Muitos assistiram nas redes sociais ou em alguns canais de televisão, ao apelo de uma jovem mulher para angariar fundos para um tratamento na Alemanha. Tem um cancro em estado terminal, e acredita que a terapia aí instituída a pode salvar. Contudo, a médica oncologista tentou dissuadi-la dessa intenção.
Há anos trabalhei num dos maiores centros oncológicos dos Estados Unidos, o famoso Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, e posso garantir-vos que não existem segredos milagrosos guardados num canto do mundo. Sejamos racionais: imaginem uma instituição que através da sua investigação descobre um tratamento eficaz para o cancro. Seria razoável escondê-lo da comunidade em vez de lucrar com ele? E os outros hospitais, ao tomarem conhecimento dessa terapia, por que motivo não a adoptariam?
Excepto como elemento de apoio à quimioterapia muito intensiva, as células estaminais são, por enquanto, uma solução à espera de um problema. São poucos os doentes a quem estes protocolos se aplicam, não seria bom alargar a administração destas células a outro tipo de doentes, aumentando assim o volume de facturação dos hospitais e clínicas?...
Mesmo universidades reputadas, como a de Duke nos EUA, fazem propaganda da utilização destas células para tratar a paralisia cerebral e outras doenças neurológicas incuráveis. Evidência de eficácia: zero. Aumento de facturação: muitos zeros. O negócio da esperança é rentável.
Não ouvi a voz dos médicos na net ou na televisão a explicar por que motivo não recomendam a terapêutica `que a jovem procura. É pena, introduzia um elemento de racionalidade e, quem sabe, impediria pessoas desesperadas de procurarem consolo no lugar errado. Contudo, em frente à televisão, as pessoas não desejam razão, mas sim emoção, e os ratings são quem mais ordena.
Várias figuras públicas apoiaram a petição. A intenção é das melhores, o resultado catastrófico, pois incentiva muitos mais a procurarem solução onde ela não existe. Estou cansado de assistir a famílias endividarem-se enquanto charlatões enriquecem. Muitos vestem bata.
O jornal “Público” publicou há dias um artigo extenso sobre os perigos dos movimentos antivacinas. Já sou suficientemente velho para ter visto morrer dezenas, ou até centenas de crianças com doenças que as imunizações vieram quase erradicar: sarampo, tosse convulsa, sepsis meningocócica…. Tem razão o jornal: A ignorância mata.
Dias depois é anunciado um protocolo entre a Ordem dos Médicos e o Ministério da Saúde que torna gratuito o acesso a informação médica credível. Os médicos agradecem, mas supor que isso permite à população tomar decisões informadas sobre questões de saúde é ingénuo. Ter o Código de Direito Civil na minha biblioteca não me faz advogado. A ideia de que um leigo pode pesquisar a resposta a perguntas complexas na internet sem preparação prévia, humilha quem demorou anos de estudo a preparar-se para a sua profissão.
Tudo isto vem a propósito do trabalho difícil de educar uma criança quando a credibilidade das fontes que invadem os seus sentidos é, na mais das vezes, duvidosa, e os exemplos do quotidiano são de extremismo e divisão. É perigoso fazer crer que o conhecimento está há distância de um click. Todos nós temos preconceitos, mas os enviesamentos são tanto mais graves e consequentes quanto maior for a autoridade: televisões, jornais, pais e professores. É por isso essencial que essas figuras ou instituições não se fiquem pelo superficial ou apressado. Dá mais trabalho, mas gerações de portugueses irão agradecer-lhes.
Para além do conhecimento, é hoje mais do que nunca, importante o exemplo de ponderação e de respeito pela voz do outro. A dúvida perante o que se lê e ouve é prudente. Parece-me crucial que os professores forneçam aos alunos para além da informação exacta, as dúvidas que persistem e, sobretudo, os instrumentos do pensamento, e o método para separar o trigo do joio.
Nuno Lobo Antunes
Neuropediatra – Diretor Clínico do Pin-Progresso Infantil
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