Médica e pedagoga italiana, Maria Montessori, nascida em 1870, desenvolveu um método que cunha o nome da sua criadora. O método Montessori “assenta no princípio de que as crianças não só são capazes de aprender sozinhas como querem fazê-lo. Com a ajuda dos pais e/ou educadores, através deste método as crianças trabalham em grupo ou individualmente no sentido de descobrir e explorar o conhecimento do mundo, desenvolvendo assim o seu potencial máximo”. As palavras antecedentes vertem do livro de Beatriz Vasconcelos Freitas, portuense, nascida em 1992, empenhada em inspirar pais, educadores e famílias para um novo olhar sobre as crianças.
Um olhar que Beatriz Vasconcelos nos entrega no livro Método Montessori – Educar na Liberdade(edição Manuscrito), obra que nas suas 198 páginas convida o leitor a perceber o que é o método Montessori, como surgiu e de que forma se pode relacionar com os planos de desenvolvimento humano. Beatriz, fundadora e presidente da Sociedade Portuguesa de Educação Montessori, não destitui o seu livro da sua história pessoal e propósitos de vida, como nos diz na introdução à obra: “Nessa procura de conexão com os meus bebés – sou mãe de dois meninos e, enquanto escrevo estas palavras, encontro-me grávida do terceiro - , encontrei no método Montessori a resposta para uma educação mais respeitadora da criança, que ajuda a promover a sua autonomia, respeito, individualidade e responsabilidade”.
À conversa com a mulher que se diz “fascinada pelas maravilhas do Universo, pela música e pela escrita", procuramos perceber como o método que preconiza se aplica às várias fases da vida, desde a preconceção ao envelhecimento. Uma troca de palavras que não esquece, o papel maior da liberdade, as escolas Montessori, o ambiente doméstico, o papel fundamental do adulto, entre outros temas.
Julgo que será interessante conhecermos o método Montessori. Quer explicar-nos sucintamente?
Montessori muito mais do que um modelo pedagógico é uma filosofia de vida. Criado pela Dra. Maria Montessori, foi inicialmente aplicado para a formação formativa das crianças pequenas. Maria Montessori sentiu que a escola não estava a responder às verdadeiras necessidades das crianças pequenas e, por isso, criou o seu método científico em observações que realizou na sua primeira escola “Casa dei Bambini” – a casa das crianças. Atualmente, o método Montessori é aplicado desde a primeira infância até ao envelhecimento.
De que forma é encarada a criança no método Montessori?
A criança, ao contrário do método tradicional, é colocada no centro da sua própria educação. A criança tem uma curiosidade inata de aprender e de questionar o que vê, o que sente e o que toca. É por isso, importante dar ferramentas apropriadas para que a criança aprenda por ela própria, como este método induz através da autoeducação.
Neste contexto qual é o papel do adulto?
O adulto é o Guia da criança. O adulto é a peça fundamental que, em comunhão com um ambiente preparado, observa e adequa o que a criança necessita para suprir essas necessidades. É por isso, o guardião da autoeducação da própria criança. É também o adulto o responsável por impor e definir os limites para que a criança consiga crescer saudável e feliz em sociedade.
Em concreto, em que momento entra a Beatriz Vasconcelos neste “mundo” Montessori?
Na verdade, na maternidade. A minha formação de base não é educação. Quando fui mãe estava com muita sede de informação de como educar os meus filhos de forma respeitosa e livre. Montessori correspondia em tudo ao que projetava para uma educação melhor dos meus filhos e assim foi: pesquisei, informei-me e mais tarde, estudei e formei-me na área que tanto me apaixona. Neste momento, Montessori é o centro da minha vida diária.
O método Montessori foi criado há mais de 100 anos, num sociedade e tempo diferentes. Houve adaptações neste mais de um século que medeia desde a sua origem até ao presente?
Claro. O método é feito para pessoas e por pessoas e ao longo do tempo foram introduzidas algumas alterações quer na parte formativa do método quer na vertente mais social. Por exemplo, como é obvio, no tempo da Dra. Maria Montessori não existia internet nem computadores. Atualmente nas salas Montessori a partir dos seis anos de idade existem esses equipamentos, no entanto, a sua utilização é diferente das escolas tradicionais – apenas existe um computador por grupo de alunos que serve apenas e só para propósitos de pesquisa.
Outro exemplo é a investigação na prevenção da demência. Maria Montessori terminou o seu trabalho, aquando da sua morte, e deixou um legado sobretudo dedicado à criança e aos cuidados da mesma. No entanto, de acordo com pesquisas recentes, o método Montessori pode ser aplicado de forma adaptada a pessoas mais velhas, para minimizar os efeitos de demência.
O que tem a dizer aqueles que afirmam que este é um método com total ausência de regras?
Não há maior limite que a experiência da liberdade. Se uma criança for habituada a agir e a pensar no ambiente que a rodeia, nos outros que a circundam e nela própria, sabe que a sociedade estabelece limites bem claros para cada um de nós: o cuidado connosco próprios, o cuidado com o ambiente e o cuidado com o outro. Tudo o resto se constrói a partir daí: o sentido de responsabilidade, a empatia, a delicadeza, a cortesia e até a autodeterminação.
Como disse antes, o adulto é responsável por impor e definir os limites, mas isso não significa ser autoritário, significa limitar as escolhas para a criança. Se eu quero que a minha criança se vista, posso optar por lhe mostrar duas peças de roupa e dizer-lhe qual escolhes? Com este processo estou a limitar a escolha, em duas peças e estou a dar a liberdade para que ela o faça sozinha sem imposição de um adulto.
A Beatriz Vasconcelos acompanha as questões da educação em Portugal. Em seu entender como estamos a formar e a preparar as nossas crianças e jovens?
Não estamos a formar e preparar pessoas. A pessoa é composta por várias vertentes: a académica, a social, a emocional, entre outras. E, neste momento, a escola tradicional não consegue formar pessoas - forma indivíduos que acabam a escolaridade obrigatória sem saber preencher um modelo de IRS, sem saber pequenas tarefas do dia a dia que possam ser úteis no futuro, como por exemplo, coser um botão ou até como salvar uma vida. Porque não se ensina suporte básico de vida nas escolas em Portugal? Isso para mim seria formar a entidade “pessoa”. Se nos focarmos apenas na vertente “académica”, diria que estamos a formar robôs, porque todas as nossas crianças estão a ser “programadas” no mesmo tempo, a fazer a mesma coisa. Não há individualidade no ensino em Portugal e isso é muito preocupante.
No seu livro diz-nos que “ninguém se torna uma mãe, um pai, professor ou educador Montessori de um dia para o outro. É preciso (...) transformação”. Que transformação é esta?
Como referi na pergunta anterior, os adultos de hoje foram, na maior parte, formatados em estar quietos, sem questionar muito e a acatar que o que uma entidade superior diga seja a verdade absoluta. Se na nossa infância fomos tratados dessa forma, temos de nos transformar e colocar essa verdade em causa. Temos de olhar a criança não como um ser inferior ou um pequeno adulto. A criança é um ser humano que tem necessidades específicas para que o seu desenvolvimento seja harmonioso e é obrigação da sociedade adulta proporcionar-lhe isso. A criança é o futuro. E temos de saber cuidar desse futuro, agora. Se tivermos crianças com menos traumas, com mais liberdade, com mais felicidade, serão adultos mais completos, mais equilibrados e mais felizes. No livro podem encontrar várias dicas e formas de conectarem-se com os vossos filhos e alunos de forma que essa transformação ocorra pouco a pouco no vosso interior.
O método Montessori fala-nos em ambiente preparado. Do que se trata?
O ambiente preparado é adequar o ambiente-casa ou ambiente-escola a essas necessidades específicas do desenvolvimento de cada criança. Por exemplo, se uma criança tem um grande interesse por dinossauros podemos arranjar forma de que essa necessidade e curiosidade seja aprofundada para que o interesse da criança se consolide em conhecimentos. Outro exemplo mais prático e mais evidente é na casa de banho. A casa de banho tem de ser adaptada com bancos elevatórios para que a criança consiga lavar as mãos sozinha. Adaptar o ambiente e prepará-lo de acordo com a faixa etária da criança permite que a criança se torne autónoma e propulsora do seu conhecimento.
Há algumas características nos materiais Montessori que os tornem diferentes dos demais brinquedos/jogos didáticos que damos aos nossos filhos/educandos?
Os materiais Montessori foram desenvolvidos, na sua maioria, por Maria Montessori e são bem específicos das salas de aula das escolas Montessori. No entanto, há brinquedos e materiais pedagógicos que podem ser de inspiração Montessori e têm, sem dúvida de preencher alguns requisitos, como menciono no livro. Num material Montessori, um conceito é trabalho isoladamente para que seja apreendido de forma eficaz e consolidada. Por isso, quando queremos demonstrar atacar os cordões, por exemplo, fazemo-lo de forma isolada e não misturado com apertar botões.
Ainda há muitas dúvidas do que é ou não usado no método Montessori, a Sociedade Portuguesa de Educação Montessori também existe para ajudar pais, educadores e empresas a encontrar soluções e respostas sobre este tema.
Em Portugal temos escolas montessorianas?
Sim, no que tenho conhecimento, existem nos grandes centros urbanos do Porto e Lisboa, no distrito Aveiro e no Algarve. Este ano, a SEM – Sociedade Portuguesa de Educação Montessori iniciará um processo de certificação de ambientes Montessori em Portugal para que estas escolas estejam devidamente identificadas e certificadas.
Pais e educadores que assumam via a seguir o método Montessori têm de se preparar para muitas despesas?
De todo. Montessori trata-se de uma psicopedagogia que foi criada num bairro desfavorecido de Roma e apesar de existir um preconceito e uma ideia errada sobre Montessori, conforme foi e muito bem citado pelo New York Times, não é preciso muito dinheiro para conseguir ter uma educação Montessori. Diria que a longo prazo até compensaria na medida em que os materiais são os mesmos ao longo dos anos e as crianças são agrupadas em grupos de idades mistas. O grande problema reside que ainda há poucas pessoas formadas em Montessori e com qualidade no nosso país e o ensino Montessori ainda não está em grande escala nas Escolas Públicas.
Fundou a Sociedade Portuguesa de Educação Montessori. Quer relatar-nos qual o papel desta sociedade até ao momento?
Queremos ser o apoio de pais, educadores, professores, empresas e Estado para a implementação de Montessori no ensino em Portugal. Queremos libertar as amarras de uma escola obsoleta, principesca e pouco dedicada à causa da criança. Queremos libertar a pressão dos professores de burocracia e ter profissionais do ensino dedicados a compreender e incentivar o natural instinto curioso da criança. É esse o nosso propósito. Trabalhar de mãos dadas pela criança.
Existe um conceito Montessori aplicado à terceira idade?
Sim. O envelhecimento traz consigo algumas doenças neurodegenerativas que provocam a deterioração de células cerebrais, como a demência ou o Alzheimer. Com esses utentes, foram aplicadas algumas atividades motoras usadas no Método Montessori, nomeadamente com as mãos, que se provaram ser benéficas para a retardação da evolução dessas mesmas doenças. Essas atividades trabalham a tão conhecida ligação “mão-cérebro” que na primeira infância é tão importante e que, ao que se veio a provar, na terceira idade também.
Há estudos que fundamentem que crianças educadas no método Montessori se tornam adultos com mais/melhores competências?
Eu não diria que têm mais ou melhores competências, diria que se tornam pessoas mais completas e empreendedoras. Se toda a vida a criança for respeitada e responsável pelas suas ações e decisões estamos a criar uma pessoa com uma autoestima superior à média, estamos a criar um adulto responsável e um trabalhador empenhado e apaixonado pelo que faz. Em estudos recentes feitos por Angeline Stoll Lillard e publicados no livro Montessori: a ciência por trás da genialidade, sustenta todos os princípios do Método com estudos científicos, nomeadamente da neurociência. Um livro que eu recomendo a todos os que têm interesse na ciência da Educação Montessori.
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