Em pequeno, quis ser piloto de aviação e, depois, astronauta. Nunca chegaria a entrar num foguetão mas não foi por isso que deixou de (e)levar a bandeira de Portugal, o país onde se fez homem, bem alto. Em declarações exclusivas ao Modern Life/SAPO Lifestyle, no dia do lançamento da nova campanha da marca de roupa Intimissimi Uomo, que protagoniza, o atleta olímpico português, nascido na Costa do Marfim há 37 anos, falou do passado, do presente e do futuro.

É o rosto da nova campanha da Intimissimi Uomo. Alguma vez imaginou que a moda também viria a ser uma das facetas da sua carreira ou foi algo que foi acontecendo por acaso e que nunca ambicionou?

Se me fizesse essa pergunta quando eu era mais jovem, se eu me via a representar uma marca como a Intimissimi Uomo e a ser a cara de uma campanha deles, eu iria responder que era impossível mas, desde que comecei a ter maior visibilidade e maior sucesso na minha carreira, comecei a fazer muitos trabalhos de moda e a colaborar com muitas marcas. Isto é o resultado de muitos anos de trabalho também…

Sente-se completamente à vontade neste meio ou continua a ser mais fácil calçar as sapatilhas para ir treinar?

Nunca nada será mais fácil do que calçar as sapatilhas, porque é o mundo que eu amo e algo que eu sempre ambicionei. Eu já pratico atletismo há 30 anos, só para ter uma ideia. Mas a moda é um mundo onde também me sinto à vontade e gosto do resultado. A Intimissimi Uomo é uma marca que toda a gente conhece.

É uma marca que sabe como promover os seus produtos, que tem os seus embaixadores. Eu, por mim, enquanto espetador, também gosto destas campanhas. Tanto a equipa fotográfica como a equipa de vídeo trabalham muito bem. A equipa de desenvolvimento de roupa e os colaboradores que vendem nas lojas também estão muitíssimo bem preparados…

E o que é que sente ao passar, depois, em frente às lojas e ao deparar-se com uma fotografia de grandes dimensões com a sua imagem em roupa interior nas montras?

É um grande motivo de orgulho, sem dúvida. No passado, quando os meus pais ainda estavam vivos, viam-me em outdoors e ficavam muito orgulhosos e eu, pessoalmente, também fico muito contente por saber que aqueles que me amam e que aqueles que me seguem gostam de acompanhar o meu percurso. É sempre mais uma conquista e um momento especial na minha carreira...

Em criança, o que é que se imaginava a ser quando fosse grande. Já queria ser atleta quando era pequeno?

Sempre me imaginei a ser atleta. Sempre desejei ser aquilo que sou hoje. Lutei muito para chegar aonde cheguei. Sempre fiz por isso. Lutei muito! Tive de abdicar de muitas coisas mas, como se costuma dizer, quem corre por gosto não se cansa… Tenho muito orgulho no meu processo evolutivo e em toda a equipa que me rodeia e que também me ajuda a criar a minha marca.

Mas, em criança, só se imaginava a ser atleta? Nunca quis, por exemplo, ser astronauta ou polícia como ambicionam muitos rapazes na infância?

Sim, tive um período em que quis ser piloto…

Piloto de aviação?

Sim, de aviação. E também astronauta! Eu era aficionado por tudo o que eram temas que tinham a ver com o espaço… Era um sonho mas eu achava que poderia lá chegar. Não temos muitos portugueses nesta área mas já temos alguns a integrar equipas técnicas que preparam missões ao espaço. Não sei se fiz bem ou não mas ainda bem que não enveredei por essa carreira…

Hoje em dia, os sonhos que tinha em criança estão todos concretizados ou ainda há algum por realizar?

O que eu aprendi ao longo destes anos todos, e afirmo-o com a maturidade que tenho hoje, é que nada é impossível. Precisamos é de ter a estratégia correta e de nos sacrificarmos bastante para conseguir concretizar os nossos sonhos. As grandes conquistas implicam sempre grandes sacrifícios.

Ainda esta manhã [dia da entrevista] esteve a treinar. Durante mais quanto tempo é que se imagina a competir?

Pouco tempo. Poucos anos já…

Mas já definiu mentalmente uma data?

Não, ainda não está definida. As pessoas que me estão mais próximas não o sabem e eu próprio também não. Mas sei que não competirei durante muitos mais anos… Eu quero fazer uma saída em sintomia com aquilo que foi a minha assinatura enquanto desportista. Eu quero sair bem. Já estou em paz com tudo aquilo que fiz.

Nelson Évora em entrevista exclusiva.
Nelson Évora em entrevista exclusiva.

Estou orgulhoso do que conquistei. Não tenho de provar mais nada a ninguém. Se ainda continuo a treinar e a competir é porque amo aquilo que faço. Dá-me muito gozo praticar atletismo e competir ao mais alto nível, com muitos jovens. Agora já compito com muitos jovens, atletas mais novos do que eu. Também é bom poder transmitir-lhes valores…

E o que é que se imagina a fazer depois em termos profissionais?

Imagino-me a fazer tudo o que eu quiser. Tenho muitos projetos em mente, alguns deles a começar a dar os primeiros passos e outros numa fase já mais avançada. Muito brevemente irão ouvir falar sobre eles…

Mas pode levantar já um bocadinho o véu?

Têm a ver com desporto. Só posso dizer isso…

Só com desporto?

Tenho um que tem a ver com outra área mas ainda não posso desvendar nada sobre ele… A minha família e as pessoas que me seguem vão ficar muito orgulhosas com esses projetos. É só o que posso dizer…

Nas fotografias promocionais desta campanha da Intimissimi Uomo, surge em roupa interior. Nas redes sociais, também gosta de publicar fotografias com pouca roupa. Percebe-se facilmente que está muito à vontade com o seu corpo e com a sua imagem. É muito vaidoso ou nem por isso?

Sou-o quanto baste. Cuido da minha imagem mas, se fosse muito vaidoso, teria ido ao barbeiro arranjar o cabelo para este evento [apresentação oficial da campanha] e não o fiz… [risos] Mas acho que estou bem assim. Temos que nos aceitar como somos. Essa é a principal mensagem que eu procuro sempre passar.

Temos de nos aceitar como somos, irmo-nos adaptando um pouco à moda e, depois, adotar aquilo com que nos sentimos melhor. Eu sinto-me bem com o meu corpo e procuro transmitir uma imagem de confiança. Não interessa se temos o corpo cheio de músculos ou não, temos é de nos sentir bem com aquilo que somos. Por uma questão de confiança, também…

Em muitas das imagens desta nova campanha, surge em boxers. No dia a dia, também é o que prefere?

Sim, prefiro boxers.

Por uma questão de conforto ou de estilo?

Por uma questão de conforto. Acho que este tipo de preferência depende muito do corpo que temos. Há pessoas que têm uns corpos mais esguios, outros mais largos… Acho que devemos usar aquilo que nos faz sentir bem. Eu gosto mais de usar boxers no dia a dia mas, para praticar desporto, prefiro usar cuecas.

Há uns anos, tornou-se viral uma fotografia, alegadamente tirada durante a sua participação numa prova, onde se viam umas proeminências no seu fato de atleta…

[interrompe] Uma montagem muito bem feita! Já falei várias vezes sobre isso e volto a falar sem problema. Tem muito a ver com uma questão cultural, a questão da sexualização do atleta. Isso também já acontecia com os gladiadores, que eram escravos dos seus senhorios e eram também escravos sexuais. Acabavam por ter de fazer favores sexuais...

Houve algum ruído em relação a essa fotografia mas eu até já brinquei com a situação, continuo a fazê-lo e vou sempre brincar com isso. Aliás, eu sou muito brincalhão e acabo, por vezes, por mandar bocas nos momentos em que as pessoas menos esperam que eu fale sobre isso. As pessoas, por vezes, até ficam meio atrapalhadas mas há que saber levar as situações…

A seguir a esse episódio, passou a ser ainda mais assediado nas redes sociais ou não sentiu qualquer diferença no tipo de abordagens?

Passei a ser mais assediado mas, logo na altura, recebi muitos memes dessa foto, de grupos de amigos a que pertenço... Temos de saber lidar com essas coisas. A fama não traz só coisas boas, também traz muitas coisas más e quem não sabe lidar com isso acaba por sofrer.

Há pessoas que, por situações como estas e outras mais graves, acabam por sofrer e até por se suicidar, nalguns casos, por não saberem lidar com este tipo de situação. Neste meu caso, não foi uma coisa grave, mas há que ter cuidado com a forma como viralizamos um tema.

Nos últimos anos, foram várias as figuras públicas, sobretudo mulheres, que vieram a público insurgir-se contra o assédio de que são vítimas nas redes sociais. Muitas recebem fotografias de pessoas nuas ou até mesmo só de órgãos sexuais. Isto também sucede consigo e, se sim, como é que reage?

Para lhe ser sincero… Eu acho que, neste momento, estamos mais virados, e acho muito bem, para a igualdade, para o feminismo e para o respeito pelo sexo feminino. Mas, futuramente, acho que também vamos ter de ter em atenção que os homens também são assediados.

E não é por sermos homens e termos sido durante muitos anos nós os que atacávamos e os que agíamos mal que podemos permitir que nos dias de hoje aconteça o contrário. Mas qual é o homem que foi assediado e que poderá ter-se sentido ofendido e que seja levado a sério? É ridículo pensar isto hoje mas eu sei que, no dia de amanhã, não o será…

As redes sociais têm servido para aproximar mais os fãs da figuras públicas que admiram mas também têm o lado perverso de serem palco de críticas destrutivas e até, muitas vezes, de enxovalho público. Como é que lida com isso? Dá importância a esses comentários e a esses ataques ou desvaloriza-os?

Vou-lhe ser sincero, desvalorizo as críticas, porque eu sou uma pessoa que pondera bem as coisas. Antes de falar, penso muito bem naquilo que vou dizer. Isto acontece em relação a qualquer tipo de temas. E desvalorizo-as porque as pessoas, quando criticam, fazem-no muitas vezes sem saber a razão, a verdade.

Nelson Évora é o rosto da nova campanha da Intimissimi Uomo e está (muito) orgulhoso. "Gosto do resultado"
Nelson Évora é o rosto da nova campanha da Intimissimi Uomo e está (muito) orgulhoso. "Gosto do resultado"
Ver artigo

As pessoas acham que liberdade de expressão é ofender e atacar mas, aí, quando estão a tirar a liberdade a outra pessoa… A nossa liberdade termina quando tiramos um bocado da liberdade do outro. Nem que seja um centímetro, colidimos com a liberdade do próximo e as pessoas esquecem-se disso. A liberdade de expressão não é isso. Significa que és livre de falar sem ofender nem atacar. Nos dias de hoje, vivemos um momento… A história da humanidade tem sido marcada por levarmos tudo ao excesso. Foi preciso terem sido cometidas atrocidades para as pormos de parte e pensarmos que nunca o poderemos fazer nunca mais.

Mas parece que já nos esquecemos. Eu não quero estar aqui a falar de política mas com as redes sociais sucede o mesmo. São uma coisa nova, achamos que podemos levar tudo ao extremo e iremos fazê-lo até percebermos que há um limite para tudo na vida…

Passa-se de bestial a besta em menos de nada e o inverso também acontece. Não querendo falar na polémica que se gerou durante os Jogos Olímpicos de Tóquio, no Japão, em torno da sua alegada rivalidade com o Pedro Pichardo mas, sim, das repercussões que ela teve, sente que as pessoas hoje olham para si de outra maneira?

Sobre esse assunto, não tenho nada a dizer. As pessoas vão continuar a falar, independentemente do que eu possa dizer. A verdade nunca se soube. Por isso, eu deixo as pessoas falarem à vontade e continuo com a minha vida…

Mas notou alguma reação menos positiva das pessoas com quem se vai cruzando na rua no dia a dia? Sentiu alguma diferença?

Não. Nunca tive nenhuma situação inconveniente em relação a isso. Nunca tive…

E nas redes sociais?

Muito sinceramente? Eu não leio, não ligo… Acredito que as pessoas que me são mais próximas e que querem o meu bem e o meu conforto se sintam mais melindradas em relação a isso mas eu, pessoalmente, tenho a dizer que muito provavelmente você irá escrever sobre isto mas eu nem sequer vou ler. Isso não me diz nada. Eu vou continuar a fazer a minha vida, vou continuar a lutar pelos meus sonhos e pelos meus objetivos, como qualquer outra pessoa faz…

Aproxima-se um novo ano, uma nova oportunidade de retomar alguns dos planos que a pandemia tem adiado. Como é que tem vivido esta fase de regresso a alguma normalização?

Acho que temos de viver um dia de cada vez, procurando voltar à nossa normalidade. Sei que, em muitos países, os casos de COVID-19 voltaram a subir muito. É o caso da Rússia e de Inglaterra…

Mas está relativamente tranquilo ou tem receio?

Eu tenho receio. Não vou dizer que não tenho. Todos nós devemos respeitar o que está a acontecer mas também acho que temos de tomar uma decisão e definir uma estratégia em relação àquilo que queremos fazer.

Ou vivemos com medo e com limitações ou damos um passo em frente e lidamos com o facto de existirem muitas outras doenças que sempre existiram e sempre infetaram outras pessoas. Há muitas outras patologias que matam pessoas todos os dias. Há que continuar a ter cuidados mas é preciso voltar à normalidade. É imperativo que o façamos para a saúde mental de todos nós e também para a economia e para tudo o resto...