Em pouco mais de um ano, deixou de ser um cantor (praticamente) desconhecido para se converter um dos fenómenos do TikTok. Durante o primeiro confinamento, Sam Ryder começou a partilhar nesta rede social os vídeos que gravava em casa. Em menos de nada, tinha 12 milhões de seguidores e estrelas como as cantoras Sia e Alicia Keys a elogiá-lo publicamente. No início deste ano, a estação de televisão britânica BBC desafiou-o a representar o Reino Unido no Festival Eurovisão da Canção de 2022, em maio, em Turim. Ficou em segundo lugar.

Apesar de ser uma estrela mundial do TikTok, eram muitos os europeus que não faziam a mínima ideia de quem é que o Sam Ryder era quando foi anunciado que iria ser o representante do Reino Unido no eurofestival. Quem é o homem que se esconde por detrás do artista?

Olá. Chamo-se Sam.... [risos] Canto há muitos anos. E gosto de música há ainda mais tempo. Já estive em muitos grupos, alguns deles enquanto ainda estudava... Já fiz muita música má! Cantei em restaurantes, em discotecas, em festas e até em casamentos. Trabalhei, durante muitos anos, na construção civil...

O que posso dizer mais? Adoro fazer surfe e snowboard. Se não estiver a cantar, muito provavelmente estarei no mar. Adoro nadar em águas frias. Gosto de Fórmula 1... [risos] Adoro o Zoda. Adoro a Nintendo... [sorri] Gosto de trabalhar. Gosto de andar de um lado para o outro. Gosto de paraquedismo... [risos]

Afirmou numa entrevista que um dos seus passatempos preferidos é surfar na costa inglesa. Já alguma vez experimentou a portuguesa?

Sim, já estive em Portugal, mas as ondas eram más. Estava um tempo horrível...

Isso foi há quanto tempo?

Há uns cinco ou seis anos. Na altura, conheci um surfista fantástico, o Lufi [alcunha do surfista português Luis Filipe Bento]. Acho que ele é bastante popular no meio. Conheci-o numa ida à praia, ele mostrou-me a loja que abriu [na Costa de Caparica] e falou-me do percurso profissional dele. Foi muito amistoso. Acho que, em breve, vou voltar a Portugal. Pode ser que consiga surfar com ele...

Tornou-se conhecido durante o primeiro confinamento. Apesar de ter sido um período difícil para a maioria das pessoas, a pandemia, para si, acabou por ser uma oportunidade...

Foram tempos muito intensos para todos nós. Globalmente, todos tivemos experiências diferentes consoante os sítios onde vivíamos e se tínhamos ou não acesso a espaços exteriores. Foi um período muito desafiante. É esquisito, até para mim, referir que o meu confinamento foi bom. Porque houve pessoas que viveram coisas horríveis.

Eu sinto-me um bocado dividido no que diz respeito a esta dualidade mas a verdade é que, para mim, foi um período bom. A pandemia não foi má para mim. A pandemia mudou a minha vida. Se eu não tivesse aproveitado para ir partilhando os vídeos que ia gravando, não estaria aqui agora. Penso muito nisso, por acaso... E tento ser cuidadoso na forma como abordo este assunto. É um tema de conversa relativamente recente...

Chegou a ter um café vegano. Fechou-o por causa da pandemia?

Não. Era um negócio meu e da minha companheira. Na realidade, ela é que geria o espaço e era ela que tratava da comida. Eu só lá ia fazer os sumos. Faço uns sumos naturais fantásticos, muito saudáveis, usando uma técnica de pressão a frio. Só que, naquela época, eu cantava em casamentos e, a partir de determinada altura, deixei de ter tempo para os ir preparar. A alternativa era ir para lá de noite mas depois não descansava...

Houve um dia em que fui para o café, vindo diretamente de um casamento. Estava tão cansado que adormeci na cozinha e, na manhã seguinte, quando o fornecedor do leite [vegetal] foi lá entregar a encomenda que tínhamos feito, apanhou-me a dormir, ainda com a roupa de cerimónia. A partir de determinada altura, começaram a surgir-me outras oportunidades no mundo da música e tive de desistir do negócio...

"Space man", a canção que interpretou no Festival Eurovisão da Canção de 2022, não é uma canção de amor convencional. Como é que foi o processo criativo?

Eu estava num estúdio de gravação em Londres, num dia [soalheiro] como o de hoje [dia da entrevista], com muito sol, o que é muito raro no Reino Unido, mesmo nos dias de verão. O estúdio também não tinha luz natural, o que também é muito comum. Mas acabámos por nos divertir a compor esta canção. Estava com dois outros compositores, a Amy [Wadge] e o Max [Wolfgang].

Era o primeiro dia em que trabalhávamos juntos. Tínhamos acabado de nos conhecer. Deve ter havido uma magia qualquer no ar porque sentámo-nos ao piano e, 10 minutos depois, tínhamos escrito "Space man". Foi uma coisa fantástica. Conseguir compor uma canção desta forma é o sonho de qualquer compositor e nós não tivemos que forçar as coisas. Aconteceu tudo muito naturalmente. Foi só deixar as coisas emergir à superfície...

Muitos parabéns, então!

Obrigado. Não costuma acontecer muitas vezes...

Normalmente, demora muito mais tempo?

Sim, demoro... [risos] Normalmente, quando estou a compor, sinto que estou a travar uma batalha. "Space man" foi uma benesse.

Afirmou, numa entrevista, que era fã do Festival Eurovisão da Canção desde criança. Nessa altura, já acalentava o sonho de um dia representar o seu país neste certame?

Não, nunca imaginei sequer que isso pudesse vir a acontecer. Somos muitos os aspirantes a cantores a sonhar com uma carreira na música. Temos, desde logo, isso contra nós. Há muita gente com talento a querer ser artista. Muitos cantores também sonham com a Eurovisão mas só 1% ou menos é isso é que consegue cá chegar porque, anualmente, só há uma pessoa que consegue realizar esse sonho.

As possibilidades são tão ínfimas... Respondendo à sua pergunta, a Eurovisão era um sonho grande que eu tinha mas não era algo que eu acreditasse que se pudesse, um dia, vir a concretizar, para lhe ser sincero...

Foi um dos concorrentes mais pressionados da edição deste ano do festival. Para além do desafio de limpar a imagem do Reino Unido, que o ano passado terminou as votações sem qualquer ponto, foi também subindo discretamente nas listagens das principais casas de apostas, ao ponto de, nas vésperas, se tornar num dos mais fortes candidatos a vencer o certame. Como é que foi lidando com essa pressão?

Não me senti nada pressionado. Mas foi engraçado ir ouvindo isso... Nem eu nem a equipa que me acompanhava estávamos focados nos resultados nem na posição em que íamos terminar a noite. Uma das razões por que decidi aceitar o convite que me foi feito para participar neste festival foi o facto de adorar música.

Eu adoro cantar e aqui tinha a oportunidade de poder dar a conhecer a minha música e de poder partilhar a minha paixão com um número grande de pessoas. Independentemente da votação que tivesse, tinha aqui uma grande oportunidade de o poder fazer e, só por essa razão, já estava a ganhar desde o início. Por isso, limitei-me apenas a usufruir da experiência, aproveitando o momento sem qualquer tipo de expetativas.

Numa das primeiras entrevistas que deu após ter sido revelado que seria o representante do Reino Unido no Festival Eurovisão da Canção de 2022, assumiu logo que não iria para Turim com um espírito de competição. Mas, estando num concurso de canções, se tivesse tido hipoteticamente a possibilidade de trocar a sua por outra, sabe qual é que escolheria?

Não, acho que não a trocaria por nenhuma outra. Eu acho que precisamos de ter uma ligação emocional com aquilo que cantamos e eu adoro "Space man". Esta canção já mudou a minha vida. Não me deve nada. Foi com ela que consegui o meu primeiro contrato discográfico. Desde que a compus, a minha vida evoluiu num sentido literalmente oposto àquilo que eu esperava.

Por isso, eu e a minha canção estamos resolvidos... Participar numa competição como a Eurovisão com o espírito de que temos mesmo de ganhar não é bom porque, depois, se não acontecer, ficamos desapontados. Devemos ser bons para nós próprios e procurar aproveitar isto apenas como mais uma experiência. O que tiver de acontecer depois, acontece...

A edição deste ano do Festival Eurovisão da Canção tinha propostas musicais de estilos muito diferentes. Tinha uma canção favorita?

Todas as manhãs, acordava com uma canção diferente na cabeça. Eu estive envolvido nesta candidatura à Eurovisão desde janeiro, apesar do meu nome só ter sido anunciado publicamente em março. Só nessa altura é que comecei a prestar mais atenção aos outros países envolvidos. Mas só nas festas promocionais que antecederam a Eurovisão é que comecei a ouvir algumas das canções.

Há algumas que ainda nem sequer conhecia quando começámos aos ensaios em Turim... Acho muito interessante a ideia de só conhecer as canções depois de conhecer os artistas que as interpretam porque, depois, sentimos as coisas de maneira diferente...

A canção de Portugal é uma das que já conhecia antes de chegar a Itália ou só a descobriu lá?

Sim, a canção portuguesa é uma daquelas que eu já conhecia. Acho-a linda! Há um grupo musical, um trio feminino que se chama The Staves, que têm canções com harmonias muito boas, muito tranquilas e relaxantes. A vossa também é assim. Acho-a muito porreira!

Já lançou, até hoje, sete singles e um EP. Depois do Festival Eurovisão da Canção, segue-se, finalmente, o álbum?

Sim, vem aí muita música. Estou prestes a lançar um novo single. Estou a trabalhar nele neste preciso momento. Vou também iniciar a minha digressão. Vou participar em vários festivais em diferentes partes do mundo. Vai ser um ano fantástico! Espero que, no meio disto, consiga algum tempo para descansar, para surfar e para estar com a família e com os amigos.