A mulher que abandonou o filho recém-nascido num caixote do lixo em Lisboa, em novembro, foi acusada de homicídio qualificado na forma tentada, anunciou hoje o Ministério Público, que requereu o seu julgamento em tribunal coletivo.
"O Ministério Público encerrou o inquérito e requereu o julgamento em tribunal coletivo contra uma arguida, pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada", lê-se numa nota hoje publicada no 'site' da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL).
De acordo com a PGDL, "ficou suficientemente indiciado que a arguida, grávida de 36 semanas, e em trabalho de parto, na madrugada de 04 de novembro de 2019, se deslocou junto às imediações da discoteca Lux Frágil, onde deu à luz um bebé do sexo masculino".
A mesma nota acrescenta que, depois do nascimento, a arguida "colocou o recém-nascido dentro de um saco plástico, juntamente com os demais tecidos expelidos no momento do parto, e colocou-o no interior de um ecoponto amarelo, abandonando, de seguida, o local".
A mulher terá ocultado a gravidez e decidiu ter o filho sem qualquer assistência hospitalar, "sempre com o intuito de lhe tirar a vida imediatamente após o seu nascimento, escondendo de todos o que tinha feito".
"A morte do recém-nascido só não veio a concretizar-se por mera casualidade e intervenção de terceiros que o encontraram e lhe prestaram os cuidados de saúde de que carecia para viver", sublinha a PGDL.
A mulher encontrava-se em prisão preventiva desde 08 de novembro e, não se tratando de um caso de especial complexidade, teria de ser libertada ao fim de seis meses caso não fosse deduzida acusação. Esse prazo terminava hoje.
“O Ministério Público promoveu que a arguida continue sujeita à medida de coação de prisão preventiva”, reforça a PGDL.
O recém-nascido foi encontrado por um sem-abrigo, ainda com vestígios do cordão umbilical, explicou na altura fonte da PSP, acrescentando que o bebé foi depois transportado ao Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, a inspirar alguns cuidados.
Bebé entregue a família de acolhimento
A 20 de novembro, o Tribunal de Família e Menores de Lisboa decidiu entregar a criança deixada pela mãe num ecoponto da capital a uma família de acolhimento. Nessa altura, o juiz decidiu a favor da proposta do Ministério Público, “tendo determinado a substituição da medida de acolhimento residencial pela de acolhimento familiar, a título cautelar, a concretizar aquando da alta clínica da criança”.
O Ministério Público do Juízo de Família e Menores de Lisboa instaurou em novembro um processo de promoção e proteção a favor da criança, “no âmbito do qual foi decidido pelo juiz, desde logo e para salvaguardar a possibilidade de o bebé ter alta clínica no imediato, aplicar a medida cautelar de acolhimento residencial”.
Posteriormente, foi comunicada ao tribunal a existência de uma família de acolhimento selecionada nos termos da lei e o Ministério Público promoveu então que se procedesse à revisão da medida inicialmente aplicada, no sentido da respetiva substituição pela de acolhimento familiar, a aplicar também a título cautelar.
A mãe da criança, uma jovem sem-abrigo de 22 anos que abandonou o recém-nascido num caixote do lixo, no dia 05 de novembro, foi detida pela Polícia Judiciária (PJ) dias depois e está, desde então, em prisão preventiva.
Segundo a PJ, a mãe do recém-nascido agiu sozinha e nunca revelou a gravidez a ninguém, vivendo numa situação “muito precária na via pública”.
Supremo recusou libertação da progenitora
Em 14 de novembro, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o pedido de libertação imediata ('habeas corpus') de um grupo de advogados que considerava a prisão preventiva "absolutamente ilegal".
Varela de Matos, um dos advogados, disse nessa ocasião à Lusa que o grupo - uma dúzia de cidadãos, nomeadamente advogados, não juristas e magistrados jubilados - considera que o crime que a cidadã terá cometido "não é aquele que se refere com mais frequência (tentativa de homicídio), mas, sim, o de exposição ao abandono, que nem sequer admite prisão preventiva".
A juíza de instrução criminal fundamentou a aplicação da prisão preventiva à arguida com o facto de estar em causa um crime de homicídio qualificado na forma tentada.
O STJ referia que desta imputação, "genericamente, corresponde ao facto de a arguida, de forma premeditada, ocultando a gravidez e munindo-se de um saco de plástico para o efeito, ter depositado o seu filho acabado de nascer num caixote do lixo na via pública".
Na decisão do STJ constam as declarações e as explicações dadas pela jovem quando presente a primeiro interrogatório judicial, durante o qual disse que vivia desde junho numa tenda junto à estação de caminhos de ferro de Santa Apolónia, em Lisboa, juntamente com um companheiro.
A arguida afirmou que, por ter feito um teste num centro de apoio a sem-abrigo, na Mouraria, sabia que estava grávida desde pelo menos o sétimo mês de gestação, acrescentando que lhe perguntaram se queria abortar, tendo dito que não.
Além disso, referiu que encobriu a gravidez, que não sabia o dia em que o bebé iria nascer e que não pensou em pedir ajuda, admitindo que, após o parto, colocou a criança num saco de plástico e depositou-o num contentor ecoponto.
A jovem justificou esta atuação com o facto de estar desesperada, sem saber o que fazer ao bebé, pois não tinha condições porque estava na rua. Disse ainda não saber quem é o pai da criança.
Comentários