivo que lhe permite ter acesso a conteúdos digitais, isso quer dizer também que tem acesso a uma quantidade enorme de informação, alguma mais fidedigna que outra. A negação daquilo que a ciência tem firmado, ao longo de séculos de evolução, é um perigo. E causa muito sofrimento mantermo-nos fiéis aos cânones do preconceito e impermeáveis à evolução do conhecimento. A homossexualidade ainda é vivida com vergonha e até zanga por muitas famílias. E é disso que hoje venho falar.

Até meados do século XII, a homossexualidade foi tratada com alguma indiferença e mesmo tolerância. É a partir dessa altura que a hostilidade em relação aos homossexuais começa a crescer, tendo como base a classificação da homossexualidade (e de outros comportamentos sexuais não reprodutivos) como “anti-naturais”. Essa hostilidade tem-se mantido até aos tempos atuais e condiciona a aceitação das pessoas homossexuais, quer nos contextos socias mais alargados ou nos mais restritos, como a própria família.

Também a medicina, e a psiquiatria em particular, tiveram um papel importante na manutenção do preconceito. A homossexualidade foi considerada uma perturbação até 1986, ainda que nos anos 70 do século passado tenham sido introduzidas algumas alterações na definição da perturbação que apontavam para alguma abertura por parte da comunidade científica, com figuras proeminentes da área psicológica a assumirem-se contra a formulação da homossexualidade como perversão ou doença.

Muitos pais, ao serem confrontados com a homossexualidade dos seus filhos, questionam-se acerca das causas, escrutinando a sua responsabilidade ou a de fatores externos. O que a ciência tem a dizer-nos sobre isto é que não está determinada exatamente a medida da influência genética e da ambiental. Sabe-se que cada uma delas poderá ter uma influência na construção da orientação sexual da pessoa, mas não se sabe ao certo qual a medida exata em que cada uma atua. É por isso que a orientação sexual da pessoa não é uma escolha volátil, mas sim o exercício da construção da sua identidade, através de todo o seu património genético e experiencial. Não é uma patologia nem é tratável.

O sofrimento que pode decorrer da vergonha, isolamento ou discriminação sentidos pela pessoa homossexual é a verdadeira preocupação dos profissionais de saúde mental. Muitas vezes, as famílias ficam devastadas pela consciência de todo este sofrimento. Numa fase inicial, podem até recusar a aceitação de tal situação, numa tentativa de proteger o seu filho/a de todo este sofrimento que antecipam. As famílias também precisam de algum tempo para gerir (e digerir) toda a mudança que a revelação da homossexualidade acarreta. É necessária flexibilidade para ajustar expectativas, é necessária resiliência para encarar o desafio e é necessário o devido amor para aceitar o filho/a, adolescente ou adulto, como ele/a se manifesta aos outros. É necessário tempo para que a família evolua numa sucessão de tarefas que permitirão a vivência natural e integrada da homossexualidade. A expressão de afeto em público por parte dos filhos, com pessoas do mesmo sexo, acaba por ser um último reduto que muitos pais têm dificuldade em aceitar.

Pedir ajuda pode facilitar muito o processo. A Amplos – Associação de Mães e Pais pela liberdade de orientação sexual e identidade de género - promove partilha entre pais a passar (ou que já passaram) por este processo. A vergonha pode bloquear o processo de adaptação. Através da experiência de outros, ou em contexto individual, não hesite em procurar respostas. Pela sua saúde e pela saúde dos nossos filhos.

Catarina Janeiro - Psicóloga Clínica

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