Parte do que somos funda-se nas vivências passadas e na educação. E, provavelmente, a maioria dos pais de hoje não teve com os seus pais conversas francas sobre sexualidade, o que torna difícil que as consigam ter com os próprios filhos. "Por razões históricas, políticas, económicas, culturais e religiosas, foi durante muito tempo um assunto silenciado ou deixado de lado", lembra Rita Castanheira Alves. "Somos adultos, é certo, com um caminho construído e vivido dentro da própria sexualidade", refere a psicóloga.
"Mas somos também peões de influência educativa, cultural e, também nalguns casos, religiosa. Todas estas influências contribuem para abordagens diversas da sexualidade, da própria, dos outros e da dos filhos", sublinha ainda. Na adolescência, defende a sexóloga Vânia Beliz, a dificuldade dos pais na abordagem a este assunto vem também "do medo que muitas famílias têm de que falar sobre sexualidade precipite a descoberta da intimidade", considera. "Mas toda a investigação é contrária a esta crença", explica.
"Falar sobre sexualidade protege e capacita para melhores tomadas de decisão", assegura a especialista, autora do livro "Chamar as coisas pelos nomes - Como e quando falar sobre sexualidade", publicado pela Arena Editora, uma das obras a que pode recorrer. Sexo ou sexualidade? Sexualidade é, segundo os entendidos, a palavra a usar e a valorizar, porque o primeiro dos enganos que esta herança transporta é a consideração que sexualidade é apenas um sinónimo de sexo, apesar do conceito ser mais vasto.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define-a como um aspeto central da vida humana que "inclui o sexo, género, identidades e papéis, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução (...) e é experienciada e expressa através de pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas e papéis". A sexualidade não é só o sexo e, por essa razão, a conversa com os filhos deve começar cedo e não se deve resumir apenas a esse aspeto, como muitas vezes sucede.
Muitos pais continuam a recear ou a adiar as conversas sobre sexualidade. E isso, na verdade, é sintomático de que alguma coisa já não vai bem. Como em todos os outros assuntos do dia a dia, as conversas devem ir surgindo desde cedo, com naturalidade e à medida de surgem tanto as dúvidas como as oportunidades. "Não é preciso convocar uma reunião familiar, vestir-se a preceito, ensaiar o discurso e replicar tudo o que leu sobre como falar de sexualidade com adolescentes", defende Rita Castanheira Alves.
"Não é um tema que se encerre numa conversa de uma hora ou em meia hora, como se de um módulo de um curso se tratasse", refere ainda. "O tema deve ser abordado ao longo do crescimento dos filhos, já que as crianças vão aprendendo com tudo o que observam, até através dos papéis que os pais têm nos cuidados que prestam", sublinha Vânia Beliz. A sexóloga defende que os tabus que existem são refletidos desde a infância. Muitos prendem-se, desde logo, com as expressões que são usadas pelos progenitores.
Muitos pais evitam usar os termos corretos para se referirem aos órgãos genitais, usando palavras inventadas, ao contrário do que acontece com as outras partes do corpo. De resto, na primeira infância, o tema é importante na prevenção do abuso, explica a sexóloga. "É importante que as crianças conheçam o seu corpo e que identifiquem as suas zonas íntimas como lugares que não devem ser tocados. Devem reconhecer emoções, conhecer toques bons e maus, assim como evitar os segredos maus", aconselha.
As diferenças entre eles e elas
Quando os filhos e as filhas são mais velhos, é importante que estas conversas promovam a igualdade de género. Noutros tempos, o assunto era abordado educando as raparigas para a abstinência, mencionando-lhe os perigos de uma gravidez indesejada. No caso dos rapazes, era para a necessidade proteção. Vânia Beliz defende que "não devemos fazer diferença na abordagem ao assunto entre rapazes e raparigas e a contraceção, riscos de uma gravidez e de uma infeção devem ser abordados sem medo".
"É normal que as meninas tenham determinados interesses como, por exemplo, conversar mais sobre a menstruação, mas ela também poderá fazer parte do universo dos rapazes. Por isso, não os devemos colocar de parte", considera. Da mesma forma, a sexóloga acredita que não há assuntos para serem falados só com o pai ou com a mãe. "Apesar disso, é natural que, durante a adolescência, muitos jovens deixem de querer falar destes temas com as famílias e que até tenham vergonha de o fazer", refere ainda.
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