Atualmente, o pai começa a assumir um papel mais participativo na vida dos filhos e na dinâmica familiar, permitindo, também, às mulheres a possibilidade de investirem nas suas carreiras profissionais. De acordo com o “Estudo sobre a paternidade”, realizado em Portugal no ano passado, 87% dos pais portugueses costumam brincar com os filhos, 49% mudam as fraldas, 55% dão as refeições e 51% vão deitá-los ou adormecê-los. Outro dado relevante deste estudo é o facto de 84% dos inquiridos afirmarem que usufruíram da baixa de paternidade com os seus bebés, o que demonstra bem as diferenças destes “novos” pais relativamente às gerações anteriores. Aliás, 74% acreditam estar hoje mais envolvidos na paternidade do que estavam os seus pais.

Filipe Beirão Belo, de 41 anos, pai de duas meninas (de 6 e 3 anos) a viver há seis meses em Parma, Itália, é atualmente um pai a tempo inteiro precisamente porque a mulher recebeu uma proposta de trabalho naquele país.

Pediu uma licença sem vencimento por três anos no banco onde trabalhava, em Lisboa, e mudou-se com a família, assumindo o papel de pai a tempo inteiro. “Nunca pensámos em emigrar, mas quando surgiu esta oportunidade na vida profissional da minha mulher, decidimos que era uma boa altura”, afirma Filipe. “Agora que sou pai a tempo inteiro, dou mais valor às mães!”.

“Em Lisboa tínhamos uma vida mais stressante, casa-trabalho-casa, sempre a correr. Quando chegávamos ao final do dia, por vezes, não tínhamos tanta paciência e isso refletia-se em menos disponibilidade para as miúdas”

Este pai confessa que, por vezes, sente um vazio por estar em casa sozinho parte do dia e que sente saudades da rotina do trabalho. Mas também reconhece que estar a tempo inteiro com as filhas é uma oportunidade única de acompanhar o seu crescimento, que de outra forma seria mais complicado. “Em Lisboa tínhamos uma vida mais stressante, casa-trabalho-casa, sempre a correr. Quando chegávamos ao final do dia, por vezes, não tínhamos tanta paciência e isso refletia-se em menos disponibilidade para as miúdas”, admite Filipe.

Agora, a rotina é outra e tem todo o tempo do mundo para elas. “Quando chegam da escola à hora do almoço, vou com elas ao parque antes de as levar às atividades extracurriculares, brinco com elas… Sou eu que as acompanho no pediatra, vou às reuniões na escola, ao supermercado, lido com a empregada doméstica…”.

Filipa Jardim da Silva, Psicóloga Clínica, considera que gradualmente a sociedade tem-se adaptado ao novo papel dos homens na família e nas comunidades. “A própria noção de masculinidade tem-se flexibilizado em função de uma nova realidade. À medida que as mulheres ganham mais liberdade de apostar nas suas carreiras com menos culpas associadas, tal conquista assenta muito na flexibilização do papel do homem na família”, afirma.

O paradigma do pai que trabalha e da mãe que cuida (e trabalha!) já se vai esbatendo.

Gonçalo Santos, de 32 anos, pai de Gabriel (3 anos), e que foi pai a tempo inteiro por um período de sete meses (de início de julho de 2014 até finais de janeiro de 2015), concorda que hoje em dia o homem assumir o papel de cuidador dos filhos a 100% já deixa de ser uma situação fora do comum.

“É fundamentalmente uma questão de mudança de mentalidade e de afirmação da paternidade também enquanto figura de cuidador. O paradigma do pai que trabalha e da mãe que cuida (e trabalha!) já se vai esbatendo. A realidade é cada vez mais heterogénea, e os papéis que cada um desempenha na educação da criança, na vida familiar e profissional são tendencialmente transversais quer ao pai quer à mãe”.

Gonçalo optou, em conjunto com a mãe do filho, por ter uma licença parental partilhada, em que cinco meses o Gabriel esteve com a mãe e um mês com o pai, com uma comparticipação de 83%. “Após estes seis meses acabei por tirar uma licença parental alargada (mais três meses), mas já apenas a receber 25%, o que diminui substancialmente o rendimento do agregado familiar. Após este período tirei todos os dias de férias que pude e acabei por tirar licença sem vencimento para assistência à família por mais dois meses”.

As contas e a “ginástica” orçamental que a família tem de fazer ainda são um obstáculo a uma maior presença do pai e/ou da mãe em casa. Como Gonçalo explica, “os apoios que tive do estado são os apoios que todos os pais podem e devem usufruir. Penso que as alterações recentes da legislação reforçaram ligeiramente os apoios à paternidade. Ainda assim penso que podemos e devemos chegar muito mais longe”.

Na opinião deste pai “o período de licença deveria ser maior para a mãe (sete meses). Atendendo a que a OMS recomenda que a amamentação seja exclusiva até aos seis meses, não faz sentido "forçar" a mãe a regressar ao trabalho ao fim de três, quatro ou cinco meses. Em teoria, já é possível os pais partilharem o primeiro ano de vida cuidando da criança, o que é ótimo. Contudo a difícil gestão financeira e profissional é muitas vezes o maior entrave a que isto aconteça”.

Uma história diferente tem o inglês Christian Farrar-Hockley, 46 anos, pai de dois rapazes de 11 e 9 anos, a viver atualmente em Bruxelas. Christian é pai a tempo inteiro desde 2010.

“Ser pai a tempo inteiro na Bósnia não era propriamente uma coisa natural naquela sociedade. Eu e outros pais na mesma situação, vindos de outros países, éramos vistos como uma ‘anormalidade’”.

A mudança da Suécia, onde residiam, para Bruxelas em 2009 deveu-se a motivos profissionais. A mulher de Chris foi trabalhar para a Comissão Europeia enquanto ele trabalhava numa ONG ligada ao Ambiente.

Quando passado um ano a sua esposa foi enviada para a Bósnia, Chris decidiu deixar o emprego e ser pai a tempo inteiro. “Ser pai a tempo inteiro na Bósnia não era propriamente uma coisa natural naquela sociedade. Eu e outros pais na mesma situação, vindos de outros países, éramos vistos como uma ‘anormalidade’”.

Chris admite que passados estes anos todos como pai a tempo inteiro tem fases em que gostava de voltar ao mercado de trabalho. “Neste momento, o meu papel como pai é mais de organizar o tempo deles e levá-los onde precisam de ir”.

Um dos meus filhos, uma vez disse: eu quero ser como tu, pai a tempo inteiro!”.

No entanto, não tem uma vida desprovida de atividades. Faz parte do “Parenting Boarding” da escola europeia que os filhos frequentam, é treinador de rugby para crianças, faz voluntariado, organiza campos de escuteiros… E sente que teve um papel importante na vida dos filhos. “Acho que contribuí para o equilíbrio familiar e o estabelecer limites na vida dos meus filhos, que foi importante para o crescimento deles”.

Quando perguntámos como é que os seus filhos encaram a sua situação, a resposta revela muito: “Sabe quando se pergunta às crianças o que querem ser quando forem grandes? Um dos meus filhos, uma vez disse: eu quero ser como tu, pai a tempo inteiro!”.

Quando tomou a decisão de ser pai a tempo inteiro, as gerações anteriores torceram um pouco o nariz. “O meu pai aceitou mais ou menos, mas o meu avô achou que era algo impensável, e não concordou nada”.

No final, todos admitem as vantagens de serem pais a tempo inteiro. “Um privilégio e um desafio em todos os sentidos. Passar por essa experiência fez-me crescer enquanto pessoa e pai, e aproveitar a paternidade de uma forma mais intensa e efetiva”, revela Gonçalo Santos.

Filipe Beirão Belo considera que acaba por ter uma ligação ainda mais especial com as filhas, e que esta será uma experiência única na vida.

Filipa Jardim da Silva realça os benefícios desta situação para o seio familiar. “Esta maior participação na educação dos filhos contribui para um maior equilíbrio família-trabalho, com todas as vantagens que daí advêm individualmente para cada elemento do agregado familiar”.

E para as crianças, a psicóloga clínica também acredita que o seu próprio desenvolvimento cognitivo e emocional sai muito reforçado com pais mais presentes. “De acordo com um artigo da Associação Americana de Psicologia, por exemplo, os homens que relataram ter mantido uma boa relação com o pai durante a infância tendem a ser menos impulsivos na forma como reagem a eventos stressantes do dia a dia, do que aqueles que relataram relações mais pobres”, conclui.