“Prefiro que o meu filho diga ‘bom dia’ e ‘obrigada’ do que saiba tocar piano aos 5 anos”, diz a jornalista e especialista em educação Eva Millet, para ilustrar a forma como acredita que se estão a educar hoje os miúdos.
Num extenso artigo do ABC espanhol, a autora do livro Hiperniños (Super Miúdos) defende que, na ânsia de proteger as crianças de um mundo hostil, muitos pais estão a criar pessoas egoístas e preguiçosas.
“As crianças tornaram-se o centro da família, o astro-rei em torno do qual orbitam os pais. A casca já não se quebra aos quatro anos. Mais tarde, muitas são incapazes de se orientar na rua, ajudar nas tarefas domésticas ou até atar os cordões dos sapatos, porque há sempre alguém que satisfaz as suas necessidades e os seus desejos”, explicou Eva Millet ao Diario Sur.
O ABC tenta fazer um retrato desta infantilização excessiva. “A híper-paternidade é um típico fenómeno americano que, como tantas outras coisas, saltou a fronteira. No início do século XXI, muitos responsáveis de universidades norte-americanas começaram a ver que, a cada nova remessa de alunos que chegavam ao campus, aumentava o número dos que vinham acompanhados pelos pais, que os ajudavam a resolver qualquer questão. Alguns até insistiam em falar com professores e colegas para explicar como tratar o seu príncipe ou a sua princesa. E isto também começa a acontecer nas universidades espanholas”, revela Millet.
No seu livro, a especialista conta a história de uma jovem americana que, durante uma estadia em Barcelona, ficou trancada num elevador. Em vez de acionar o botão do alarme ou ligar para a empresa de gestão do elevador, telefonou à mãe que, da Flórida, avisou um técnico.
Mas, afinal, porque é que os pais estão a travar o crescimento dos filhos desta forma? Eva Millet acredita que o fenómeno passa muito pela elevada carga de expectativas que se coloca em relação à descendência. “Quando eu era pequena, as expectativas dos pais em relação às crianças eram bastante modestas: elas tinham de ir à escola e saber comportar-se. Não éramos o centro da vida dos adultos”, reflete. Hoje, as famílias são mais pequenas e os pais têm mais dinheiro e mais atenção para dedicar a cada criança, ainda que possam ter menos tempo. “Além disso, são pais mais tarde e transportam certos hábitos profissionais para a parentalidade, como se a infância fosse algo que tem de ser administrado”. E acrescenta: “Nas classes média e alta, os filhos são um símbolo de status e há uma grande competição para lhes dar o melhor: nos Estados Unidos há oficinas de estímulo para converter bebés em carne para Harvard”.
Ao ABC, a psicóloga Sílvia Álava diz que os pais estão cada vez mais ocupados e que, no pouco tempo que passam com seus filhos, “querem dedicar-se a fazê-los felizes”. Estão cansados demais para dizer ‘não’ – uma “palavra mágica da educação” – e poupam-se às reações dos pequenos ditadores.
Já María García Amilburu, professora de Filosofia da Educação, defende que “antes as crianças tinham um pai e uma mãe. Agora, muitos têm duas mães e três pais”. Tocando no tema da reconstrução das famílias e seus riscos, a especialista põe o dedo na ferida: “A chantagem é algo que surge constantemente e ninguém quer ser o que impõe regras, o mau da fita”.
Eva Millet encontra neste fenómeno uma forma de reação à educação autoritária do passado. E diz que o caminho não pode ser este: “Não se pode perguntar a uma criança de três anos o que quer comer ou vestir. A família não é uma democracia. Deve haver uma hierarquia e regras, para que a coexistência seja saudável”, reforça.
Tanta superproteção acaba por gerar infelicidade, nem que seja a prazo. No ensaio Queremos que Crezcan Felizes (Queremos que Cresçam Felizes), Sílvia Álava faz um retrato destes miúdos hiperprotegidos.
- Desenvolvem menos habilidades emocionais
- Têm menos capacidade para resolver conflitos (os pais tratam do assunto)
- Fazem amigos, mas têm dificuldade em cimentar as relações porque estão pouco habituados a ceder
- São pouco tolerantes à frustração
Muitos ouvem desde o berço que são crianças especiais e por isso tendem a tornar-se narcisistas. Ainda assim, e como diz Álava, “têm menos autoestima e autoconfiança do que as crianças que tiveram a possibilidade de aprender com os seus erros. São menos autónomos, mais dependentes e manipuláveis. Custa-lhes a assumir a responsabilidade dos seus actos e a tomar decisões. Alguns estudos atestam que são mais propensos a serem vítimas de bullying”.
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