Há uma bengala linguística que me irrita solenemente: a do “imagino”. Esta é aquela expressão copiosa que utilizamos quando estamos – ou queremos mostrar que estamos – em sintonia com alguém, ou quando sentimos - ou queremos mostrar que sentimos – aquele entendimento do outro, e que tantas vezes se revela em forma de empatia ou, vá, de compaixão.

- Partiste um braço? Imagino o que isso doa…

- Estás cheio de trabalho e não podes ir de férias? Imagino que não seja fácil…

Na verdade, na maioria dos casos não sentimos rigorosamente nada e muito menos nos damos sequer ao trabalho de imaginar o que o outro está a sentir. Claro está que nunca nos atreveríamos a substituir o “imagino” por um “olha, não faço ideia do que isso seja. Azar o teu…” – pelo menos verbalmente, que os nossos pensamentos ainda são livres de manifestar todos os mais honestos pronúncios acerca de terceiros.

Há dias contei que os meus filhos gémeos vão repetir o ano letivo. Revelei-o a uma conhecida, mas fi-lo da forma natural com que encarei este percalço na vida dos miúdos. Vieram muito mal preparados de outra escola e, seja por falta de esforço deles ou por efetiva impossibilidade de acompanharem a nova matéria, tomei com a professora a decisão de os manter no mesmo ano. Talvez por achar que este seria um tema pesado na minha vida (deveria sê-lo?) e que eu estaria a sofrer horrores por ver dois dos meus filhos a ter, durante dois anos letivos, os mesmos livros escolares, a minha conhecida exclamou:

- Pois, imagino o que te tenha custado tomar essa decisão…

Primeiro, sorri e continuei a conversa. Mas depressa caí em mim e (maldito feitio o meu!) me apressei a dar uns passos atrás no discurso. Tudo começou com um “imaginas mesmo o que me custou decidir o chumbo dos meus filhos?”. A rapariga estranhou a minha pergunta e, entre alguns tiques nervosos de desconforto, lá me explicou que sim, que deve ter sido uma decisão complicadíssima, já que as minhas filhas mais velhas são excelentes alunas e eu deveria ter elevadas expetativas também para os mais novos. Uma série de teorias de psicologia barata que eu, confesso, ouvi atentamente. Intervim apenas quando ela se calou.

- Pois deixa-me, então, dizer-te que imaginaste tudo mal. Não foi assim tão complicado tomar esta decisão. Iria custar-me decidir sobre a saúde deles ou o futuro definitivo das suas vidas, mas, neste caso, decidi apenas que eles vão simplesmente passar para o 3º ano quando estiverem preparados para o fazer.

A rapariga arregalou os olhos e voltou a insistir:

- Sim, mas ainda assim imagino que te tenha custado.

Há qualquer coisa de masoquista na essência humana, verdade? Como se assistir ao sofrimento ou às dificuldades alheias fosse uma espécie de alimento para o ego. Melhor, como se desse motivos para, mediante os problemas dos outros, valorizarmos a nossa própria vida.

Neste caso, eu IMAGINO que esta minha conhecida tenha usado a minha informação para projetar verdades diversas: 1- que o filho dela é muito mais inteligente que os meus; 2- que ela é muito melhor mãe que eu, já que sofreria horrores se tivesse de tomar decisão semelhante. E, com um bocadinho mais de esforço, consigo ainda IMAGINAR que, depois da nossa conversa, ela tenha telefonado ao marido a tecer mil elogios ao filho prodígio e a criticar esta Alda bruta nas palavras que, ainda por cima, leva as dificuldades da vida (?) com esta naturalidade desconcertante.

Na verdade, nós não imaginamos rigorosamente nada por que nunca tenhamos passado. Eu não estou sequer perto de imaginar o que seja partir uma perna, cair da janela de um terceiro andar ou ficar sem todos os dentes que ainda povoam a minha boca. De facto, não faço nem quero fazer a mais pálida ideia.

Então, no que a filhos diz respeito, eu pouco consigo imaginar a não ser aquilo que já vivi. Imagino as más noites que as recém-mamãs passam, imagino as preocupações que os filhos nos ‘oferecem’, imagino a falta de paciência que por vezes nos assola e imagino este amor ardente que só a maternidade nos faz sentir. De resto, e como dizem as minhas filhas, estou a zeros.

Porque, como bem disse Platão, “devemos aprender durante toda a vida, sem imaginar que a sabedoria vem com a velhice”. Ou, acrescento eu, corremos o risco de morrer burros.

Alda Benamor