«Penso no céu, no que andará ela a fazer lá em cima e se um dia nos voltaremos a encontrar. Será que nessa altura eu serei velhinha e ela ainda uma menina? Entretanto, recordo-a muitas vezes e no seu dia de anos ou no Natal faço sempre algo especial em sua homenagem. Na última vez, escrevi-lhe uma carta, a contar o que acontecia por aqui, como ia a escola e deitei-a na lareira para que, em fumo, pudesse subir até ela», revela Emma.
«Espero que a tenha recebido», confidenciou, meses depois, a menina de doze anos que perdeu a melhor amiga, vítima de uma doença rara. Inevitável e igualmente indesejável, o fim da vida é uma questão delicada e difícil de enfrentar. Falar sobre isso ou explicá-lo a uma criança é uma tarefa complicada para qualquer adulto. Mesmo as crianças mais pequenas estão expostas a esta realidade.
Seja através da televisão, onde os diretos não poupam nas palavras e até nas imagens, seja nas conversas dos adultos ou até nos momentos em que enfrentam a perda de alguém querido, acaba por ser, mais cedo ou mais tarde, uma realidade inevitável. O seu filho não será exceção. Por isso, com o apoio de especialistas, vamos ajudá-la a lidar da melhor forma com o mais sensível dos temas: o último capítulo da vida.
O mundo e eu
Observar o que a rodeia é a primeira grande escola de uma criança. É através do que vê que cria os alicerces do seu universo, desde ter a noção do que é uma cor ou um objecto à compreensão da amplitude de um sentimento ou de palavras como a felicidade. Segundo Jean Piaget, famoso psicólogo suíço, até aos 11 anos a criança tende a basear o seu conhecimento em factos concretos e experiências, sendo-lhe difícil compreender conceitos menos palpáveis.
Isso não é, contudo, motivo para julgar que a criança é demasiado pequena para perceber o que se passa ou pensar que ela não irá sofrer. Na opinião de Lídia Weber, psicóloga, «essas afirmações desconsideram-na». «É como se ela não tivesse sentimentos ou a necessidade de compreender o que se passa à sua volta. Mas como pode saber o que é a morte se nunca morreu e se os adultos à sua volta não sabem responder às suas perguntas?», questiona.
Evolução da perceção
A forma como a criança vive e entende a morte varia de idade para idade. Cada criança é única e desenvolve-se segundo ritmos distintos, no entanto, existem comportamentos característicos da fase em que se encontra. Estima-se que até aos três anos, ela consegue apenas aperceber-se da presença ou ausência de alguém, pelo que não vale a pena entrar em detalhes. Entre os quatro e os seis anos, a sua percepção baseia-se no concreto.
Daí que a criança pense que a pessoa vai regressar ou possa falar do assunto de forma despreocupada. Aos sete anos, a criança tende a sentir receio da morte. Afirmam os especialistas que é a partir desta idade que ela a entende como algo real e começa a interessar-se pelo que ocorre depois. Entre os nove e os onze anos, o conceito de vida e morte torna-se mais próximo daquele que têm os adultos. Aqui, a criança já percebe que apenas as pessoas, animais e plantas têm vida.
E começa a sentir empatia pelos sentimentos dos outros. A perceção destas noções evolui gradualmente com a idade, contudo, a fantasia pode sempre entrar na história, pelo que não devemos esperar comportamentos de adulto antes dos onze ou treze anos. Os mais pequenos têm dificuldade em centrar-se nos sentimentos, sendo normal lançarem uma pergunta sobre a morte e no minuto seguinte brincarem alegremente.
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Realidade virtual
Tal como nos desenhos animados ou jogos de computador, a vida, tal como a morte, é vista muitas vezes como algo flexível, reversível até. A própria noção de vida difere muito com a idade. Até aos seis anos, como seguramente já se apercebeu, é frequente a criança atribuir o estatuto de vivo a tudo o que se move, desde as nuvens, a um brinquedo a pilhas ou até um peluche, durante a brincadeira.
Assim, mesmo depois de já lhe ter sido dito que determinada pessoa não regressará, é frequente a criança insistir em perguntar quando é que esta estará de volta. Esclarecer todas as questões é vital para permitir à criança assimilar esta noção tão complexa. Como destaca Lídia Weber, é importante «explicar que ter várias vidas só é possível em desenhos infantis, jogos electrónicos, contos de fadas e sonhos».
A especialista brasileira defende ainda que deve ser explicado aos mais pequenos «que todas as pessoas, animais, plantas morrem e não voltam, mas deixam descendentes que dão continuidade ao processo chamado vida», sublinha. Muitos fatores podem influenciar a atitude dos mais pequenos face à morte. A idade, o grau de proximidade em relação à pessoa que faleceu, valores culturais ou religiosos.
O imperativo de exteriorizar a perda
A noção individual de cada um difere. Contudo, o modo como tratamos a criança nessas circunstâncias também é determinante, podendo ter um impacto na forma como se relaciona com a família ou como lidará, no futuro, com a sensação de perda. Paralelamente, as crianças aprendem a lidar com a tristeza seguindo o exemplo dos adultos, daí que guardar todas as emoções para si não seja a opção mais indicada.
Como realça a psicóloga, «esconder sentimentos pode levá-la a interpretar a morte como um acontecimento sem muita importância». Pode também acontecer, sobretudo até aos oito anos, que a criança tenha um sentimento de culpa pelo que aconteceu. Isto pode dever-se tanto às noções morais desta faixa etária, em que as más acções merecem castigo, como à falta de compreensão sobre o que aconteceu.
Seguir o ritual
A decisão de levar a criança a assistir ao ritual fúnebre depende essencialmente da sua maturidade e se manifesta vontade de o fazer. Antes de mais, deve explicar-se do que se trata, dizendo por exemplo no caso da missa que é uma homenagem à pessoa que morreu. Convém não esquecer que a atmosfera do local assim como as reações das outras pessoas podem impressionar a criança.
É muito provável que esta, consoante o seu nível de compreensão, não tenha comportamentos de adulto. Na opinião de Lídia Weber, «uma criança muito pequena, com menos de cinco anos pode ir à missa, pois é um ritual de passagem sobre o qual ela tem ainda pouca compreensão, mas sabe que a pessoa se está a ir embora e não vai voltar. Assistir ao enterro propriamente dito pode ser assustador», diz.
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Amigos insubstituíveis
Na infância, uma das perdas mais prováveis que a criança poderá sofrer é a morte de um animal de estimação. Considerado um amigo pedagógico que familiariza a criança com o ciclo da vida, a mascote tem um valor inestimável, devendo o seu desaparecimento ser tratado com tacto. «A perda de um animal de estimação é um facto muito relevante na vida de uma criança», refere.
«É importante não subestimar este sentimento. Os pais não devem esconder a morte do animal ou substituí-lo por outro sem ela saber, apenas para acabar com o sofrimento. A criança tem de ter um tempo de luto, pode até fazer um ritual como enterrá-lo num jardim, por exemplo», afirma Lídia Weber. Mais tarde, se a criança manifestar esse desejo, a aquisição de outro animal de estimação é algo positivo.
«Desde que se deixe claro que este é um novo amigo e que o anterior ocupará para sempre um lugar no seu coração», sublinha a especialista. Na hora de lidar com a morte, estar recetivo às dúvidas dos mais pequenos e manter a serenidade face à abordagem deste tema é a estratégia mais pedagógica a seguir. Como refere Lídia Weber, «não existe a melhor forma, nem o melhor momento».
As explicações inadiáveis
As explicações são inevitáveis. «O importante é estar-se preparado para esclarecer, caso a criança pergunte ou haja um caso de morte de um ente querido, evitando que fique com noções erradas a respeito de um acontecimento que faz tanto parte da vida quanto o nascimento», refere Lídia Weber. «Dependendo do contexto religioso em que a criança vive, pode-se dizer que a pessoa foi para o céu», diz.
«Outra explicação, aconselhada por especialistas, consiste em centrar-se em aspetos físicos, explicando que o coração deixou de bater, por exemplo», sugere a especialista. «Contar uma história leva a criança a identificar-se com as personagens e pode ajudá-la a compreender melhor a situação», sublinha a psicóloga. «Mas o mais importante é mesmo o diálogo», assegura.
E não se surpreenda se, por exemplo ao saber que a avó morreu, ela se mostrar preocupada com quem a irá buscar à escola a partir de agora pois, como explica Lídia Weber, «para a criança o que é concreto é a presença ou ausência dessa avó e o que fazia, não querendo isso significar que a criança seja insensível». Uma opinião que muitos especialistas, nacionais e internacionais, contestam.
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Conversa séria
Alguns erros a evitar quando o assunto é a morte:
1. Nunca subestime a criança com a desculpa de que ela não entende nada.
2. Procure não esconder a morte de parentes ou pessoas próximas, pois a criança notará a ausência dessa pessoa.
3. Quando lhe comunicar que alguém morreu, não esconda as suas emoções.
4. Evite recorrer a uma linguagem que confunda a criança, com frases como «ele viajou», por exemplo, pois pode levá-la a ter medo que alguém possa morrer quando viaja, dorme ou descansa.
5. Não oculte a causa da morte, pois a criança pode fantasiar ou mesmo sentir-se culpada pelo sucedido.
6. Responda a todas as perguntas que a criança fizer da melhor forma. Só assim é que esta pode juntar os factos e interpretar o que é a morte.
Texto: Manuela Vasconcelos com Lídia Weber (psicóloga)
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