É uma ligação única, diferente daquela que os mais novos têm com os pais e da que têm com outros adultos, sejam eles familiares ou não. Falamos dos laços entre avós e netos, marcados pela profunda ternura, pela experiência e também pela certeza de quem sabe que não tem a responsabilidade final e que pode assim desfrutar da relação de uma forma mais descontraída.

Numa sociedade como a portuguesa, onde as estruturas familiares continuam fortes, o papel dos avós é, na maioria das situações, central na vida da criança. Muitas vezes, é junto daqueles que o bebé passa os primeiros meses e mesmo quando vai para a “escolinha” os avós continuam muito presentes, aliviando os dias sobrecarregados dos pais.

Transmissão de valores

Os avós criaram os pais. Significa isto que transmitiram um conjunto de valores que muito provavelmente são replicados na educação dos filhos. Ao passar tempo com os mais velhos, as crianças compreendem o que está na origem dos princípios da sua família, o que lhes transmite uma forte noção de pertença.

São os avós que relembram forma de funcionamento em comunidade, que contam histórias, que recordam como os pais eram em pequeninos – e todas as crianças adoram saber isso – que ensinam cantigas, trava-línguas e lenga-lengas, que jogam à bola e brincam com bonecas durante horas.

É também deles a paciência necessária para ajudar a engolir um almoço não muito desejado, para acalmar birras de sono e para assegurar aos pais que podem ir de fim-de-semana ou de férias descansados, que as crianças ficam mais do que bem.

O avô e a avó são um porto seguro e os mais novos sabem isso, mesmo que de forma instintiva. E também sabem que não se relacionam com os mais velhos da mesma forma que o fazem com os pais, por muito que a educação respeite os mesmos princípios: os cenários são diferentes, os discursos são diferentes, as normas (o que é permitido e o que é proibido) podem ser distintas e as crianças adaptam-se de forma imediata.

Regras claras

Os avós são isso mesmo: avós. O que significa que não são pais, nem estes devem permitir que assumam essa função. As gerações mais velhas têm a experiência e a sabedoria que são importantes, em especial quando se trata de um primeiro filho. Mas, em última análise, é à mãe e ao pai que cabe a educação da criança e as decisões sobre o seu bem-estar.

O que acontece muitas vezes é que os avós caem na tentação de tentarem sobrepor-se aos pais, o que pode levar a incómodos, no melhor dos cenários, e a conflitos declarados, no pior. E a grande prejudicada acaba por ser a criança, colocada entre “dois fogos” e cheia de incertezas sobre quem desempenha que papel.

Para evitar estes atritos, é importante que as regras fiquem bem estabelecidas e desde muito cedo. Ou seja, se os pais transmitirem francamente aos avós que a sua experiência e ajuda são desejadas e apreciadas mas que há um determinado número de situações em que não vão ceder as suas responsabilidades, tudo fica claro.

Brincadeiras e transgressões

Há, no entanto, que saber escolher os temas em que os pais terão a última palavra e encarar de forma pragmática as situações em que não há nada a fazer.

É que os avós ajudam a educar, mas também “deseducam”. E ainda bem. Compram inúmeros brinquedos, gelados, chocolates e gomas. Deixam passar a hora de dormir. Permitem que a criança escolha o que quer vestir. Mimam, mimam, mimam.

Mas, por muitos cabelos brancos que os pais ganhem com estas “infracções”, elas têm razão de ser e não significam que a criança perca de vista as grandes regras de educação que a norteiam. Ela sabe que pode fazer umas coisas com os avós e outras com os pais e que por muito que deseje passar alguns limites estruturantes, muito provavelmente nem uns nem outros o vão permitir.

Entretanto, as pequenas transgressões inconsequentes ensinam-lhe que é possível desfrutar da vida e que há lugar, momento e companhia para tudo. E esta é uma ferramenta emocional decisiva que cabe a pais e avós demonstrarem juntos.

Maria C Rodrigues