Antes de se aventurar no concurso Miss Galaxy, a Inês trazia um percurso na moda. Quer contar-nos como entra a moda na sua vida?
Na minha vida, o mundo da moda interliga-se ao do teatro no sentido em que, em ambos, nos damos ao público. No contexto da gravação de uma série conheci o fotógrafo Nuno Viotti, um grande amigo da Joana Martins, uma das diretoras do concurso Miss Galaxy em Portugal. Disse-me o Nuno Viotti: "Inês, tens tanto jeito para fotografar". Tinha começado a fazer brincadeiras com amigos fotógrafos. Comecei a sentir-me à vontade também para começar a entrar neste mundo da moda e, principalmente, fotografar. O Nuno Viotti desafiou-me a falar com as diretoras do Miss Galaxy. Dei o meu OK e inscrevi-me no concurso. Gostei do contexto do concurso pois é inclusivo, não há restrições de altura ou de tamanho corporal. As candidatas podem ser mães e casadas. Senti-me muito à-vontade e gostei da experiência. A partir desse momento comecei a entrar no mundo das agências e surgiram alguns trabalhos de moda, junto de algumas estilistas, com algumas marcas de joias. Entretanto, findei os estudos em teatro e mantive-me no mundo da moda. O teatro e a moda são as minhas grandes paixões.
No caso do teatro gostaria de interpretar algum papel em particular?
Honestamente, ainda não tive grandes possibilidades, ainda não me explorei muito enquanto atriz, a não ser na escola. Não deixo, contudo, de andar atrás das oportunidades. Se me pergunta se olho para algum papel de sonho, a resposta é não. Sou apaixonada por aquilo que faço. Qualquer personagem, para mim, vai-me acrescentar algo. Acho que o mundo do teatro é uma realidade fantástica que nos permite experienciar e viver de certa forma a vida dos outros. Há uma frase em inglês, "be in someone’s shoes" [literalmente “estar nos sapatos de alguém”], que ilustra o que acabei de dizer. Algo que levo muito a sério. Poder ‘estar nos sapatos’ do outro e compreender o que é que essa pessoa sente.
Inês, como foi estar frente às câmaras e a um júri no concurso Got Talent Portugal?
[Risos] Francamente, não pensei que ficasse tão nervosa. Quando participei no concurso da RTP pensei: "deixa-me experienciar isto, deixa-me ver como é”. Tinha interesse no programa que via há anos, tanto na versão portuguesa como na internacional. Não participei com a intenção de ganhar ou de avançar muito dentro da competição, até porque o meu sonho não é ser beatbox[percussão vocal do hip-hop]. Mas como é algo diferente e são poucas as mulheres que fazem beatbox, senti-me na obrigação de mostrar ao mundo que também é uma expressão no feminino. Quem sabe, a inspirar outras mulheres a terem coragem para avançar.
Também toca instrumentos musicais...
Exatamente. Tudo o que tem a ver com percussão. Sou uma apaixonada pela música.
É uma mulher que nunca rejeita um desafio...
Bons desafios. Porque acho que é muito importante, principalmente entre mulheres, nos incentivarmos mutuamente e mostrarmos que nada é impossível.
É uma mensagem de empoderamento...
Eu acho que sim. Temos de nos igualar. Nem melhor, nem pior, sermos iguais. Acima de tudo acreditar que somos capazes de alcançar aquilo que quisermos.
A Inês já aflorou há pouco as características singulares do concurso Miss Galaxy. Quer pormenorizar?
A questão de o concurso não olhar para as medidas é extremamente importante para mim. Felizmente, sinto-me bem dentro do meu corpo, acabo por ser uma mulher-padrão. Mas há muitas mulheres que não são mulheres-padrão. E isso é fantástico e explico-lhe porquê: porque esta questão das medidas padrão é muito relativa. Porque não nos torna mais ou menos bonitas. E este concurso procura também a beleza interior, assim como uma componente solidária. Faz-nos desenvolver a nossa faceta solidária. O concurso Miss Galaxy trabalha com a Fundação Ronald McDonald. E é incrível.
Quer explicar-nos melhor esta questão da solidariedade?
Sim. Uma das coisas que fiz no campo da solidariedade foi muito especial. Viajei para Cabo Verde e, aí, visitei uma creche onde entreguei muitos brinquedos e roupas. Foi uma das minhas melhores experiências. Aquele povo tem muito pouco, mas valoriza imensamente aquilo que por ele fazemos, seja no aspeto material ou emocional. É muito gratificante.
É a organização do Miss Galaxy que vos propõe estas ações solidárias?
Não, parte de nós. Procuramos e empreendemos as nossas ações solidárias.
Essas ações solidárias são antes da competição ou após serem eleitas?
São antes e durante a competição. Sempre que quisermos.
E essas ações solidárias entram em ponderação na escolha das vencedoras?
Exatamente, também conta como uma avaliação.
Qual foi o ambiente que a Inês encontrou na fase que antecedeu à competição propriamente dita?
Encontrei um ambiente cinco estrelas. Enquanto mulheres ajudamo-nos muito umas às outras. Como em qualquer outro lugar, existe sempre alguém que cria algum conflito, porque procura algo diferente ou não se sente tão bem como as demais. Mas, temos de saber conviver com essas questões. Dentro do meu escalão não tenho nada a apontar [o concurso conta com três escalões: Junior Miss Galaxy Portugal, Miss Teen Galaxy Portugal, Miss Galaxy Portugal]. O ambiente que criámos entre nós foi de entreajuda, de amor, de partilha, de conquista em conjunto. E foi mesmo fantástico.
A Inês ganhou em abril a competição nacional do Miss Galaxy 2023, mais tarde venceu o Miss Galaxy Europa 2024. O que sentiu quando soube que era a vencedora das competições?
Chorei bastante e, inclusivamente, existem muitas imagens minhas a chorar. Foi um momento particularmente especial porque tinha grande parte da minha família no público. Sou muito ligada à família, temos uma relação fantástica. Tenho a sorte de ter os melhores pais do mundo, são pessoas que sempre acreditaram e mostraram orgulho em mim. E, ter ali os meus pais, ter os meus avós, ter os meus tios, ter os meus amigos, tornou-se inexplicável. É um sentimento de gratidão e de conquista conjunta.
Em agosto do próximo ano vai a Orlando, nos Estados Unidos, competir pelo título de Miss Galaxy International. Já está ansiosa ou ainda não está sequer a pensar nesse momento?
Olhe, honestamente, aquilo que me deixa ansiosa neste momento é encontrar patrocínios. Vou precisar de patrocínios, de marcas, de empresas que queiram acreditar nessa minha presença nos Estados Unidos e que me ajudem a conquistar este sonho e a representar o nosso país. No mundo das misses também temos de investir bastante e é complicado, entre viagens, alojamento, vestidos. Isto, apesar de os vestidos não serem o mais importante, porque é muito mais do que esse aspeto que entra em avaliação. Mas, claro, que também conta, todos os pormenores contam. Há também que encontrar patrocinadores com os quais me identifique. Preocupa-me que sejam empresas que tenham os ideais idênticos aos meus e que valorizem a mulher. Como vê, é muito mais do que apenas o plano financeiro.
Ou seja, o que me está a dizer é que um concurso de misses é muito mais do que a imagem que retemos, a de um grupo de pessoas a desfilar em palco...
Exato, existe mesmo muito trabalho e é um trabalho complicado, mas muito gratificante. Não existem pagamentos financeiros. Não recebemos nada por estar ali, mas saímos de coração cheio.
Inês, gostava que comentasse um tema na ordem do dia, o da participação de mulheres trans em concursos de misses. Como avalia?
Temos de ser inclusivos. Não sou uma mulher trans, pelo que nunca senti isso na pele. Mas, acho, que não deixa de ser uma mulher. É simplesmente uma mulher que nasceu no corpo errado. E acho que a forma mais justa, honestamente, para que toda a gente pudesse ficar contente, que ninguém se sentisse ofendido, seria, dentro de cada concurso, existir uma categoria transgénero. Desta forma, transgénero competiriam com transgénero. Assim, todas as mulheres transgénero seriam incluídas, seriam bem-vindas e competiriam umas com as outras. E assim, eventualmente, não assistiríamos ao massacre de comentários depreciativos. Porque, todos temos liberdade de expressão, só não podemos é magoar o outro. Acredito que também não seja nada fácil para a Mariana [Mariana Machete, mulher trans, foi coroada em outubro último Miss Portugal]. Isso deve destruir a Mariana por dentro. Não a conheço, mas realmente custou-me ver o ódio que se gerou em relação à pessoa. Não faz sentido. É fácil falarmos quando não passamos pelas situações. Pergunto: e se nascêssemos no corpo errado, o que é que sentiríamos?
O que tem a dizer em relação à ideia de que os concursos de misses desvalorizam a mulher?
Acredito que existam concursos que, provavelmente, ainda minimizam a mulher e dela fazem um espetáculo. Mas também existem concursos, como o Miss Galaxy, em que, realmente, a mulher é valorizada. Fora deste contexto das misses, sou uma mulher que não se relaciona com muitas mulheres. Tenho mais facilidade em relacionar-me com os homens. Tenho mais amizades masculinas do que amizades femininas. Porque me identifico com o pensamento rápido. Porque me identifico com o pensamento lógico dos homens. Porque me identifico com a simplicidade. A mulher normalmente é mais complexa.
Como encara a Inês a competição?
No fundo, acabamos por não estar a competir umas com as outras, mas sim connosco. Muitas mulheres entram em contacto comigo através do Instagram para me perguntarem se devem participar ou não no Miss Galaxy. Aquilo que respondo sempre é: acho que sim, que devem participar, quando se sentirem confortáveis para competir convosco. Porque um concurso de misses não serve para concorrermos umas com as outras, deve ser um percurso de autoconhecimento, um percurso de interajuda, um percurso de crescimento conjunto. Efetivamente só há uma coroa, só uma das meninas é que vai levar uma coroa para casa. Portanto, há muito mais para além de uma coroa. Eu tive a sorte e o trabalho de consegui-la. Sinto-me uma mulher diferente desde que entrei nos concursos de misses. Porque comecei a desenvolver a minha autoestima. Hoje, consigo olhar-me ao espelho acabadinha de acordar e dizer: " gosto de mim".
Ganhou mais autoconfiança...
Exatamente. Não é muito diferente do mundo da moda, onde podemos ouvir muitas críticas, com várias pessoas ao longo do nosso percurso a dizerem-nos, por exemplo, "estás gorda", "devias pintar o cabelo". Temos de ser seguras em relação a nós mesmas para entendermos o que queremos.
Inês, voltemos ao início do seu percurso. Há uma história que, por certo, quererá recordar. Uma história de quando tinha quatro anos...
[Risos] Sim, era muito novinha. Entre os quatro e os oito anos participei num programa de televisão, o Contacto, na SIC, apresentado pela Rita Ferro Rodrigues e pelo Nuno Graciano. No fundo, foi a partir daí que comecei a ter o fascínio pelas câmaras, o à-vontade para me revelar ao mundo e mostrar que é possível sermos felizes. Guardo recordações tão boas desse programa. Quando estava em cena, a minha maior alegria era o jogo do dominó e do que sentia quando os telespectadores ganhavam. Nesse momento explodiam confetis. Aquilo era a minha alegria.
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