Os golpes de karaté podem não ser suficientes para dar cabo da doença mas fazem verdadeiros milagres. O Kids Kicking Cancer defende a prática das artes marciais para diminuir a dor e a ansiedade em crianças que sofrem de cancro. Fomos perceber como funciona esta terapia que nasceu nos Estados Unidos da América. Nas aulas semanais em hospitais e clínicas pediátricas e nas visitas a escolas e domicílios de crianças que sofrem de cancro, os terapeutas de Kids Kicking Cancer, mestres em artes marciais, ensinam karaté, tai chi chuan, chi kung, meditação e relaxamento, respiração, visualização e outros exercícios para as ajudar a controlar a dor, o medo e a ansiedade.

Em conversa com a Prevenir, Elimelech Goldberg, o fundador desta organização, explica como podem as artes marciais beneficiar as crianças com cancro. Filomena Pereira, chefe de serviço de Pediatria do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, faz uma análise desta abordagem que em breve poderá passar a estar disponível Portugal, onde surge anualmente cerca de 350 casos de cancro pediátrico. Nos últimos anos, a mediatização de vários casos alertou a opinião pública para a dimensão do problema.

Mente de vencedor

«Propósito, paz e poder» é o lema da organização que ensina esta terapia para «permitir que as crianças se concentrem na sua força interna e capacidade para criar uma sensação de paz e calma interior. O nosso objetivo é ajudá-las a superar a sua dor e o desconforto e, através das técnicas das artes marciais, serem os parceiros na sua própria cura», explica Elimelech Goldberg. «Como sofrem tratamentos dolorosos na luta contra a sua doença, com este programa queremos que reconheçam o quanto existe um propósito nas suas vidas e como elas podem inspirar os outros com a sua coragem, adotando uma mentalidade de vencedoras e não de vítimas», esclarece.

Como tudo começou

Fundada em Michigan em 1999 por Elimelech Goldberg, após ter perdido a fi lha com leucemia, a organização Kids Kicking Cancer fornece esta terapia mediante protocolos institucionais e atua já em vários hospitais e clínicas pediátricas nos Estados Unidos da América mas também no Canadá, Itália ou em Israel. O relatório de 2007 do United States Centers for Disease Control, numa avaliação da dor num universo de 244 crianças, revelou que 37 não sentiram diminuição da dor e 207 assumiram uma melhoria dos seus sintomas depois de fazer esta terapia.

O estudo levado a cabo nessa altura permitiu concluir que 88 por cento das crianças mostrou uma melhoria nos níveis de dor após o uso das técnicas propostas pelo Kids Kicking Cancer. «Com esta terapia não ensinamos apenas as crianças a controlar a dor. Ensinamo-lhes também a enfrentar a vida com coragem e a vencer a doença», remata Elimelech Goldberg.

O que diz a especialista portuguesa

Na opinião de Filomena Pereira, pediatra, «as artes marciais são, sem dúvida, práticas que aliam uma grande aprendizagem do seu próprio corpo à disciplina, autocontrolo e consequente relaxamento». A desvantagem está no facto de algumas implicarem contacto corporal e risco de queda. «Não me parecem recomendáveis a crianças em tratamento por doença oncológica, uma vez que muitas vezes estas registam quebra de valores plaquetários facilitando a hemorragia, e quase todas têm cateter venoso central, sendo que existe um risco de deslocação do mesmo» alerta.

Para a pediatra os benefícios encontram-se nas práticas com movimentos mais suaves «como o tai chi chuan ou o yoga, sem os inconvenientes atrás mencionados. Não há, de facto, nada deste tipo organizado em Portugal. Aulas de yoga seria uma ideia interessante», refere ainda.

Texto: Sónia Gomes Costa com Elimelech Goldberg (fundador do Kids Kicking Cancer) e Filomena Pereira (pediatra)